Opinião e Análise

Karla Bertocco Trindade

Marcos D’Avino Mitidieri

Desde 2010, o Brasil possui uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, a Lei nº 12.305/2010), que prevê diretrizes, metas e ações a serem adotadas pelo Poder Público com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. A Lei nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, também dedicou muitos de seus dispositivos para o manejo dos resíduos sólidos, com tratamento para sua coleta, transbordo, transporte, triagem (para reutilização ou reciclagem), tratamento e destinação final.
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O Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) promoveu importantes mudanças em ambos os diplomas, dentre as quais se destacam os prazos, fixados na PNRS, para que os Municípios brasileiros deem aos rejeitos disposição final ambientalmente adequada. As capitais de estados e municípios integrantes de Região Metropolitana deveriam tê-lo feito até hoje, 2 de agosto, data de publicação deste artigo. Os demais Munícipios, a depender do tamanho de sua população, têm outros prazos, sendo que o último deles é 2 de agosto de 2024.
Cumprida tal determinação, o Brasil terá fechado cerca de 3 mil lixões a céu aberto até 2024. O trabalho já começou: em um ano de vigência do Novo Marco Regulatório do Saneamento, mais de 600 lixões foram desativados, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre).
Naturalmente, os rejeitos que antes iriam para lixões terão de ser destinados a estruturas capazes de lhes dar disposição final ambientalmente adequada. O Novo Marco Regulatório do Saneamento já indicou que estruturas são essas: aterros sanitários, exceto em caso de inviabilidade econômica, hipótese em que outras soluções poderão ser adotadas, observadas normas técnicas estabelecidas pelo órgão competente a respeito de riscos à saúde pública e à segurança e de minimização de impactos ambientais (cf. § 2º do art. 54 da Lei nº 12.305/2010).
Não obstante, existe uma infinidade de soluções que podem ser adotadas antes da disposição final dos rejeitos em aterros sanitários (ou lixões). Uma delas, prevista na PNRS, é a “recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos” – expressão técnica para a geração de energia a partir do lixo. A propósito, vale destacar que os resíduos sólidos podem servir para a produção de eletricidade e energia térmica, além do biogás, combustível obtido por meio da decomposição dos materiais orgânicos.
A geração de eletricidade ocorre por meio da combustão controlada dos resíduos sólidos, movimentando as correspondentes turbinas com o vapor produzido. As Usinas de Recuperação Energética de Resíduos Sólidos – URE (em inglês, WTE – Waste-to-energy plants) contam com sistemas de tratamentos dos gases produzidos, antes de sua liberação para a atmosfera.
A solução, há tempos adotada pelos Estados Unidos e países da Europa e Ásia, começa a dar seus primeiros passos no Brasil. Em 2019, a Portaria nº 274, editada pelos Ministros de Meio Ambiente, de Minas e Energia, e do Desenvolvimento Regional, disciplinou algumas questões relativas ao tema.  A implantação de URE ficou condicionada à comprovação de sua viabilidade técnica, ambiental e econômico-financeira e à implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambiental competente. A Portaria ainda elencou detalhadas diretrizes operacionais para o funcionamento das URE.
E será que a energia oriunda desses empreendimentos tem valor atrativo? Como parâmetro, cite-se que a Portaria nº 65/2018, do Ministério de Minas e Energia, fixou valores de referência de diversas fontes, para fins de aquisição de energia, pelas distribuidoras, de empreendimentos de geração distribuída. O valor da fonte “resíduos sólidos urbanos” ficou com valor significativamente mais elevado do que o preço médio obtido nos últimos Leilões de Energia.
<blockquote class="jota-article__eye">Uma medida que pode contribuir com a redução de tal valor é a cobrança de taxa ou tarifa para a prestação de serviço de manejo de resíduos sólidos.</blockquote>
De acordo com o Novo Marco Regulatório do Saneamento, essa cobrança deveria estar instituída até o último dia 15 de julho em todos os Municípios do país, sob pena de se configurar renúncia de receita, sujeita a específico rito da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo descumprimento poderia levar prefeitos (e até Governadores, no caso de prestação regionalizada em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião) à condenação por crime de responsabilidade ou ato de improbidade administrativa.
A propósito, vale mencionar que a Norma de Referência nº 1 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), editada no dia 14 de junho, dispõe sobre os parâmetros de remuneração pela prestação do serviço de manejo de resíduos sólidos urbanos. Nesse contexto, previu-se que, para a definição do valor a ser cobrado de cada usuário, devem ser considerados os diferentes custos das variadas destinações adequadas, tais como reciclagem, compostagem, aproveitamento energético e aterros sanitários. Todavia, não foram fixados critérios para valoração dos referidos custos, inclusive os relativos ao aproveitamento energético.
De qualquer forma, uma correta precificação da energia gerada pelas URE – e por outras fontes – deve levar em consideração as externalidades positivas (e economias) produzidas, especialmente em matéria de saúde pública e meio ambiente. Nesse sentido, a Lei nº 14.120/2021, ao mesmo tempo em que acabou com um incentivo dado aos novos empreendimentos de energia renovável (que já seriam competitivos sozinhos), previu, até março de 2022, que “o Poder Executivo federal definirá diretrizes para a implementação, no setor elétrico, de mecanismos para a consideração dos benefícios ambientais”.
Enquanto não há valoração (ou precificação) de todos os atributos relativos a cada fonte de energia, a comercialização da eletricidade produzida a partir do lixo depende de indução do poder público. Nesse sentido, no próximo dia 30 de setembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) realizará, o Leilão de Geração nº 8/2021, do tipo A-5, para contratação de energia proveniente de novos empreendimentos de geração, separados em quatro fontes, sendo uma delas a de resíduos sólidos urbanos. Para esta, a contratação se dará na modalidade por disponibilidade de energia elétrica, com prazo de suprimento de 20 anos. Houve o cadastramento, para participação no certame, de 12 URE, cuja capacidade instalada total soma 315 MW.
Ainda não se pode saber o volume e o valor da energia que será comercializada no leilão. De qualquer modo, a urgência climática e, particularmente, a necessidade de dar destinação adequada aos resíduos sólidos podem justificar incentivos à geração de energia a partir do lixo. Assim como as fontes de energia renovável receberam (e em alguns casos ainda recebem) estímulos do poder público para se consolidarem como alternativa competitiva, o mesmo poderia ser feito para os resíduos sólidos. Agora, talvez seja a vez do lixo.
Confira o Infracast:
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JOTA

Em um ano de vigência do Novo Marco Regulatório do Saneamento, mais de 600 lixões foram desativados

A vez do lixo?

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