Opinião e Análise

Felipe Recondo

Num pé de página do jornal Correio Braziliense, no dia 5 de maio de 1989, uma notícia que não interessou aos outros grandes jornais da época: o presidente José Sarney decidiu indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) José Celso de Mello. A topografia de uma página de jornal dá a dimensão da importância da notícia. E a escolha de um nome para o Supremo, naquela época, não chamava a atenção.
A escolha de Kassio Nunes Marques pelo presidente Jair Bolsonaro, ao contrário, era um furo de reportagem que os repórteres buscavam. E o colunista Lauro Jardim, de O Globo, deu a notícia em primeira mão. Ao fim do dia, todos os jornais davam destaque para a escolha do presidente.
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O currículo acadêmico e profissional de Celso de Mello era objetivo: sem mestrado, sem doutorado, sem pós-doutorados. Graduou-se em Direito pela Universidade de São Paulo, fez dois cursos de extensão – nas universidades de Roma e da Califórnia. Integrava o Ministério Público de São Paulo, aprovado em concurso público, e era secretário-geral da Consultoria-Geral da República.
Kassio Nunes Marques concluiu o curso de Direito na Universidade Federal do Piauí, fez mestrado na Universidade Autônoma de Lisboa, concluiu em setembro o doutorado pela Universidade de Salamanca enquanto atuava como juiz no Tribunal Regional Federal da 1a Região. Agora enfrenta contestações por ter incluído no currículo dois títulos de pós-doutorado e por supostamente ter usado trechos do texto de um advogado em sua tese de mestrado.
<blockquote class="jota-article__eye">Enquanto Celso de Mello não era tema da imprensa e sua indicação caminhava sem atropelos no Senado, Kassio Nunes precisou contratar uma assessoria de comunicação para auxiliá-lo neste processo.</blockquote>
A mensagem com a indicação de Celso de Mello chegou ao Senado no início de maio de 1989. A Comissão de Constituição e Justiça realizou sua segunda sabatina pública. Celso foi sabatinado na mesma manhã que o indicado por Sarney para comandar a Procuradoria-Geral da República – Aristides Junqueira. Foram poucas perguntas. Rápidas. Numa manhã, duas sabatinas. Às 12h33 minutos, ambos foram inquiridos e tiveram os nomes – com facilidade – aprovados pela CCJ.
Nenhum registro na imprensa, nada de transmissão ao vivo. Por sinal, a sabatina do ministro Sepúlveda Pertence, antes da indicação de Celso, foi filmada em VHS por um de seus filhos. Seria um registro interessante do ponto de vista histórico, até porque a sabatina foi uma batalha política. Contudo, a fita não existe mais, se perdeu.
https://www.youtube.com/watch?v=LEilO-XHtko&amp;feature=youtu.be
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Kassio Nunes Marques encontrará cenário diferente. As sabatinas se converteram em sessões longas, que duram um dia inteiro, acompanhadas ao vivo pela imprensa e também transmitidas pela TV Senado. Para Celso de Mello, nenhuma pergunta sobre ativismo judicial, interferência do Supremo em matéria legislativa, foro privilegiado, combate à corrupção política. Para Kassio Nunes já é possível antever muitas das questões – Lava Jato, prisão em segunda instância, o inquérito contra Bolsonaro e sua suspeição por ter sido indicado por quem é investigado, questões de costumes, assuntos atinentes à religião e tantos outros. Talvez apenas uma pergunta feita a Celso de Mello faça sentido repetir para Kassio Nunes Marques.
“A nova Constituição determina que, sob a autoridade suprema do presidente da República, as Forças Armadas garantam os Poderes constitucionais. Isso não levaria a uma tutela, baseada nesse texto, das Forças Armadas sobre os próprios Poderes constitucionais? O que se alterou, o que avançou ou o que regrediu sob esse aspecto na nova ordem constitucional, em relação à ordem superada pelo novo texto da Constituição alterada?”, questionou o senador Mansueto de Lavor.
“Acho que a destinação constitucional das Forças Armadas talvez devesse ser aquela que as vinculasse tão-somente à defesa da integridade territorial do Estado brasileiro e da intangibilidade do seu ordenamento jurídico, agindo em caráter subsidiário, supletivamente, excepcionalmente e sob tutela civil”, respondeu Celso de Mello. Qual será a resposta de Kassio Nunes?
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As diferenças entre as indicações de Celso de Mello e Kassio Nunes são resultado de inúmeros fatores que não caberiam num texto curto como este. O Supremo da década de 90 é substancialmente diferente do STF de hoje no exercício de suas competências e poderes. Além, claro, das diferenças de trajetórias dos indicados, dos presidentes que os escolheram e das circunstâncias político-institucionais.
A despeito das distinções, o resultado das indicações deve ser o mesmo: Celso de Mello foi aprovado com folga. Kassio Nunes enfrentará um processo mais tormentoso, mas, ao final, vai se sentar à cadeira que foi de Celso de Mello e, antes, de Rafael Mayer, Rodrigues Alckmin, Amaral Santos, Candido Motta, Mário Guimarães, Laudo de Camargo, Cardoso Ribeiro, Guimarães Natal, Macedo Soares e Alencar Araripe.
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*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna será publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao atual decano, Celso de Mello, que, pela função e temperamento, funciona como a memória do tribunal. Quem assiste às sessões já se acostumou às suas referências que, não raro, vão até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.

A posse de Celso de Mello

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JOTA

Decano foi aprovado com folga. Nunes enfrentará processo mais tormentoso, mas, ao final, vai se sentar à cadeira

ExCelso: A indicação fácil de Celso de Mello; as dificuldades de Kassio Nunes

Enquanto Celso de Mello não era tema da imprensa, Kassio Nunes precisou contratar uma assessoria de comunicação para auxiliá-lo