Ana Pompeu

Hyndara Freitas

A sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) desta quarta-feira (7/10) foi dedicada a homenagens ao ministro Celso de Mello, que se aposenta em 13 de outubro, após 31 anos na Corte. Ao fim das homenagens, o decano afirmou ter conhecido o Supremo em tempos de ditadura e que, neste momento, altas autoridades ignoram o fato de que o poder não é absoluto.
Esta foi a penúltima do decano. Nesta quinta-feira (8/10), o plenário julgará um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) contra decisão dele, que determinou que o presidente Jair Bolsonaro deveria depor presencialmente e não por escrito, no inquérito que investiga supostas interferências na Polícia Federal. 
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A ministra Cármen Lúcia abriu as homenagens, com longa fala exaltando a personalidade de Celso como ministro e como cidadão, seus célebres votos, seu gosto pela música e pelas artes, seu vasto conhecimento da história e afeição pela família. <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/10/discurso-em-homenagem-a-celso-de-mello-carmen-lucia.pdf">Leia a íntegra da homenagem</a>.
Cármen citou o escritor Paulo Mendes Campos, que dizia que o homem é um gesto que se faz ou não se faz. “José Celso de Mello Filho é gesto humano dos mais nobres que é feito, fez do cuidado com o outro e com a justiça pelo outro um gesto humano permanente, a ser marca de sua vida, e com sua ação determina que outros saibam ser possível e necessário fazer também o gesto que prestigia a humanidade e justifica o viver solidário”, disse.
A ministra disse que Celso saiu de sua cidade-natal, Tatuí, interior de São Paulo, para empregar-se e servir. “Dividiu com todos, primeiro em São Paulo e depois no Brasil, sua ciência e seu estilo de vida. Dividiu-se para multiplicar o saber, a ética, a postura pessoal impecável e a compostura pública inabalável. O ministro Celso de Mello alia a firmeza de decisões com a lhaneza de trato, a seriedade da conduto à leveza do convívio, a profundidade do saber com a diversidade dos saberes”. 
Para Cármen, “há pessoas que são necessárias em alguns momentos, há pessoas que são necessárias em alguns assuntos”, mas “há pessoas que são necessárias sempre, qualquer que seja o tema, o momento, a matéria de vida posta, a conversa, a troca de experiências ou a ação”, e uma dessas pessoas é Celso de Mello. 
“A humanidade precisa de pessoas boas, ruindade faz mal, trava a história em sua evolução mais propícia a condição humana e a vocação do ser humano que é ser feliz. Interessam-me pouco as explicações psíquicas e psiquiátricas para a maldade e indignidade, interessa-me a bondade, que torna a vida melhor, o mundo melhor, a experiência mais confortável e valiosa. José Celso de Mello Filho é um homem bom. Isso já o faria essencial, mais ainda neste Brasil, onde a maldade tantas vezes tem tido assento privilegiado em detrimento do cidadão e da República”, acrescentou Cármen, destacando que o cidadão José Celso de Mello Filho é íntegro, intransigente com a desonestidade, com a corrupção, com a promiscuidade, com todas as práticas antirrepublicanas e antidemocráticas. 
Alexandre de Moraes parabenizou e agradeceu ao decano. Ele lembrou que, na última segunda-feira (5/10), a Constituição completou 32 anos. Destes, em 31 anos o ministro Celso esteve no Supremo e, segundo Moraes, sendo um dos principais construtores do real significado do texto constitucional.
“Nessas três décadas de atividade judicante, a influência do nosso decano para a concretização de efetivo e justo estado democrático de direito foi essencial. Tanto no campo das definições do nosso controle de constitucionalidade quanto na proteção dos direitos humanos fundamentais, nos ideais democráticos republicanos, no combate à corrupção”, disse.
O ministro escolheu quatro lições do decano para citar e enaltecer. “Cito quatro frase que a todos ensinou: o propósito maior do STF é de servir com integridade e respeito ao que proclamam a constituição e as leis da República. E ainda que a Corte suprema não se curva a pressões e não admite os excessos e abusos que emanam de qualquer esfera de poder. Ele nos ensinou ainda que combate severamente os atos de corrupção por ser um gesto de perversão da ética do poder e da ordem jurídica, cuja observância se impõe a todos os cidadãos desta República, que não toleram o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper. E uma vez mais nos ensinou que existe o direito do cidadão ao governo honesto.”
O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, lembrou que pela própria discrição pela qual Celso de Mello é conhecido, este momento de homenagens deve suscitar sentimentos conflitantes a ele. “ O jurista que já se fizera como tal antes de chegar ao Supremo sempre fora um pensador original e criativo com todas as virtudes do seu estilo pessoal”, disse. 
Barroso disse que, como pessoa, destacaria a personalidade de extrema fidalguia, generoso com todos, como com os ministros que chegavam ao tribunal, desafetado e uma pessoa muito institucional e agregadora. Além disso, como magistrado, Barroso afirmou que cada uma terá os votos que marcaram. Ele selecionou três.
“Um voto marcante foi sobre a marcha da maconha, não pelo objeto, mas pelo respeito das pessoas pensarem diferente. Aí também uma característica deste juiz notável que é a abertura para o novo, homem capaz de preservar as tradições, mas que também está sintonizado com o espírito do tempo”, citou. 
Outro, antológico segundo ele, foi sobre a criminalização da homofobia, relatado por Celso, e, por fim, o terceiro voto lembrado, como conjunto de votos e posições mas como base a manifestação na ADPF 130, a ênfase na importância da liberdade de expressão e sobretudo de imprensa para a sobrevivência da democracia.
O ministro <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/celso-de-mello-e-homenageado-pelos-colegas-na-ultima-sessao-da-2a-turma-do-stf-06102020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Edson Fachin reiterou as homenagens que fez a Celso na última terça-feira (6/10) em sessão da 2ª Turma,</a> e disse: “o ministro Celso de Mello poderá ser sucedido neste tribunal, mas nunca substituído. Figura humana de rara sensibilidade e inteligência, já sentimos a falta que nos fará”
A ministra Rosa Weber disse que a era da jurisdição constitucional brasileira iniciada com a Constituição de 1988 muito bem poderia ser designada a era de Celso de Mello. A ministra disse que o decano é seu “paradigma inatingível”, não apenas no exercício da jurisdição constitucional “e na irredutível afirmação das liberdades, dos direitos fundamentais e dos grupos minoritários”, mas sobretudo “na incansável e intransigente defesa institucional do STF e do Poder Judiciário contra todos os atos, condutas, e movimentos, não importa a origem, reveladores de arbítrio, e autoritarismo, de intolerância e da incompreensão do papel de uma Corte constitucional em um estado democrático de direito”.
“Sua Excelência tem sido farol com bússola a sinalizar o que não devemos e não podemos esquecer, o que não podemos silenciar: o incondicional e absoluto respeito à Constituição, a repulsa inexorável aos comportamentos autocráticos que a afrontam, e a dignidade e a imprescindibilidade do Poder Judiciário como garantidor da democracia”, afirmou. 
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou a homenagem “emocionante e memorável” feita pela 2ª Turma do STF na última sessão do decano naquele colegiado. Na ocasião, no fim dos trabalhos, o ministro Gilmar Mendes discursou e se emocionou sobre a trajetória do ministro e os colegas se juntaram à celebração da trajetória dele. 
https://www.youtube.com/watch?v=762H64KTXKI
Lewandowski ressaltou que durante os julgamentos da Turma, Celso deixou, ainda, uma última grande lição. Na análise do HC 188.888, Celso afirmou “peremptoriamente a obrigatoriedade da realização das audiências de custódia, mas mais do que isso nos alertou que não mais existe a prisão ex officio da prisão em flagrante em preventiva. Verdadeira lição de Direito.”
Ele lembrou também a música "Para não dizer que não falei das flores", que se tornou lema de grupos democráticos no período ditatorial. “Numa dessas estrofes que passou para a história e dominou o imaginário popular, disse Geraldo Vandré ‘quem sabe faz a hora não espera acontecer’. Celso sempre fez a hora, sempre esteve adiante da hora, jamais esperou acontecer.”
O ministro Dias Toffoli disse que Celso de Mello sempre se mostrou “um juiz desassombrado e intransigente na defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos e das liberdades fundamentais”, e que o decano é a um só tempo “artífice e protagonista da história do STF, da Constituição de 1988 e da própria democracia brasileira”. 
“Celso de Mello é um homem à frente de seu tempo, e sabemos que continuará sendo nas suas novas atividades. Seus entendimentos registrados em julgamentos históricos traduzem o anseio por um país e um mundo melhores, em que a liberdade, a igualdade e a justiça sejam franqueados a todos, sem distinção”, falou. 
O ministro Marco Aurélio se recusou a falar depois dos colegas. Dizendo observar "a organicidade", se calou quando Fux lhe passou a palavra.
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Já o presidente Luiz Fux relembrou a carreira de Celso de Mello, e elogiou sua “memória única” e inteligência. “Não à toa, à luz de sua sabedoria, eu o apelidei carinhosamente de pen-drive humano”, disse Fux. O presidente agradeceu Celso de Mello por seus 31 anos dedicados ao STF, e disse que seus ensinamentos serão sempre um farol para todos os integrantes da Corte. <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/10/pronunciamento-despedida-ministro-celso-de-mello-presidente-fux.pdf">Leia a íntegra do pronunciamento</a>.
“Conforme nos ensina o poeta Mário Quintana, a saudade é o que faz as coisas pararem no tempo. Hoje, é imortalizada a trajetória de vossa excelência, um magistrado que dedicou sua vida à causa pública e ao bem comum, por meio de decisões universais e atemporais. As sessões compartilhadas com vossa excelência representam uma honra única e um aprendizado eterno, para mim e para os nossos eminentes colegas”, falou.
Ao fim, anunciou um livro em homenagem ao ministro Celso. A obra tem a imagem de Celso de Mello quando ingressou e uma foto recente, e traz em sua contracapa a missão institucional do Supremo, que foi escrita pelo decano. 
<h3>PGR, DPU e OAB</h3>
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a contribuição do decano se deu ao longo de todos os 31 anos dele em atuação do STF. “O MP brasileiro presta as homenagens a Vossa Excelência pela contribuição inestimável para o Direito pátrio, pela fidalguia para com todos, pelo brilho das peças lapidadas e esmeradas com o dom de grandes ourives, pelo fortalecimento da nossa democracia e pelos princípios e valores da nossa constituição cidadã.”
Aras lembrou a defesa que Celso de Mello fez, já na sabatina no Senado, do mandado de injunção como meio de consolidação da Constituição Federal, e também da prerrogativa de amici curiae fazerem sustentações orais no plenário da Corte. O PGR disse ainda que, na passagem pela judicatura paulista e pelo MP paulista, ele já era conhecido pela defesa do novo regime democrático, firmado pela Constituição de 1988. 
“Logo nos primeiros anos na Corte máxima, estabeleceu a jurisprudência das liberdades no período em que o Supremo ainda se pautava em entendimentos baseadas nas anteriores Constituições impregnadas ainda pelos ventos ainda da Guerra fria”, disse o PGR. Ele apontou, ainda, que foi imprescindível a contribuição de Celso para a estabilização dos princípios constitucionais e da própria democracia. 
O defensor público-geral da União, Gabriel Faria Oliveira, afirmou que defensores e defensoras de todo o país têm no ministro Celso de Mello um professor a quem têm admiração profunda. Ele pontuou que a história do decano é também marcada pela dedicação incessante pela efetivação de direitos, especialmente pelos que mais precisam. Segundo ele, aproximadamente metade da população do país, na expressão repetida por Celso, não teve ainda direito a ter direitos.
“A sua trajetória singular é indiscutivelmente marcada pela defesa intransigente das liberdades públicas, das liberdades civis e nos direitos individuais. Os defensores espelham-se no ministro Celso de Mello para exatamente defender os que mais precisam, dos que muitas vezes nada têm, dos descamisados, dos pés descalços.”
No dia a dia, ele ressaltou, defensores e defensoras buscam, “nos votos-aulas, como paradigma da racionalidade jurídica-democrática para não apenas defender em abstrato, mas para implantar e concretizar direitos elementares em favor dos excluídos, marginalizados e invisíveis”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, destacou votos importantes do decano, e destacou que o ministro “nunca se furtou em ser a voz a se levantar como defensor da Corte e do primado da democracia”. “Nesta homenagem aqui prestada hoje ao ministro José Celso de Mello Filho, reforça-se nossa fé na vida e nas instituições democráticas, não podemos afirmar outra coisa que não seja a imortalidade do legado de vossa excelência para a memória jurídica nacional. Acima de tudo, exaltamos seu exemplo de dedicação profissional e respeito aos valores republicanos, sua demonstração de singular capacidade para unir o conhecimento técnico à sensibilidade humana e à vocação democrática”, disse Santa Cruz.
<h3 class="p1">O decano</h3>
O decano, ministro Celso de Mello, agradeceu as palavras dos que os homenagearam. Ele afirmou que o tribunal, incumbido da defesa da Constituição Federal e das liberdades fundamentais e da proteção da República e da ordem democrática constituiu, para ele, verdadeiro estado de espírito. Além disso, disse ser importante o papel da Corte num momento em que altas autoridades ignoram o fato de que o poder não é absoluto.
“Lembro-me como se ainda fosse hoje do dia em que com 43 anos de idade, vindo do MP paulista, tive a honra imensa e para sempre insuperável ingressar no Supremo e de nesta Corte augusta ter o elevadíssimo privilégio de conviver e de aprender dia a dia com os grandes magistrados que tiveram e que ainda nela continuam ter.”
Celso lembrou que ele conheceu o Supremo no período da ditadura cívico-militar. “Já nos bancos acadêmicos, nos tempos sombrios nos quais as liberdades fundamentais declinavam ante a arrogância do poder e o arbítrio sufocante dos seus agentes é que tive a precisa e exata percepção da elevadíssima importância do STF como órgão responsável pela preservação do equilíbrio institucional entre os poderes do estados, pela defesa dos direitos e garantias individuais, pela proteção dos valores da República, e pelo amparo aos que que perseguidos por um regime despótico buscavam acesso a esta Corte Suprema como verdadeiro santuário de garantia de movo intimorato dos direitos básicos que lhes eram abusivamente negados.”
Ao olhar para o passado, deixou uma mensagem para o presente e para os próximos tempos. “Desejo uma vez mais afirmar minha inabalável fé na integridade e na independência do STF por mais desafiadores, por mais difíceis e por mais nebulosos que possam ser os tempos que virão e os ventos que soprarão”, disse.
Ele afirmou estar convencido de que os magistrados do tribunal, por suas qualidades e atributos, sempre estarão à altura das melhores e das mais dignas tradições históricas da Suprema Corte brasileira, “especialmente em delicado momento de nossa vida institucional, no qual se ignoram os ritos do poder e em que altas autoridades da República, por ignorarem que nenhum poder é ilimitado e absoluto, incidem em perigosos ensaios de cooptação de instituições republicanas, cuja atuação só se pode ter por legítima quando preservado o grau de autonomia institucional que a Constituição nos assegura.”

CEST

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JOTA

Presidente Fux anunciou um livro em homenagem ao ministro Celso, acompanhado de um hotsite com a trajetória do decano

Prestes a se aposentar, Celso de Mello recebe homenagens no STF

Celso de Mello se aposenta em 13 de outubro, após 31 anos no STF. Ministro recebeu homenagem de seus colegas, do PGR, AGU e OAB