Ana Pompeu

Hyndara Freitas

Luiz Orlando Carneiro

<p>A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), por 3 votos a 2, declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial e, portanto, suspeito no processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ministra Cármen Lúcia mudou voto que havia proferido em 2018, e deu o terceiro e decisivo voto pelo reconhecimento da parcialidade do então magistrado, anulando todos os atos de Moro no caso do tríplex do Guarujá.</p>
<p>Independentemente deste resultado, Lula já estava elegível, pela <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/lula-08032021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações</a> do petista na Lava Jato por reconhecer a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Entretanto, agora, todos os atos de Moro, inclusive na fase pré-processual e na produção de provas, deverão ser descartados e não poderão ser reaproveitados pela Justiça Federal do Distrito Federal.</p>
<p><a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a></p>
<p>Nesta terça-feira (23/3), o julgamento foi concluído com votos pela suspeição de Moro dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Do outro lado, os ministros Edson Fachin e Nunes Marques votaram por não admitir o habeas corpus.</p>
<p>A decisão anula os atos de Moro apenas no caso do triplex, mas a defesa de Lula, agora, poderá pedir a anulação mais ampla também dos outros casos em que Moro atuou. Foi também o caso do triplex aquele por meio do qual Moro condenou e prendeu Lula — condenação que tinha perdido a validade com a declaração de incompetência dada por Fachin e agora com a suspeição do julgador. O ex-presidente ficou preso por 580 dias, entre 7 de abril de 2018 e 8 de novembro de 2019.</p>
<p>O julgamento da parcialidade de Moro começou ainda em 4 de dezembro de 2018, quando foi interrompido por pedido de vista de Mendes. À época, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram por não reconhecer a suspeição. Mas, até o fim do julgamento, os ministros podem mudar seus votos. <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/suspeicao-de-moro-no-stf-julgamento-de-hc-de-lula-esta-2-a-2-09032021?amp" target="_blank" rel="noopener noreferrer amphtml">Em 9 de março deste ano, o julgamento foi retomado</a>, e os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela declaração de suspeição de Moro, anulando todos os atos do ex-juiz no caso do tríplex do Guarujá.</p>
<p>O julgamento foi novamente interrompido por pedido de vista de Nunes Marques, que devolveu a vista nesta terça-feira (23/3). Imediatamente, Gilmar Mendes, presidente da 2ª Turma, pautou o caso.</p>
<p>Após passar mais de dois anos sem que o caso fosse retomado, no início de março o HC de Lula foi pautado um dia após <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/urgente-fachin-declara-vara-federal-de-curitiba-incompetente-e-anula-condenacoes-de-lula-08032021?amp" target="_blank" rel="noopener noreferrer amphtml">o ministro Edson Fachin anular as condenações de Lula</a>, nos casos do tríplex, sítio de Atibaia e das ações penais do terreno e das doações ao Instituto Lula, em outro habeas corpus. Inicialmente, Fachin determinou a perda de objeto do habeas corpus que apontava a suspeição de Moro, mas a maioria da 2ª Turma entendeu que o caso deveria continuar a ser julgado, pois a eventual declaração de suspeição poderia ter efeitos mais amplos e benéficos ao réu.</p>
<p>Com um empate de dois votos a dois, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-nunes-marques-vota-para-negar-suspeicao-de-moro-no-caso-de-lula-23032021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">o voto de Nunes Marques</a> era aguardado e considerado decisivo. Apesar de ter mostrado uma tendência mais garantista na seara penal em julgamentos recentes, neste caso o ministro votou contra a suspeição de Moro. O ministro mais novo do tribunal acompanhou o entendimento do relator, Edson Fachin, pelo não conhecimento do HC, por entender que suspeição não pode ser arguida neste tipo de processo. Ainda fez críticas ao possível aproveitamento de provas ilícitas para corroborar a tese da defesa.</p>
<h3>Cármen Lúcia, o voto decisivo</h3>
<p>Com o voto de Nunes Marques, o debate parecia finalizado. Mas a ministra Cármen Lúcia já havia adiantado, na sessão do início de março, que iria se manifestar novamente: nesta terça, ela mudou o entendimento sobre o caso. Ela defendeu que, ao longo do tempo de tramitação do processo, os indícios de parcialidade se adensaram, comprovando a conduta que  não se pode referendar.</p>
<p>Em sua visão, é cabível o HC para sanar ilegalidades até mesmo em processo criminal transitado em julgado, o que não chega a ser o caso em questão. Portanto, é cabível, em situações excepcionais, para reconhecer a suspeição do julgador.</p>
<p>A ministra justificou que o julgamento ainda não havia acabado, portanto ela poderia mudar seu entendimento com novos fatos no processo. "<span style="font-weight: 400;">Não me pareceu que havia elementos suficientes para que eu concedesse a ordem. E como disse expressamente pelo menos eu estou aberta, porque o julgamento não acabou", justificou. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">"</span><span style="font-weight: 400;">O habeas corpus tem sido admitido, como já foi dito aqui reiteradas vezes, em casos nos quais os paciente sofra. E estou me valendo do verbo que quero aproveitar. É um sofrimento um processo que tramite em que a pessoa não se sinta confortável de imaginar que está tendo um julgamento como seu direito fundamental determina: um julgamento imparcial", afirmou.</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Para Cármen Lúcia, neste caso o que se discute é algo basilar, "que está na pauta desde o primeiro momento, foi mudando o contorno, o cenário e a compreensão do que se tinha". A ministra afirmou que a</span><span style="font-weight: 400;"> suspeição, neste caso, se põe "como sendo um interesse que a legislação processual penal ou a legislação até civil diz em favor de alguém, mas significa em detrimento de alguém. Juiz que é favorável a um é evidentemente desfavorável a outro".</span></p>
<p>A ministra reconheceu que houve parcialidade de Moro em quatro situações. A primeira delas foi a condução coercitiva de Lula, em 4 de março de 2016, sem que tenha havido prévia intimação para oitiva pela autoridade policial. A segunda foi a autorização de Moro para a interceptação de ramais telefônicos de Lula, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas.</p>
<p>A terceira, a divulgação, no dia 16 de março de 2016, do conteúdo de áudios captados em decorrência das interceptações telefônicas autorizadas, como áudios com a então presidente Dilma Rousseff. A quarta foi o levantamento de sigilo da delação de Antônio Palocci no âmbito da ação do Instituto Lula, feita de ofício por Moro, e após a conclusão da fase de instrução, às vésperas das eleições presidenciais de 2018, na qual Jair Bolsonaro saiu vencedor.</p>
<p><span style="font-weight: 400;">Cármen afirmou que "nenhum ser humano tem o direito de se sentir sujeito de perseguição criminal ou direcionamento que se imponha para qualificar ou desqualificar alguém mediante uma atuação dirigida a sua pessoa". Para a ministra, "todo mundo tem o direito de imaginar-se julgado, processado, por uma contingência do Estado e não por voluntarismo de um determinado juiz ou tribunal". </span></p>
<p>A ministra ainda destacou que o reconhecimento da suspeição de Moro em relação a Lula não se estende a outros réus e condenados da Lava Jato. "Tenho para mim que estamos julgando um habeas corpus, de um paciente, que comprovou estar numa situação específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos. Essa peculiar e exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao comportamento do juiz processante em relação a este paciente", ponderou.</p>
<h3>Nunes Marques</h3>
<p>O primeiro voto da sessão de hoje foi de Nunes Marques, que não estava na Corte quando o caso começou a ser julgado. O ministro votou pela não admissão do HC para questionar a suspeição de Moro, por entender que seria necessária a produção de provas, e que já foram negadas três exceções de suspeição contra Moro em instâncias inferiores.</p>
<p>O ministro ainda fez críticas à possibilidade de usar conversas hackeadas da Spoofinf como provas. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski leram trechos das conversas em seus votos, apesar de terem destacado que não seria necessário utilizar das mensagens para fortalecer os argumentos da defesa.</p>
<p>"Não podemos errar como se supõe que errou juiz Sergio Moro, os membros do MP. Seria uma grande ironia e o prenúncio de um looping infinito de ilegalidades aceitarmos provas ilícitas para combater um crime praticado para apurar outro crime. Dois erros não fazem um acerto", disse Marques sobre a Vaza Jato.</p>
<p>Nunes falou que, mesmo sendo garantista, não poderia votar pela admissão do HC. “Não há mais espaço para elucubrações fantasiosas sobre juízes antilavajatistas ou juízes garantistas. Penso que todo magistrado deve ser garantista. O magistrado deve ter como pressuposto nos seus vereditos o cumprimento das leis e da Constituição, deve ser garantista do Direito em geral, os direitos e garantias individuais devem ser preservados, independentemente de quem seja o réu”, disse.</p>
<p>O ministro disse que, se a Turma estivesse apreciando provas obtidas por meio ilícito no processo de outras pessoas, talvez não se estivesse discutindo o aproveitamento dessas provas, pois a esta altura, já estariam rechaçados e desentranhados dos autos.</p>
<p>“E o que deveria mudar no caso sob análise? Por ser um HC extraído da Lava Jato, ou por ser o julgamento de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, isso autorizaria uma suspeição, mudança de entendimento? Absolutamente não. Todos os brasileiros são iguais perante a lei, e merecem um julgamento justo, e com base em provas lícitas”, continuou.</p>
<h3>Gilmar Mendes</h3>
<p>Após o voto de Nunes Marques, o ministro Gilmar Mendes tomou a palavra, e falou por pouco mais de uma hora e meia. Mendes repetiu argumentos de seu voto, e disse que o próprio Moro, enquanto juiz, usou provas ilícitas para condenar Lula, lembrando das interceptações telefônicas do escritório de advocacia Teixeira Martins. Mas ressaltou que o voto foi embasado no que está nos autos, ou seja, nas posturas de Moro na tramitação do caso tríplex. Em tom muitas vezes exaltado, Mendes ainda rebateu argumentos de Nunes sobre o não cabimento do HC.</p>
<p>“Esta Corte, por pessoas mais sábias do que nós, já disse de maneira muito clara que o HC é, sim, instrumento para afirmar a suspeição de magistrado. Nunca se cogitou de trazer a parte do processo, e quem já estudou alguma coisa de habeas corpus sabe que ele tem uma estrutura processual muito peculiar”, afirmou. “Nós estamos falando de fatos, e não de conversas de hacker e não de contraditório para juiz suspeito. Quem que propôs o aproveitamento da prova ilícita? Foi a república de Curitiba com Moro e [Deltan] Dallagnol”.</p>
<p>Mendes ainda rebateu trecho do voto de Marques que tratou sobre a falta de perícia nos diálogos do Telegram, que poderiam ter sido alterados ou manipulados. “Meu voto está calcado nos elementos dos autos, agora realmente me choca tudo aquilo que se revela, e a defesa que se faz. ‘Ah, pode ter havido inserções, manipulações?’. Eu já disse aqui: ou o hacker é um ficcionista ou nós estamos diante de um grande escândalo, e não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da Justiça já ocorreu, o tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente como um tribunal de exceção”, disse Gilmar.</p>
<h3>Lewandowski</h3>
<p>O ministro Ricardo Lewandowski, relator da reclamação da defesa de Lula na qual o ex-presidente <span class="s1">Luiz Inácio Lula da Silva</span> obteve acesso a mensagens da <span class="s1">Operação Spoofing</span>. Ele também quis reafirmar sua posição e pontuou que não usou as mensagens da força-tarefa no Telegram como fundamento do voto.</p>
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<h3>Edson Fachin</h3>
<p>Após o voto de Cármen Lúcia, que consagrou a derrota de Moro, o ministro Edson Fachin tomou a palavra. O relator do HC e da Lava Jato no Supremo reiterou seus argumentos pelo não conhecimento, e falou sobre o receio que tem de que este julgamento abra precedentes para anular todas as sentenças proferidas por Sergio Moro.</p>
<p><span style="font-weight: 400;">“A amizade do juiz com a acusação pode ter o condão de anular todos os processos em que o mesmo fato ocorreu, ou seja, neste julgamento, e nesta noite, todos os processos julgados pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Não basta dizer que esse é apenas um caso específico. É preciso ir além e reconhecer, e pelo menos de minha parte, reconheço com imprescindível honestidade intelectual, que esta decisão poderá implicar a anulação de todos os processos julgados pelo ex-magistrado. </span><span style="font-weight: 400;">Receio que, a pretexto de combater as ilegalidades reais ou alegadas ocorridas na Operação Lava Jato, com este julgamento, possa se incorrer na mesma irregularidade que se imagina combater.”</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">O ministro afirmou que não poderia levar em conta os diálogos do Telegram entre Moro e procuradores do MPF porque as provas não são lícitas e não passaram pela devida perícia. Ressaltou, entretanto, que, se verdadeiros, os fatos são graves.</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;"> "Os fatos realmente são graves. E se forem verdadeiros mesmo, a solução pode ser, e quiçá deva ser, a nulidade. Mas não posso admitir que isso seja feito sem que as dúvidas sobre a integridade do material sejam examinadas, sem que a sua contextualização seja profundamente aferida e sem que haja um mínimo de instrução competente", disse Fachin. Na visão dele, o órgão responsável para isso é o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.</span></p>


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JOTA

Ministra Cármen Lúcia mudou seu voto, e reconheceu parcialidade do ex-juiz no caso do tríplex do Guarujá

2ª Turma do STF declara suspeição de Moro em processo de Lula

Ministra Cármen Lúcia mudou seu voto, e reconheceu parcialidade do ex-juiz no caso do tríplex do Guarujá