Rodrigo de Abreu Pinto

Tripla troca de presidente da Petrobras. Redução de imposto dos estados. Ameaça de instalação de CPI. Vale tudo para reduzir à força o preço dos combustíveis e amenizar o impacto eleitoral sobre a imagem do presidente.
A última foi a ameaça de reforma da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm">Lei 13.303/2016</a>, a chamada Lei das Estatais. Criada em 2016, a lei dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
A Petrobras é uma sociedade de economia mista e, portanto, organiza-se “sob a forma de sociedade anônima cujas ações com direito a voto pertence em sua maioria à União”, conforme o art. 4º da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-das-estatais">Lei das Estatais</a>.
A titularidade da maioria das ações votantes preserva o controle em mãos do Estado, enquanto os investidores privados representam parcelas minoritárias, porém relevantes, do capital social.
No Brasil, a sociedade de economia mista foi a solução para a criação de empresas com capacidade de assumir riscos e de preparar o país para competição internacional do pós-guerra.
O modelo caracterizado pela associação de capitas públicos e privados em uma mesma sociedade foi utilizado inicialmente para a formação da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941, e para a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942. A Petrobras, por sua vez, seria criada em 1953.
De lá para cá, as sociedades de economia mista com ampla participação de investidores privados e listagem em bolsa foram decisivas para mobilização de capitais, desenvolvimento do mercado de valores mobiliários e crescimento econômico.
Como resulta da associação entre Estado e investidores privados, a sociedade de economia mista precisa de mecanismos de proteção aos acionistas minoritários para, assim, incentivar os investidores a aplicar os seus recursos na empresa.
A sociedade de economia mista é regida pelas normas da Lei 6.404/1976, mais conhecida como a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/lei-6404-76-lei-das-sa-entenda-principais-regulacoes-22032022">Lei das S.A.</a>, onde é regulamentada em capítulo separado (Capítulo XIX) sem que as suas normas estejam segregadas do regime geral aplicável às demais sociedades anônimas.
Os autores do anteprojeto da Lei das S.A., Alfredo Lamy e José Luiz Bulhões Pedreira, reforçam que “ao buscar a forma anônima para o empreendimento que promove, o Estado visa a assegurar ao particular, aos quais oferece associação, os mesmos direitos e garantias de que fruem os acionistas das demais companhias”, como lemos na <a href="https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/institucional/sobre-a-cvm/EM196Lei6404.pdf">Exposição de Motivos</a>.
Em nome da proteção aos minoritários, a lei societária subordina o controlador a um regime especial com a atribuição de deveres e responsabilidades que agem como freios e contrapesos ao seu poder. O objetivo desse sistema é tanto limitar os benefícios particulares que o acionista controlador pode auferir da sua posição, quanto resguardar a minoria de quaisquer abusos desse controlador — seja privado ou estatal.
A despeito da qualidade técnica da Lei das S.A., as sociedades de economia mista foram sede de diferentes abusos do controlador, em especial os casos em que as estatais se tornaram locus de favores e retribuições políticas.
Os exemplos revelam a intervenção por vezes desastrosa do Estado na economia e, como outro lado da mesma moeda, os desafios do ponto de vista da governança corporativa das sociedades de economia mista.
Há características que distinguem as sociedades de economia mista das demais sociedades e que tendem a potencializar os conflitos e divergências em seu interior, dentre as quais se destacam:
<ul>
<li>o poder político do Estado que atinge os pressupostos de igualdade entre os acionistas;</li>
<li>a diversidade de objetivos que motivam os sócios, uma vez que o controlador da empresa estatal deve atender, além do interesse lucrativo, “o interesse público que justificou a sua criação” (art. 238 da Lei das S.A.);</li>
<li>a transitoriedade dos administradores nos respectivos cargos, quase sempre sujeito às contingências políticas;</li>
<li>a menor sujeição do controlador estatal a limites de capital, tornando menos eficazes as sanções com que o mercado pune a incompetência (como a não subscrição em aumentos de capital); e</li>
<li>o conflito de interesses entre o controlador estatal e a população, então somado às duas espécies de conflitos comuns nas companhias em geral (entre o controlador e os minoritários e entre os administradores e os acionistas).</li>
</ul>
Daí que surgiu a necessidade de reformas que aprimorassem as normas das sociedades de economia mista com o objetivo de reequilibrar o arcabouço jurídico destinado à proteção dos minoritários.
A partir dos anos 1990, o regime jurídico das sociedades de economia mista foi aperfeiçoado, a exemplo da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc19.htm">Emenda Constitucional nº 19/1998</a> (estabeleceu exigências às leis específicas que criam essas sociedades) e da Lei 10.303/2001 (reintroduziu o direito de venda conjunta em caso de alienação de controle da sociedade pelo Estado).
O corolário disso foi a criação Lei das Estatais que reforçou as boas práticas de gestão e transparência ao determinar critérios técnicos para a nomeação de diretores e conselheiros, como reputação ilibada, formação e experiencia profissional compatíveis com o cargo e distância em relação a interesses políticos.
A OCDE recentemente publicou o relatório <a href="https://www.oecd.org/corporate/soe-review-brazil.htm">"Review of the Corporate Governance of State-Owned Enterprises in Brazil"</a> (2020), no qual elogia a Lei das Estatais, reconhecendo que a administração dessas empresas se tornou mais independente em relação às influências político-partidárias.
Em meio à crise dos combustíveis, a Lei das Estatais foi associada ao aumento dos preços e se tornou um dos alvos do governo. Segundo o presidente da Câmara e aliado do governo, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/06/chegou-a-hora-de-tirar-a-mascara-da-petrobras.shtml">Arthur Lira (PP-AL)</a>, “a Petrobras agora repete o mantra do ‘compliance’ e da ‘governança corporativa’ para justificar seu capitalismo selvagem e voraz”.
A lógica em curso é de que a alteração na Lei das Estatais garantiria “<a href="https://www.camara.leg.br/noticias/888307-lira-cobra-do-governo-mp-para-alterar-lei-das-estatais-e-conter-preco-dos-combustiveis/">uma maior sinergia</a>” entre o governo e as empresas estatais, já que a exclusão de requisitos e vedações para a ocupação de cargos facilitaria a nomeação de indicados pelo governo.
De fato, os indicados podem até reduzir a fórceps o preço dos combustíveis, mas o ao preço de desidratar as blindagens da legislação que protegem os acionistas minoritários contra o risco de captura política das empresas estatais.
Vimos que a eficiência das sociedades de economia mista depende da adoção de padrões de governança como meio de atração do capital privado. A proteção aos minoritários não deve ser visto como obstáculo à realização do interesse público inerente às estatais, mas como instrumento pelo qual esses interesses ganham forma.
Melhor seria a atenção em medidas que reforçassem a credibilidade das sociedades de economia mista, a exemplo das recomendações que constam no relatório da OCDE citado acima (como a extensão dos requisitos e vedações para todos os comitês e conselho fiscal, entre outras).
Muito mais do que a reeleição do presidente, a sustentabilidade das sociedades de economia mista dá vazão ao desenvolvimento econômico e tecnológico, a qualidade dos serviços prestados à população e a atratividade do mercado de capitais brasileiro como fonte de financiamento da atividade produtiva.
É preciso, por isso, defender a Petrobras e a Lei das Estatais contra os perigos que por ora lhes assombram.

Edifício sede da Petrobras

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JOTA

Associada ao aumento dos preços dos combustíveis, lei se tornou um dos alvos do governo

Em defesa da Lei das Estatais e das sociedades de economia mista

Associada ao aumento dos preços dos combustíveis, Lei das Estatais se tornou um dos alvos do governo Bolsonaro