Opinião e Análise

Victor Vicente

Victor Durigan

O ciclo eleitoral de 2022 trouxe inúmeros aprendizados para a sociedade civil, setor privado e público. Se antes havia alguma dúvida quanto à centralidade das plataformas digitais em disputas políticas, não há mais. As plataformas foram uma arena eleitoral decisiva, bem como espaço para exercício e garantia de direitos fundamentais, como o acesso à informação e à manifestação de opinião.
Ao mesmo tempo, os desafios impostos por essa esfera ainda não têm uma resolução óbvia. Esse é o caso da desinformação. O fenômeno, que há alguns anos era pouco conhecido, se consolidou, ao lado da remoção de conteúdo, como protagonista de discussões sobre a legitimidade do processo eleitoral no país. Neste artigo, apresentamos um panorama das experiências e aprendizados do processo eleitoral de 2022 no campo dos direitos digitais. 
<h3>Regulação: muitas tentativas fracassadas</h3>
As eleições brasileiras de 2022 estavam cercadas de altas expectativas quanto ao enfrentamento à desinformação. A sensação, a partir da experiência de 2018, era de terra arrasada, uma vez que o fenômeno assolou o pleito à época, mostrando que plataformas digitais, instituições públicas e a sociedade em geral não tinham mecanismos efetivos de monitoramento e combate.
Exatamente por isso, os anos que antecederam as eleições de 2022 foram marcados por inúmeros projetos de lei que objetivavam trazer segurança jurídica para o combate ao fenômeno da desinformação. Um desses projetos ganhou destaque na discussão: o Projeto de Lei 2.630, conhecido como<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-das-fake-news-entenda-o-que-e-seu-impacto-e-as-principais-criticas-18042022"> PL das Fake News</a>.
A sua proposição original aconteceu ainda em 2020, no Senado Federal, sob o contexto de enfrentamento à desinformação na pandemia da Covid-19. À época, o projeto de lei foi duramente criticado, especialmente por ter uma redação imprecisa, um viés punitivista, com poucos mecanismos efetivos de combate e por fragilizar direitos humanos, como a privacidade e o acesso à informação.
Uma vez aprovado no Senado Federal, foi a vez da Câmara dos Deputados discutir e votar a matéria. A partir desse momento e com o trabalho do deputado federal Orlando Silva, o projeto de lei passou a ser palco de um amplo debate e teve sua redação refinada. Nos bastidores, essa proposta também deixou de ter como pano de fundo os desafios da pandemia para, cada vez mais, focar na garantia de previsibilidade jurídica no combate à desinformação para o processo eleitoral de 2022.
Em abril deste ano, muitos atores se mobilizaram para aprovar o caráter de urgência para a votação do projeto de lei 2.630, com o intuito de garantir sua aprovação antes das eleições. A Câmara votou contra essa urgência, o que na prática engavetou o projeto de lei. Uma vez que não foi possível chegar ao pleito com uma legislação que regulasse os serviços das plataformas, coube ao Tribunal Superior Eleitoral (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a>) chamar o setor privado para a responsabilidade.
<h3>Cooperação e sua efetividade limitada</h3>
Em 2018, o TSE se percebeu praticamente isolado institucionalmente e sem muitos instrumentos normativos para assegurar a legitimidade do processo eleitoral na esfera digital. A Corte, então, construiu uma estratégia de trabalho a longo prazo, contínua, mesmo com mudanças na sua presidência, com um objetivo principal: aumentar a sua legitimidade pública, dando maior transparência à organização das eleições e à própria urna eletrônica.
Além disso, a Corte buscou apoios institucionais relevantes. Todas as grandes plataformas firmaram termos de cooperação, bem como organizações da sociedade civil, que passaram a integrar o Programa Permanente de Combate à Desinformação e o Observatório de Transparência Eleitoral. Os termos de cooperação foram tratados como um piso para a atuação mais ativa das plataformas contra a desinformação e o acesso à informação oficial. A expectativa era de que essa cooperação aumentaria a simetria informacional no ecossistema e a agilidade para executar as determinações da Corte.
Nossa avaliação é de que essas expectativas foram em alguma medida frustradas. Na virada do 1º para o 2º turno, o debate público se acirrou na esfera digital. O conteúdo que circulava nas mídias sociais mudou drasticamente, com aumento de desinformação, xenofobia, racismo, violência política de gênero e ataques a jornalistas. Essa mudança tomou muitos atores de surpresa e trouxe desafios. Ao perceber as limitações dos acordos de cooperação e a forma contida que as plataformas lidavam contra a escalada de ataques nas mídias sociais, coube também ao Tribunal operar uma resolução controversa.
<h3>Ódio, desinformação e moderação</h3>
No início do 2º turno, o TSE aprovou a resolução<a href="https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2022/resolucao-no-23-714-de-20-de-outubro-de-2022"> 23.714/2022</a>, que, dentre outras coisas, permitia estender uma decisão de remoção de conteúdo irregular de uma única URL para outras URLs que tivessem conteúdos semelhantes. Essa resolução buscava aumentar a efetividade no combate a narrativas desinformativas e de ódio sobre o contexto eleitoral. Apesar a agilidade possibilitada, na prática, ela também fomentou o debate acerca da violação de discursos políticos legítimos.
Dentre outras questões, o que fica claro na mudança drástica do debate público entre o 1º e o 2º turno é que há uma indústria que fomenta e manipula narrativas desinformativas e de ódio. Em um <a href="https://uploads-ssl.webflow.com/60244423a672eb5c9027e063/63343c23c92dfc27c4e0da9d_report-vai-comprar-ou-ta-so-olhando.pdf">relatório</a> produzido no Instituto Vero, mapeamos como essas operações de influência se tornaram verdadeiros mercados ilegítimos, acessíveis para qualquer ator mal intencionado. Com apenas R$55, por exemplo, é possível comprar 5.000 seguidores no Instagram. Também é possível comprar comentários, curtidas, visualizações e praticamente todas as interações que se imaginar.  
É aí que o problema da desinformação precisa ser enfrentado majoritariamente. Remoção de conteúdo é uma prática complexa, por seu potencial dano a direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e o acesso à informação. Olhando para o futuro, precisamos aprimorar mecanismos para mapear e romper essa indústria de operações de influência e o comportamento inautêntico em rede.
<h3>Conclusão</h3>
O que já havia demonstrado sinais óbvios de esgotamento, mas que agora entra em situação quase insustentável, é o modelo de autorregulação das plataformas digitais. A década passada, na qual as plataformas estavam em plena ascensão e basearam suas atuações em regras próprias, como políticas de comunidade e termos de uso, acabou. Nos últimos anos, passamos por diversas crises, como Cambridge Analytica, invasão do Capitólio, movimentos golpistas no Brasil, infodemia na pandemia de Covid-19. Todas essas crises provam o esgotamento do modelo de autorregulação.
O momento é de se iniciar, no Brasil, um debate, ao mesmo tempo cuidadoso e rigoroso, sobre a regulação desses serviços. Vários países democráticos já o fazem, caso do Reino Unido, da Alemanha e da Austrália. Ganha ainda mais destaque a iniciativa da União Europeia, que aprovou recentemente duas legislações continentais voltadas à regulação social e econômica das plataformas digitais, o Digital Services Act (DSA) e o Digital Markets Act (DMA), respectivamente.
O Brasil precisa retomar seu protagonismo, como já o fez no passado — o caso do Marco Civil da Internet — e entrar nesse debate mundial. É preciso, no entanto, calibrar a vontade de se encontrar caminhos para o combate à desinformação e não construir soluções punitivistas e vigilantistas. A regulação deve mirar a proteção efetiva dos direitos dos usuários, expandir as obrigações de transparência das plataformas e criar regras mínimas para que esses serviços sirvam à efetivação da cidadania e da democracia, e não o contrário.

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JOTA

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