Adriana Hernandez Perez

Bruno Droghetti

Fabiana Tito

Izabella Passos

Vivian Fraga

Nos últimos dez anos, cresceu substancialmente o número de fusões e aquisições envolvendo integrações verticais notificadas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CADE">Cade</a>). As chamadas fusões verticais são, resumidamente, operações que envolvem a combinação de empresas em diferentes elos da cadeia produtiva ou distributiva – por exemplo, uma companhia de brinquedos de plástico optar pela aquisição de fornecedores de plásticos ou de distribuidores.
Desde a vigência da Lei da Defesa da Concorrência (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm">Lei 12.529/11</a>), a proporção de casos envolvendo integrações verticais vis-à-vis o total de fusões e aquisições quase triplicou, saltando de 14% em maio de 2012, quando a lei entrou em vigor, para 46% em dezembro de 2022, o que totaliza 1.599 casos no período de observação. Dentre estes, 298 (18,6%) receberam uma análise mais detalhada pela autoridade concorrencial brasileira.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Figura 1: Proporção de casos envolvendo fusões verticais por ano da notificação
[caption id="attachment_440496" align="aligncenter" width="1218"]<img class="wp-image-440496 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/06/image1cade.png" alt="" width="1218" height="594" /> Fonte: Grupo de Trabalho de Fusões Verticais do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac)[/caption]
Do ponto de vista concorrencial, quando duas ou mais empresas realizam um ato de concentração, são questionados os possíveis efeitos deletérios associados ao exercício de poder no mercado resultante. No vernáculo antitruste, testa-se a hipótese de a nova configuração societária ter poder de mercado suficiente para gerar efeitos líquidos negativos ao mercado. Existem etapas analíticas sequenciais que testam se o exercício de poder de mercado de um determinado agente econômico pode afetar negativamente a concorrência e, com isso, prejudicar os consumidores. Assim, a “teoria de dano” é testada de forma estruturada, sempre no caso a caso. Ao final, pode-se ou não estabelecer um nexo de causalidade entre uma ação (do agente econômico) e o resultado (dano à livre concorrência).
A análise deste tipo de operação é, em geral, mais complexa do que casos de fusões entre empresas rivais, referidas como fusões horizontais. Com o propósito de trazer maior clareza e orientar a avaliação de fusões verticais, jurisdições internacionais adotam guias de análise dedicados a este tipo de operação.
No Brasil, desde 2020, o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac) conta com um grupo de estudos formado por mais de 60 voluntários com o objetivo de diagnosticar padrões de análise do Tribunal, estudando o tema no contexto do Direito Comparado, a fim de disseminar e fomentar o debate nacional mais amplo sobre o tema.
Além disso, ao longo de 2022, em resposta à demanda da comunidade antitruste e em linha com as principais autoridades internacionais, o Cade deu início a estudos voltados ao desenvolvimento do primeiro guia de análise para integrações verticais e fusões entre empresas relacionadas, mas que pertencem a setores diferentes, referidas como fusões conglomerais. Em outras palavras, o guia de análise trataria de fusões não horizontais.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Neste período, o grupo de trabalho do Ibrac se debruçou sobre os casos de fusões verticais revisados pelo Tribunal do Cade entre maio de 2012 e dezembro de 2022.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> O estudo empírico reuniu informações sobre as características das transações, os setores econômicos, as teorias de dano analisadas, os tipos de evidências utilizadas, entre outros.
Dentre as principais conclusões extraídas do estudo, ressalta-se a predominância da teoria de dano de fechamento de mercado, correspondente a 84% dos casos. No exemplo da fábrica de brinquedos, esta teoria equivaleria a investigar se a companhia resultante teria capacidade e incentivos econômicos para impedir ou restringir o acesso ao insumo plástico por parte de empresas concorrentes. A incidência das principais teorias consideradas na análise do Tribunal do Cade é demonstrada no gráfico abaixo.
Figura 2: Incidência de teorias de dano pelo Tribunal do Cade
[caption id="attachment_440500" align="aligncenter" width="856"]<img class="wp-image-440500 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/06/image2cade.png" alt="" width="856" height="450" /> Fonte: Ibrac – GT Fusões Verticais[/caption]
A análise econômica tradicional das integrações verticais prevê que estas possuem uma probabilidade maior, na comparação com fusões horizontais, de gerar eficiências alocativas e produtivas importantes – em especial a eliminação de dupla-margem, que tende a garantir saldo positivo para o bem-estar do consumidor, dada a eliminação do exercício de poder de compra ou poder de venda de insumo, de tal forma que o preço da transação entre os dois elos se iguala ao custo marginal.
Caso essa eficiência seja repassada ao consumidor, verifica-se aumento do bem-estar, resultando, por exemplo, em maior quantidade produzida a um menor preço. São constatados também ganhos no que se refere à diminuição dos custos de transação e da assimetria de informação, como é o caso de setores caracterizados pela presença de risco moral<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Em razão disso, órgãos antitruste historicamente atribuíram um olhar mais benevolente a fusões deste tipo.
Sabe-se que, diante dos condicionantes econômicos necessários na avaliação de uma integração vertical, a conclusão sobre o efeito da operação depende da identificação das eficiências e da avaliação dos possíveis efeitos concorrenciais no mercado, de forma que se consiga estabelecer adequadamente o saldo líquido em termos de bem-estar ao consumidor. Assim, quando a operação gera preocupações concorrenciais significativas, a autoridade antitruste pode impor medidas ou condições (ou, no jargão antitruste, “remédios”) para que a operação seja aprovada.
Dos 61 casos verticais analisados pelo GT, o Cade adotou tais remédios em 42%, sendo que em mais da metade (66%) a principal preocupação derivou de efeitos diretamente verticais das atividades. Nos setores financeiro e de seguros, por exemplo, 44% dos casos envolviam remédios voltados a problemas derivados da verticalização. Na indústria de transformação, essa proporção foi de 20%.
Como regra geral, o estudo permitiu observar que a análise do tribunal seguiu um arcabouço analítico tecnicamente alinhado às melhores práticas antitruste internacionais, utilizando a estrutura de análise baseada na avaliação da capacidade, do incentivo econômico e dos efeitos concorrencialmente danosos que a nova empresa fusionada geraria sobre o mercado.
Para isso, diversos tipos de evidências foram revisados, com intenção de avaliar possíveis danos e potenciais eficiências. A fim de testar a capacidade da nova entidade de exercer poder de mercado, o tribunal se pautou em indicadores técnicos como concentração de mercado (em 77% dos casos), essencialidade do insumo (em 49% dos casos) e capacidade ociosa (em 39% dos casos).
Com relação à análise dos incentivos ou da racionalidade econômica, os indicadores avaliados incluíram a estimação de taxas de desvio de demanda (em 36% dos casos), a avaliação das margens de lucros relativas entre os elos da cadeia (em 21% dos casos); informações sobre o modelo de negócios da empresa (em 30% dos casos), entre outros. Além disso, em 11% dos casos foi aplicado um método quantitativo conhecido como vGuppi<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, que investiga os incentivos a um aumento de preços.
Na iminência do lançamento do primeiro guia de análise do Brasil para fusões não horizontais, a comunidade antitruste brasileira está empenhada em desenvolver conhecimento e identificar padrões cruciais de análise que permitam identificar de forma mais adequada fusões complexas, com potencial de gerar efeitos anticompetitivos ao mercado e que merecem, por isso, maiores dedicações de recursos públicos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Estes casos foram analisados através de Rito Ordinário em vez de Rito Sumário. Tipicamente, estas operações envolveram elos da cadeia em que as partes detinham concentração de mercado superior a 30%.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Este guia se somará a outros nove contendo diretrizes sobre temas relativos à política de defesa da concorrência ou a procedimentos institucionais já publicados pelo CADE. Mais informações em: <a href="https://www.gov.br/cade/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes-institucionais/guias-do-cade">https://www.gov.br/cade/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes-institucionais/guias-do-cade</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O total de casos analisados pelo Tribunal corresponde a 61 - cerca de 20% dos 298 casos analisados em detalhe no mesmo período. Muito da expertise desenvolvida no Tribunal é resultado de um intenso processo de colaboração com a SG, que detém um papel significativo no desenvolvimento de conhecimento e formação da agência.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Corresponde à possibilidade de o agente não agir de acordo com os interesses do principal, depois do contrato firmado. Em termos econômicos, diz-se que uma situação envolve moral hazard quando o monitoramento imperfeito das ações de um indivíduo o induz a agir de modo desonesto ou indesejável. Acontece em relações entre segurado e segurador, por exemplo.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> De forma simplificada, o teste de Salop e Moresi (2013) conhecido como vGUPPI (Vertical Gross Upward Price Pressure Index) é uma ferramenta que os economistas refinaram nos últimos anos para fornecer uma medida quantificável do incentivo pós-fusão de uma empresa para aumentar os preços.

Cade

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JOTA

Análise econômica tradicional prevê que integrações verticais possuem maior chance de gerar eficiências produtivas

Insights sobre uma década de jurisprudência do Cade em fusões verticais

Nos últimos dez anos, cresceu substancialmente o número de fusões e aquisições envolvendo integrações verticais notificadas ao Cade