Após o amadurecimento de tecnologias para a produção de hidrogênio renovável, o país finalmente assiste a avanços mais concretos no que diz respeito a marcos legais que podem ser aprovados pelo Legislativo.
Tanto a Câmara quanto o Senado apresentaram nas últimas semanas suas primeiras versões de projeto de lei que podem dar um norte regulatório para a produção do novo combustível. Os textos indicam a possibilidade de sandbox regulatório para as agências que podem, a partir das diretrizes dadas, começar a publicar resoluções normativas para viabilizar a implementação de futuros projetos.
Embora tenham propostas diferentes em alguns aspectos, deputados e senadores encaram os incentivos fiscais, tarifários e não fiscais como a ferramenta crucial para transformar o país em potência produtiva de hidrogênio verde ou de baixo carbono – taxonomia que vai depender do projeto que for aprovado.
Não há acordo entre as duas casas sobre a escolha de quais seriam os melhores subsídios e incentivos, apenas um consenso sobre a necessidade de uma estrutura de fomento que ajude a tirar do papel investimentos robustos em plantas brasileiras do insumo.
Os parlamentares não querem que essa discussão recaia sobre a conta de luz. O Ministério de Minas e Energia (MME) e a Aneel já sinalizaram que também não concordam com esse caminho.
A ideia então é repor eventuais valores que a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) possa ter que bancar por descontos em encargos tarifários. As duas propostas querem descontos em encargos de transmissão e distribuição (TUST e TUSD) para a energia renovável utilizada na produção do hidrogênio. Os recursos para isso, na prática, precisariam sair do bolso da União para não serem adicionados na conta de luz do consumidor.
As propostas feitas pelas versões preliminares tanto da Câmara quanto do Senado querem usar partes dos valores provenientes da exploração de petróleo, como participações especiais de concessões e a parcela da União nos contratos de partilha, para custear os incentivos. No caso da Câmara, também propõem a captura do excedente econômico de Itaipu até a revisão do Anexo C, que estipula os preços da energia elétrica para os dois países.
Os parlamentares defendem que o pagamento dos incentivos é temporário, entre cinco a dez anos nos projetos, e que a busca por fonte de recursos para bancar temporariamente uma atividade que ainda pode ser explorada a longo prazo deve pesar na avaliação do governo.
O uso dos ganhos com combustíveis fósseis para bancar parte da transição energética é uma ideia meritória e defendida internacionalmente, mas deve esbarrar em algum momento na realidade fiscal brasileira.
As outras pautas da agenda verde que tramitam no Congresso e têm contado com atuação do Ministério da Fazenda não têm impacto orçamentário. O núcleo responsável pelo programa de transição ecológica de Fernando Haddad atua no marco legal das eólicas offshore, na criação do mercado regulado de crédito de carbono e no Combustível do Futuro. É diferente do texto para o hidrogênio, que quer colocar recursos para incentivar o setor.
Esse deve ser o principal ponto de atrito no Congresso, já que ninguém lembrou de combinar com o outro lado até agora. A Fazenda, especialmente a Secretaria do Tesouro, não está envolvida nas discussões diretamente, nem mesmo na proposta de regras para o hidrogênio verde capitaneada pelo Ministério de Minas e Energia e prometida para o final de outubro.
Um exemplo da dificuldade de acesso de recursos da União para políticas públicas setoriais é o Gás Para Empregar. O MME já tinha tentado no início do ano dentro do programa um projeto de lei para permitir a troca de contratos de óleo da União nos contratos de partilha por gás, o que reduzia a arrecadação da União com o Fundo Social. Foi contestado pela Fazenda e, até agora, a ideia segue parada na Casa Civil.
Segundo parlamentares, nada está “escrito em pedra”. A indicação dos recursos foi uma escolha inicial e que pode ser negociada. Entre deputados, a ideia é usar a urgência do tema – e o interesse dos estados que podem ter produção de hidrogênio – para mobilizar um grupo e pressionar por aprovação.
Caso consigam um movimento mais forte, há chances de impactar a negociação com o governo sobre de onde sairão os recursos para pagar os incentivos. Até lá, a falta de espaço fiscal do Orçamento deve ser a mesma realidade imposta na mesa de discussão do marco legal do hidrogênio e pode prolongar o caminho de votação dos projetos no Congresso.