Opinião e Análise

Isadora Cohen

Caio Albuquerque

A nova <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-licitacoes">Lei de Licitações</a> e Contratos Administrativos popularizou um importante instrumento que favorece o gerenciamento de riscos contratuais e pode trazer mais segurança jurídica e eficiência aos contratos: a matriz de alocação de riscos.
A formulação de uma matriz de alocação de riscos envolve, em resumo, o seguinte procedimento: a identificação dos riscos; a análise qualitativa e quantitativa dos riscos; a verificação de medidas de mitigação; e a alocação dos riscos entre os contratantes.
Entretanto, alguns problemas podem surgir desse procedimento, ainda que a metodologia seja corretamente empregada.
Vale ressaltar que existe um termo das ciências da computação que pode ser bem utilizado no caso: garbage in, garbage out (GIGO). O conceito denota o fato de que, por mais que se tenha um software tecnicamente adequado para processar informações, a utilização de dados indevidos gerará resultados incongruentes, ainda que o processo seja formalmente válido.
No contexto da matriz de riscos, a inconsistência, a insuficiência e a imprecisão dos dados que são utilizados para a sua formulação podem gerar resultados indesejados, ainda que toda a metodologia correta seja utilizada. Dados confiáveis são necessários para todas as etapas da matriz de riscos, desde a identificação até a alocação dos riscos contratuais.
Esse problema é acentuado pelo fato de que a cláusula contratual é elaborada unilateralmente pela Administração Pública. Os estudos sobre o tema demonstram as inconsistências decorrentes da unilateralidade: de acordo com PECKIENE et al.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, em revisão de literatura sobre a alocação de riscos em contratos de construção, decisões tomadas apenas sob o prisma de uma das partes são frequentemente incorretas para a outra parte, o que resulta em conflitos na execução do contrato.
Isso pode decorrer tanto do desconhecimento do contexto no qual a execução contratual estará inserida quanto da ausência de expertise técnica sobre o objeto. Não são poucos os vieses cognitivos que podem afetar a análise nesses casos<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Temos, então, um risco acerca da matriz com uma probabilidade relativamente alta de ocorrência e que pode causar impactos na precificação do objeto contratual e na execução do contrato<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Portanto, é importante adotar medidas de mitigação do risco, o que pode envolver tanto a redução da probabilidade de ocorrência do evento quanto a redução de seus impactos. No caso, queremos assegurar a confiabilidade e a integridade dos dados utilizados na formulação da matriz de riscos, especialmente em projetos de grande relevância e de alta complexidade.
Existe uma ferramenta adequada para promover mais eficiência na elaboração de matrizes de riscos que ainda é pouco utilizada em contratações públicas: a realização de consultas públicas.
O art. 21, parágrafo único, da Lei 14.133/2021 permite que a Administração submeta a licitação a “prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado”.
Utilizar esse mecanismo de participação ativa da sociedade e dos potenciais contratados permite que a curva de aprendizado acerca do objeto a ser licitado seja acelerada, com a integração das lacunas informacionais eventualmente existentes.
Essa solução é útil para resolver justamente os problemas decorrentes da formulação unilateral da matriz de riscos e para evitar a utilização de dados inadequados, além, é claro, de funcionar como um reforço de legitimidade democrática.
Pelo texto da norma, não é necessário que a consulta envolva absolutamente todos os elementos da licitação. É possível, por conseguinte, que ela fique restrita à formulação e/ou à adequação da matriz de riscos, incentivando a participação da sociedade quanto aos diversos elementos dessa cláusula.
Por outro lado, considerando que cada objeto contratual, ainda que semelhante a outro, pode conter riscos próprios decorrentes de diversos fatores que podem incidir sobre a execução, é importante que a consulta envolva uma delimitação clara do projeto e do seu escopo.
Vale notar que a participação pode abranger diferentes aspectos da matriz de riscos: os riscos identificados, a análise qualitativa ou quantitativa, as medidas de mitigação e até mesmo a alocação entre as partes contratantes.
A devida formulação da matriz de alocação de riscos não interessa apenas à Administração. Também o contratado é beneficiado, na medida em que há mais segurança na execução do contrato e uma precificação mais precisa do objeto. Acima disso, a população é beneficiada quando os contratos administrativos são executados de forma eficiente. Há, dessa forma, uma convergência de interesses.
Nesse sentido, a realização de uma consulta pública sobre a matriz de riscos de um contrato de grande relevância ou alta complexidade pode ser uma valiosa ferramenta para mitigar a possibilidade de erros capazes de gerar inconsistências e conflitos na execução contratual.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> PECKIENE, Aurelija; KOMAROVSKA, Andzelika; USTINOVICIUS, Leonas. Overview of risk allocation between construction parties. Procedia Engineering, v. 57, p. 889-894, 2013, p. 893.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Podemos citar alguns vieses cognitivos aplicáveis ao contexto: a ilusão da validade, o efeito Dunning-Kruger, a falácia do planejamento, o viés de ancoragem e o viés do otimismo. Para uma boa explicação sobre esses vises, conferir: <a href="https://thedecisionlab.com/">https://thedecisionlab.com/</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Para uma análise dos problemas que podem decorrer de uma matriz de riscos mal formulada, conferir: <a href="https://www.conjur.com.br/2023-mar-31/caio-albuquerque-problemas-matriz-alocacao-riscos-mal-formulada">https://www.conjur.com.br/2023-mar-31/caio-albuquerque-problemas-matriz-alocacao-riscos-mal-formulada</a>

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Uma valiosa ferramenta para mitigar inconsistências e conflitos na execução contratual

A importância de consultas públicas na elaboração da matriz de riscos

Consultas públicas são uma valiosa ferramenta para mitigar inconsistências e conflitos na execução contratual