Hyndara Freitas

Ana Pompeu

Luiz Orlando Carneiro

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quinta-feira (17/10) o julgamento das três ações que discutem a constitucionalidade da prisão após condenação de 2ª instância. Na tribuna, falaram os autores das ações e a maioria dos 10 amici curiae. Pela quantidade de entidades envolvidas no processo, as sustentações só terminam na próxima quarta-feira (23/10) – ainda faltam duas. Na próxima sessão, também se manifestam a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República.
Ao ler o relatório das ações, o ministro Marco Aurélio fez críticas à presidência do STF, lembrando do histórico de liminares suas que o ministro Dias Toffoli cassou no último ano. Toffoli, por sua vez, disse que as ações não envolvem nenhum personagem específico, e destacou números que mostram a produtividade do tribunal.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque!</a></li>
</ul>
Do lado de fora do palácio de vidro do Supremo, manifestantes com bandeiras do Brasil e faixas pró-Lava Jato e Bolsonaro dividiam a Praça dos Três Poderes com manifestantes vestindo vermelho que gritavam cânticos solicitando "Lula Livre". Do lado verde e amarelo, havia faixas pedindo o fechamento do STF.
O STF analisa as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, ajuizadas pelo então Partido Nacional Ecológico (PEN) – atualmente Patriota – , do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do PCdoB, respectivamente. O pedido nas ADCs é para que o Supremo reconheça a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) e revogue o pronunciamento do Plenário de fevereiro de 2016, que entendeu ser possível a execução provisória da pena. O CPP prevê:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
A sessão começou com um breve discurso do presidente Dias Toffoli, que disse que "este julgamento e as presentes ações não se referem a nenhuma situação particular”. O julgamento do STF ocorre sob a sombra do ex-presidente Lula. Isso porque, em eventual mudança na jurisprudência da Corte no sentido de não permitir a execução provisória da pena, Lula seria um dos beneficiados.
"O objetivo é, dada a prorrogação que vem – porque o Judiciário não age de modo próprio, não age de ofício – dar o alcance efetivo e a interpretação a um dos direitos e garantias individuais previstos em nossa Constituição Federal. Se estenderá a todos os cidadãos brasileiros que estiverem sujeitos a sua aplicação sem distinção em um ou outro sentido.  Como tenho sempre ressaltado, a defesa da Constituição é o que tem norteado a atuação republicana deste STF ao longo de sua história, e hoje não será diferente. Com muita serenidade, apregoo as seguintes ações para julgamento", falou Toffoli.
Marco Aurélio abriu "um parênteses" ao ler o relatório das ADCs, para criticar o autoritarismo dentro do Supremo. "É inconcebível visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam; apenas têm acima o Colegiado. O presidente é coordenador, e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena os trabalhos do Colegiado. Fora isso, é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o Regimento Interno, enfraquecendo a Instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos em que verificada, até mesmo, a autofagia. Aonde vamos parar!", disse o relator.
O ministro Marco Aurélio citou duas vezes em que Toffoli cassou liminares proferidas por ele. A mais emblemática foi a medida cautelar proferida por Marco Aurélio em 19 de dezembro de 2018, em que determinou a soltura de todos os presos em razão da condenação em 2ª instância. A PGR entrou com uma suspensão de liminar, que foi prontamente acolhida por Toffoli. Isso se repetiu quando Toffoli suspendeu liminar em que Marco Aurélio suspendia decreto sobre cessão de exploração de petróleo e gás pela Petrobras, também em dezembro de 2018.
Por fim, Marco Aurélio lembrou quando Luiz Fux, vice-presidente do STF que estava no exercício da presidência em setembro de 2018, suspendeu decisão de Ricardo Lewandowski que autorizava o ex-presidente Lula a conceder entrevistas.
Na semana que vem, o plenário se reúne em três sessões, na manhã e tarde da quarta-feira e na quinta-feira. Falará pela AGU André Mendonça e pela PGR, ainda não foi definido se é Augusto Aras ou o seu vice, Bonifácio de Andrada, quem vai sustentar.
Marco Aurélio disse que seu voto é curto, cerca de oito folhas, mas alguns ministros acreditam que o julgamento se alongue por mais uma semana. Isso porque há a expectativa de que os votos de outros ministros sejam longo, em especial o voto de Celso de Mello – o decano é, historicamente, defensor da prisão somente após o trânsito em julgado.
<h3>Autores</h3>
Os primeiros a sustentarem foram os advogados do Patriota (antigo PEN). O partido pediu para desistir da ação no ano passado, porque não queria que eventual declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP beneficiasse Lula. Entretanto, não é possível desistir de ação de controle de constitucionalidade. Falaram pelo partido os advogados Heracles Marconi Goes Silva, Lucio Adolfo e Marcos Vinicius Carvalho.
"Se as coisas mudam, o PEN, que mudou inclusive a sua nomenclatura, vem defender aqui neste plenário, sem menosprezar de nenhuma maneira o princípio da presunção da inocência. Entendemos que devemos respeitar o duplo grau de jurisdição. Não deixo de ser garantista por defender da tribuna o posicionamento punitivista do Patriota. De qual liberdade estamos a tratar? Da liberdade dos réus? Da liberdade dos cidadãos?", falou o advogado Heracles Marconi.
Já pelo Conselho Federal da OAB falou o advogado Juliano Breda, que disse na tribuna que “quando o constituinte entendeu essencial trazer à CF o catálogo de direitos fundamentais de garantias individuais do cidadão, estava ele respondendo a décadas de arbitrariedade na Justiça criminal”.
Pelo PCdoB, falaram os advogados Fabio Tofic Simantob e José Eduardo Cardozo. Simantob defendeu que "no processo penal, o justo é o processo conduzido dentro das balizas constitucionais" e, por isso, "uma Corte constitucional não pode renunciar o poder de exercer o controle constitucional" do processo legal.  "Não pode haver cumprimento de pena antes que a Corte constitucional examine os recursos dos desvios legais e ofensas constitucionais que possam ter ocorrido durante o processo legal", disse Simantob.
Em sua sustentação, Cardozo disse que não se pode discutir o significado da expressão trânsito em julgado prevista na Constituição. "O significado dessa expressão é indiscutível, está incorporada nos léxicos jurídicos há décadas, trânsito em julgado significa sentença que não comporta mais recurso. Podemos discordar da Constituição, que ela é retrógrada, atrasada, mas é o que a Constituição diz, é o que está lá, e esta é a Constituição que nós juramos defender".
E continuou: "Tenho ouvido alguns argumentos, apregoa-se muito um consequencialismo jurídico, o primeiro é que esta decisão acabaria com a ilicitude e que esta decisão eliminaria o sentimento da impunidade. Me permita dizer, na experiência de quem viveu como titular do Ministro da Justiça, o principal sentimento da impunidade está no nosso sistema de encarceramento. Nós não temos unidades prisionais que permitem uma mínima possibilidade de recuperação. É entrar lá e destruir vidas, é entrar lá e sair destruído. Ou nós resolvemos o problema no sistema prisional do Brasil ou não parará a impunidade".
<h3>Amici curiae</h3>
Pelo Instituto de Garantias Penais (IGP), falou o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que foi um dos autores da primeira ação levada ao Supremo, a ADC 43, do PEN. Ele rebateu críticas de a ação se destinava a proteger o ex-presidente Lula. “Ele não era sequer investigado quando impetramos a ação. Quando julgamos a liminar, ele não era sequer denunciado”, disse, e acrescentou que a preocupação é a defesa de cláusulas pétreas. 
“Queremos que se cumpra a Constituição. Vivemos em um tempo em que defender a Constituição é tido como um ato revolucionário. Aqui, a análise que o juiz tem que fazer é de que se trata de um texto que é inequívoco”, disse Kakay.
Em nome da Defensoria Pública da União, Gabriel Faria disse ser simbólico a DPU estar nas presente nas ações. "Eis que, sem dúvida, o debate atinge, sim, as pessoas pobres, grande maioria da massa da população carcerária", disse. Para ele, pobres já respondem a processos em prisão preventiva, o que inverte a ordem afirmada e reafirmada pela Corte de que os direitos fundamentais devem ser implementados sempre.
"Talvez como nenhum outro caso este tema é de interesse da Defensoria Pública. Teremos furtadores de chinelos, de bolachas presos e, depois, se profissionalizando no crime nas masmorras prisionais brasileiras", enfatizou depois de citar números que destrincham a situação carcerária do país.
A Defensoria Pública de São Paulo e do Rio de Janeiro também apresentaram argumentos. Para Rafael Muneratti, não está em jogo a impossibilidade de se discutir fatos e provas depois do segundo grau. "Mas é fato que conseguimos a reforma de várias condenações de acórdão de segundo grau", disse, passando a citar números que provem o ponto. "Mas não somos matemáticos, estatísticos, lidamos com pessoas. Atendemos pessoas."
Uma prisão em segunda instância jamais pode ser justa, continuou. Isso porque, segundo ele, já que se deveria aguardar o trânsito em julgado, o que move a prisão nessa fase é uma ansiedade punitivista. "Ao não aguardar que é certo que se promove prisões desnecessárias e injustiças irreparáveis", finalizou.
&nbsp;

STF julga validade de prisão em segunda instância

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Nesta quinta, relatório foi lido e alguns amici curiae expuseram seus argumentos. Julgamento continua na próxima quarta

STF começa a julgar ações sobre prisão após condenação em 2ª instância

Nesta quinta, relatório foi lido e alguns amici curiae expuseram seus argumentos. Julgamento continua na próxima quarta