Hyndara Freitas

Luiz Orlando Carneiro

Ana Pompeu

O plenário do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) formou maioria de seis votos, nesta quinta-feira (4/3), para definir que as decisões proferidas em ações civis públicas (ACPs) devem valer para todo o país. Seis ministros já votaram para declarar inconstitucional norma que prevê que a sentença em ACP só fará efeitos nos limites da competência territorial do órgão que a proferiu. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Todos os ministros que votaram até agora entenderam que o limite territorial é incompatível com o próprio instituto da ação civil pública, que visa proteger interesses coletivos e direitos fundamentais, além de afrontar os princípios da igualdade, da eficiência da prestação jurisdicional e da segurança jurídica. 
<a href="https://conteudo.jota.info/saude"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Se o STF mantiver o entendimento, ações que visam reparar danos coletivos – comuns na área do Direito do Consumidor contra empresas, instituições financeiras e planos de saúde, por exemplo – poderão ter sentenças que produzem efeitos para o país inteiro. A norma em discussão no Supremo prevê, por exemplo, que uma decisão do Tribunal de Justiça do Acre em ação civil pública só produz efeitos para o estado do Acre. Com o entendimento da maioria dos ministros, essa limitação territorial não mais existiria.
O STF julga o recurso extraordinário (RE) 1.101.937, com repercussão geral reconhecida, que foi interposto pela Caixa Econômica Federal, Bradesco, Santander, Itaú e outros bancos contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que declarou ser inconstitucional <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/acao-civil-publica-abrangencia-09122020">o artigo 16 da Lei das Ações Civis Públicas</a> (Lei 7.347/1985) e fixou que decisões proferidas neste tipo de ação não se limitam à competência territorial do tribunal. 
A Lei das Ações Civis Públicas foi alterada em 1997, pela Lei 9.494, fruto da conversão da Medida Provisória 1.570, editada naquele mesmo ano. Antes da alteração, o artigo 16 previa que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes”. Depois da alteração, a redação passou a ser: “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”. O STF nunca havia se pronunciado sobre a constitucionalidade desta mudança.
O entendimento pela inconstitucionalidade da limitação territorial foi inaugurado pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Até agora, o relator foi acompanhado pelos ministros Cármen Lúcia, Nunes Marques, Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Os ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso se declararam impedidos. 
<h3>Votos</h3>
O relator, ministro Alexandre de Moraes, relembrou, de início, o status constitucional dado aos direitos difusos e coletivos e aos próprios instrumentos para a efetividade deles. A partir dessa construção, o relator deu o tom do voto que proferiu. Para ele, a Constituição de 1988 ampliou não só materialmente esses direitos, mas também previu instrumentos importantes para permitir a efetivação deles. 
"O reconhecimento de novos direitos fez surgir o reconhecimento de novos instrumentos para uma proteção mais célere, social, abrangente. O que se pretendeu, no que foi destacado por Celso Lafer, foi transcender a esfera protetiva de indivíduo, para garantir a proteção de grupos primários. A necessidade de proteção aos direitos fundamentais de terceira e agora de quarta geração fez surgir também a necessidade de uma reformulação do sistema processual. O comando constitucional foi o de imprimir maior efetivamente aos direitos difusos", disse.
Moraes ressaltou que o chamado “microssistema processual de direitos difusos e coletivos” não foi uma novidade, mas uma ampliação. A redação original do artigo 16 da Lei das ACPs baseou-se no art. 18 da Lei de Ação Popular, de 1965. E a eficácia erga omnes vem desde o nascedouro desse sistema, tendo sido reforçada, também, mais tarde, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que reforçou a ideia de que a sentença deve proteger todos os potenciais atingidos pelo dano, sem que haja qualquer menção na norma à limitação territorial.
"Como justificar que titulares de direitos difusos e coletivos somente por serem pertencentes a um grupo determinado de pessoas que vivem em outro lugar não podem ser beneficiados pelos efeitos erga omnes em decisão proferida por juiz competente? Seria, a meu ver, absolutamente discriminatório. Não estaria presente justificativa razoável para se manter o artigo 16 com a redação atual. É desproporcional, irrazoável, ilógico, inclusive", ressaltou Moraes.
Ele lembrou, por exemplo, a discussão que se deu em torno da proibição do cigarro dentro de aviões. A decisão que retirou a autorização para fumar em aeronaves teve validade para todo o território nacional e não teria sido possível, disse, fracioná-la. "Não há dúvida em relação a isso, esse fracionamento meramente territorial parece ignorar o longo processo jurídico e político de fortalecimento do sistema de proteção aos direitos difusos e coletivos, contrariando além do princípio da igualdade o princípio da eficiência."
E, segundo Moraes, dúvidas levantadas nas sustentações orais já têm respostas na legislação. Quando a ACP tem por objeto apenas questão local já se estabelece que o foro é a localidade onde ocorreu o dano. Nos casos em que a questão seja regional ou nacional, como não existe norma expressa, no artigo 21 da LCP remete-se à aplicação subsidiária ao CDC. O artigo 93 do CDC define que, ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a Justiça local no foro do lugar onde ocorreu o dano, quando de âmbito local; o foro da capital do estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. E isso já vem sendo aplicado, como também lembrou o ministro, pelo STJ.
Segunda a votar, a ministra Cármen Lúcia disse que a alteração promovida no artigo 16 da Lei das ACPs “acanha os efeitos da decisão tomada numa ação que tem estatura constitucional e que, principalmente, é um instrumento de realização de direitos fundamentais”. Em sua visão, a norma confronta o princípio de igualdade, porque cria-se uma ação de falta de isonomia.
A ministra destacou que a aplicação desta limitação comprometeria o princípio da eficiência, que está previsto na Constituição – e que “não valeria apenas para os fins da administração, mas também para a prestação jurisdicional”. E concluiu: “Também o princípio da segurança jurídica impõe que a decisão tomada em determinada ação dote-se de efetividade e segurança e garantia de igualdade do tratamento dado a determinada matéria”. 
Já o ministro Nunes Marques, que também acompanhou o relator, afirmou que “quando a lei diz que a coisa julgada será limitada pela competência territorial do órgão prolator, em tese, sequer fora da comarca o respectivo julgado produziria efeitos”. Para o ministro, “é uma restrição que acaba retirando o caráter uno e nacional da função jurisdicional do Estado, transformando-se numa atividade eminentemente territorial, justamente numa época em que a territorialidade perde força para os mecanismos ubíquos das tecnologias digitais”. 
“Adotar essa interpretação isolada do dispositivo legal equivale a, na prática, esvaziar o conteúdo da lei, em caminho absolutamente oposto à proteção do acesso à Justiça. E a Constituição Federal deve caminhar para maior efetivação dos direitos e garantias fundamentais, e não o inverso”, disse Marques. 
Já a ministra Rosa Weber disse que houve uma confusão, na alteração legislativa, entre competência do órgão julgador e dos efeitos das decisões. “O limite territorial para a coisa julgada é equívoco, a coisa julgada é uma qualidade de indiscutibilidade da decisão. Os limites territoriais se referem aos efeitos da decisão derivados do exercício da jurisdição, que é una em todo território, não cabendo ao legislador restringi-los”, afirmou. “Deste modo, o artigo 16 ao prescrever que a sentença civil fará coisa julgada nos limites da competência territorial do órgão prolator, em verdade, regulamenta os limites dos efeitos da sentença”. 
<h3>Histórico</h3>
O recurso em questão tem origem em ação coletiva proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra diversas entidades bancárias, na qual buscou a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados. Na primeira instância, o Idec teve seu pedido de antecipação de tutela negado. Então o instituto agravou, e um desembargador do TRF3 deferiu antecipação de tutela parcialmente, apenas para determinar a suspensão dos efeitos de cláusulas contratuais que autorizavam as instituições financeiras a promover a execução extrajudicial das garantias hipotecárias dos contratos.
Os bancos recorreram, e a 5ª Turma do TRF3 decidiu afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso e revogou a liminar monocrática do relator. Os bancos opuseram embargos de declaração, para restringir suposta omissão do julgado quanto à extensão dos seus efeitos. Os embargos foram negados, pois o TRF3 entendeu que não há que se falar em restrição territorial de efeitos em ação civil pública.
Então as instituições financeiras impetraram recurso especial no STJ pois entenderam que, apesar de terem tido seu agravo provido, o TRF3 não analisou preliminares suscitadas por eles. Na ocasião, o TRF3 também afastou a aplicabilidade do artigo 16 da Lei da ACP, que dispõe que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes (contra todos) nos limites da competência territorial do órgão julgador. Inicialmente, a 3ª Turma do STJ acolheu os argumentos dos bancos, mas o Idec agravou.
Depois, o caso foi para a Corte Especial do STJ, que decidiu pela inconstitucionalidade do dispositivo da Lei das ACPs, e afirmou que decisões no âmbito dessas ações valem para todo o Brasil. A Corte também se manifestou pela competência do Idec para ajuizar esse tipo de processo.
Por isso, os bancos ajuizaram recurso extraordinário no STF, alegando que o Superior Tribunal de Justiça não poderia ter afastado a aplicação da lei e, consequentemente, ter declarado sua inconstitucionalidade. Em 3 de setembro de 2018, o ministro Alexandre de Moraes, em decisão monocrática, revogou entendimento do STJ. Em fevereiro de 2020, o plenário havia se posicionado pela repercussão geral da matéria.

alexandre de moraes stf luiz fux

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JOTA

Logo depois que a maioria foi formada, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo

Para maioria do STF, decisões em ações civis públicas podem valer para todo o país

Plenário declarou inconstitucional norma da Lei das ações civis públicas, que limita efeitos dentro da competência do tribunal prolator