No último dia 2 de agosto, o plenário do TCU respondeu à consulta do governo federal acerca da possibilidade de concessionárias desistirem de processos de relicitação, mantendo a respectiva concessão e renegociando os temos do contrato. Esta coluna já tratou deste tema logo após a unidade técnica do tribunal ter se manifestado pela impossibilidade da desistência, afirmando haver obrigação da administração pública em prosseguir com novo processo licitatório.
Naquela ocasião, questionamos se o TCU, por meio da consulta, não estaria sendo usado pelo Executivo para atuar como coautor de soluções jurídicas heterodoxas. Também indagamos se, ao responder sobre matéria de interpretação legal, definindo os limites e conceitos da Lei 13.448/2017, o TCU não estaria adentrando em assunto do Judiciário.
A publicação do Acórdão 1593/2023, que deu encaminhamento definitivo à consulta, parece corroborar nossas hipóteses. O TCU decidiu que a desistência da relicitação é possível mesmo após a declaração formal do contratado, desde que convencionada entre Poder Concedente e concessionária. Mas acrescentou que o encerramento do processo de relicitação requer que sejam observadas uma série de medidas e condições elencadas no acórdão.
Na prática, o TCU construiu um guia para conduzir a atuação da administração pública na renegociação de contratos de concessão. E isso por meio de resposta a consulta, um procedimento desconectado de casos concretos, e em matéria que foge de suas competências – qual a justificativa para a corte de contas definir o conteúdo jurídico das expressões “irrevogável” e “irretratável” de lei de relicitação?
O caso chama atenção e não parece isolado. Além das consultas, há cada vez mais dúvidas sendo levadas ao TCU pela administração, via Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso), desconectadas de litígios no âmbito do TCU. São casos como o do Processo 006.449/2023-9, uma Solicitação de Solução Consensual de controvérsias entre a Anac e a concessionária do Aeroporto de Confins, que trata de possível substituição da obrigação de construção de uma segunda pista de pouso e decolagem por outros investimentos.
Embora a Anac relate controvérsia já levada ao Judiciário sobre o tema, ela mesma parece reconhecer que, do ponto de vista técnico, não faz mais sentido a construção da pista, e vê com bons olhos a solução de substituí-la por outros investimentos. Não há processo no TCU sobre o tema e não há decisão administrativa contrária à proposta da concessionária. O que nos leva a crer que não há um litígio a ser dirimido, mas apenas uma insegurança do concedente em tomar decisão que lhe cabe. O selo TCU de legalidade está em alta.
Seduzido pelo mantra do consenso, o administrador tem convidado o TCU para se sentar ao seu lado, na mesa de decisão. Mas quando o Tribunal de Contas assume função típica do Executivo e atua como coadministrador, quem exerce o controle externo? 