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Esta coluna inaugura um espaço no JOTA dedicado ao debate da política educacional brasileira: mensalmente, os dilemas e desafios da educação serão discutidos em seus aspectos jurídicos, políticos, econômicos e sociais, sempre de maneira aplicada aos problemas concretos do país. Se a educação é prioridade na agenda nacional – o que parece ser incontestável –, esta coluna buscará colaborar com o debate público de forma plural e diversa, contando com especialistas destacados.
Agora, avançados que estamos no primeiro ano de um novo mandato presidencial, a poeira parece querer baixar, permitindo um olhar analítico sobre as iniciativas do novo governo. Como expressou Chico Buarque em samba lançado no ano passado (Chico Buarque, “Que tal um samba?”), chegou a hora de remediar o estrago, juntar os cacos e ir à luta.
Após o 8 de janeiro, a descoberta de um inacreditável massacre yanomami coordenado pelo Estado, e os episódios de violência nas escolas, uma nova política econômica responsável e progressista avança, a defesa das instituições democráticas se consolida acertando as contas com o passado recente, e as relações internacionais vêm sendo refeitas. Ao que tudo indica, já podemos voltar a discutir políticas públicas. Essa discussão será feita aqui tendo como foco a educação – evitando tanto o ufanismo quanto o fatalismo. A educação, sozinha, não resolverá todos os problemas do país. Mas há caminhos – e há muito a ser feito.
O MEC tem endereçado os problemas mais urgentes: recuperação do aprendizado para mitigar a defasagem ocasionada pela pandemia, fomento à educação em tempo integral, retomada de obras paradas, alfabetização na idade certa, ampliação da conectividade das escolas públicas, defesa da igualdade racial, reajuste de bolsas de permanência, mestrado e doutorado, recomposição do valor da merenda escolar, dentre outras iniciativas. Além disso, o ministério deve divulgar logo mais uma nova edição do Programa Mais Médicos e discutir, em breve, tanto um novo Plano Nacional de Educação quanto o Sistema Nacional de Educação. Todas essas iniciativas são prioridades inquestionáveis.
Não obstante, há desafios estruturais que ainda não estão na pauta, mas que precisam ser enfrentados. Uma nova agenda da política educacional poderia ter como meta: (i) ampliar e tornar o investimento público em educação mais eficiente; (ii) implantar progressivamente a docência em dedicação exclusiva a uma única escola nas redes públicas de educação básica; (iii) conectar estruturalmente a formação de recursos humanos ao mercado de trabalho; e (iv) rever o modelo regulatório da educação superior.
O artigo 212 da Constituição vincula parte da arrecadação de impostos à educação: 18% na União e 25% nos estados e municípios. Gestões anteriores já defenderam acabar com essa vinculação. Contra tendências fiscalistas de ocasião, esse dispositivo é crucial para garantir investimentos mínimos em educação. Mas isso não significa que a qualidade do gasto não deva ser discutida: gastos ineficientes travam a valorização do magistério. Se queremos professores bem remunerados em sala de aula, é preciso implementar, a sério, uma revisão dos planos de carreira estaduais e municipais, de forma a valorizar, efetivamente, a carreira do magistério na educação básica pública.
Para tanto, a União poderia induzir melhorias de gestão, para que o ganho de eficiência seja convertido em valorização do magistério. Pelo art. 211 da Constituição, há uma divisão de trabalho federativa: como regra geral, a União custeia o ensino superior e atua como indutora na educação básica. O ensino médio ficou a cargo dos estados; e a educação infantil e o ensino fundamental, a cargo dos municípios. Seria então possível fixar condicionalidades ou contrapartidas para repasses federais considerando indicadores gerenciais tais como: relação professor-aluno, regras para nomeação de diretores, critérios para lotação de professores, critérios de progressão, número de afastamentos, cessões e licenças, ações de formação continuada, mecanismos de gestão democrática etc. Mesmo repasses de outros ministérios (investimento em infraestrutura, por que não?) poderiam exigir contrapartidas educacionais.
E a principal contrapartida parece ser: fazer com que cada professor trabalhe em jornada integral em uma única escola. Essa é a grande diferença entre a as redes públicas e privadas de educação básica. Se fosse possível reduzir toda a política educacional a uma única meta, talvez essa fosse uma boa candidata. Parece simples, mas chegar nisso implicaria uma revisão estrutural dos planos de carreira municipais e estaduais. E não seria possível fazer essa reforma sem uma correlata valorização do magistério que pareasse a carreira docente às demais ocupações com patamar equivalente de formação. Afinal, por que alguém deixaria de prestar concurso para juiz ou promotor para ser professor da educação infantil?
Em outra frente, a formação de recursos humanos poderia estar estruturalmente conectada ao mundo do trabalho e à profissionalização, tanto no ensino médio quanto na educação superior. Na educação superior, o financiamento estudantil deve ser mecanismo de indução à oferta de cursos com maior empregabilidade. No ensino técnico de nível médio, estamos muito abaixo da média dos países da OCDE (11% no Brasil contra 42%). A oferta de educação superior e de ensino técnico de nível médio deve ser mais aderente à realidade do mundo do trabalho (o que é um desafio à luz tanto da desindustrialização que vivenciamos quanto das recentes transformações do trabalho na sociedade digital).
Por fim, é preciso repensar a regulação da educação superior. O Inep, autarquia federal que realiza avaliações de qualidade, realizou mais de 8.000 visitas em 2022. O Brasil tem pouco mais de 2.500 instituições de ensino superior, segundo o último Censo da Educação Superior. Ou seja, realiza-se uma média de mais de três visitas anuais por instituição. Parece mais eficiente organizar a regulação com base em dados, fortalecendo o Censo e extraindo indicadores de produção acadêmica, internacionalização e empregabilidade, por exemplo. A avaliação deve ter uma função clara: sinalizar diferenças de qualidade entre as instituições de ensino e orientar tanto a escolha de estudantes quanto a atuação da autoridade regulatória.
Esses quatro pontos compõem uma agenda inovadora para a educação, pois tangenciam os fundamentos do nosso sistema educacional. Discutir educação é mais uma forma de discutir o Brasil. Afinal, a maneira pela qual educamos nossas crianças diz muito sobre nossa sociedade e nossas instituições. O sociólogo Norbert Elias identificou essa circunstância com propriedade: se queremos entender como a sociedade funciona, devemos observar antes de tudo – a criança.
A sociedade se reproduz ao ser “instalada”, implantada na criança. Socialização e educação são as forças que reproduzem a sociedade em seus indivíduos. As instituições só existem nessa passagem intergeracional. Violência, desigualdade, preconceito, democracia, valores éticos, tributação, alocação orçamentária, a boa e a má gestão – todos esses fatores moldam a biografia daqueles encarregados de levar à frente a sociedade brasileira. Transformar o país passa, portanto, pela educação. A coluna pretende colaborar com essa tarefa: fomentar o debate público em prol de uma sociedade mais justa e menos desigual.