Ainda sem convencer o mercado sobre a viabilidade de cumprir as metas fiscais indicadas até 2026, o governo também deve ter um complicador técnico-jurídico se quiser suavizar a trajetória proposta para o resultado primário até o fim do governo: o arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso.
Em seu artigo 2º, o marco fiscal diz que a lei de diretrizes orçamentárias estabelecerá “metas anuais de resultado primário do Governo Central, para o exercício a que se referir e para os 3 (três) seguintes, compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública”, que depois é definida como “a estabilização da relação entre a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o Produto Interno Bruto (PIB)”.
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Quando anunciou o arcabouço, o governo já havia anunciado a meta de zerar o déficit em 2024, atingindo superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026. No próprio governo admite-se que essa trajetória hoje parece excessivamente ambiciosa, embora o início de ano com arrecadação mais forte esteja animando o otimismo da equipe econômica.
O debate sobre rever a meta de déficit zero em 2024 continua e tem risco não desprezível de se efetivar, principalmente a partir de maio. Nesse contexto, é natural também que já se comece a pensar nas metas anunciadas para os anos seguintes. Se já é difícil imaginar um resultado equilibrado neste ano, que dirá ter saldos positivos como os propostos por Haddad. Politicamente, a preocupação é ainda mais relevante porque eventual acúmulo de descumprimentos de metas acionam uma série de gatilhos do lado da despesa, que podem gerar uma quase completa camisa de força para o governo no ano de 2026.
Dessa forma, se há chance relevante de as metas serem rediscutidas, um aspecto derivado disso é sobre qual seria a magnitude dessa revisão. E nesse caso, o governo tem que considerar que precisa apontar uma trajetória que atenda aos ditames da lei complementar 200, o arcabouço que ele propôs e que o Congresso aprovou.
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Uma ala do governo, porém, considera que a estabilização da dívida tem que ser feita em 10 anos, por conta de outro trecho do arcabouço que fala do anexo de riscos fiscais determinar a apresentação da trajetória desse indicador ao longo de uma década. Além disso, esse grupo entende que a LRF também daria indicações para a estabilização da dívida em 10 anos.
A estabilização da dívida pública não depende só do resultado primário, mas também de variáveis como o crescimento econômico e a taxa de juros. Simulações internas do governo apontam que essa estabilização poderia ocorrer com um superávit entre 0,5% e 1% do PIB, em um ambiente de taxa de juros ao redor de 8% ao ano e um crescimento em torno do potencial de 2,5%.
Dessa forma, o espaço para suavizar a trajetória de metas propostas, mas não seria tão grande. O mercado hoje não acredita que o governo sequer conseguirá zerar o déficit até 2026. A pesquisa Focus do BC mostra que os analistas trabalham com o resultado primário chegando a um saldo negativo de 0,5% do PIB em 2026.
No governo, é comum fontes dizerem que zerar o déficit até o fim do governo e não neste ano já seria um feito, porque seria melhor do que o mercado tem projetado. O problema é que uma neutralidade no resultado não seria suficiente para estabilizar a dívida, dado seu alto nível e a carga pesada de juros. Isso só seria possível em um cenário que hoje ninguém vê de um crescimento econômico da ordem de
Segundo Daniel Couri, consultor de orçamento do Senado e ex-secretário adjunto de orçamento federal do ministério do Planejamento, de fato o arcabouço exige algumas metas relativamente ambiciosas.
“A redação da LC 200 me parece clara no sentido de que o horizonte para estabilização da dívida é de quatro anos. A fixação da meta de primário não pode ser mero ato de fé, como vimos no passado. Ela deve derivar de uma trajetória sustentável para a dívida. Pelo novo regime, isso exige que a dívida pelo menos se estabilize em quatro anos”, explicou o especialista. Ele reconhece que para que as metas, além de ambiciosas, sejam também críveis, é importante que o governo sinalize também quais medidas serão adotadas para cumpri-las.
Apesar de ser relevante as chances de as metas serem revisadas, o ministério da Fazenda segue trabalhando com o resultado zero para este ano e em tentar viabilizar uma trajetória de longo prazo positiva para o fiscal. Haddad tem conseguido pelo menos adiar essas decisões, mas em abril a meta de 2025 e os indicativos para os anos seguintes (incluindo agora 2027 no horizonte) terão que ser anunciados.
No mundo político, conforme informa a analista de política do Jota, Bárbara Baião, há um jogo dúbio sobre o tema. De um lado há pressões por gastar mais, como nas emendas, de outro para que se faça valer o compromisso político assumido na tramitação do arcabouço e que foi usado como argumento para aprovação de medidas de arrecadação.