Rodrigo Pinto de Campos

Vinicius Diniz Moreira

Roberto Maluf Filho

Reformas no Direito Administrativo se encontram em pauta. Experimenta-se, em um recorte recente, um aumento na produção e divulgação de ideias inovadoras e na busca de soluções para problemas clássicos enfrentados por aqueles que contratam com a Administração Pública.
No entanto, é preciso mais: faz-se necessário que tais ideias se tornem práticas existentes no dia a dia do Direito, sob pena de se tornarem meras cartas de boas intenções. Neste contexto, o edital de licitação da concessão da Rodovia Presidente Dutra, recentemente publicado pela ANTT, inegavelmente já nasceu como candidato a símbolo de uma era de aperfeiçoamento e transformação regulatória.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Do amplo cardápio de novidades contido no edital da Dutra – ao menos na esfera da União, já que várias delas incorporam às concessões federais mudanças gestadas e implementadas na geração de contratos mais recentes do Estado de São Paulo –, é natural que a cobrança tarifária por sistema de livre passagem (“free flow”) atraia para si a maioria dos holofotes.
Do ponto de vista dos usuários, trata-se de tema de grande apelo social, com repercussões diretas e imediatas sobre o cotidiano de milhares de cidadãos que fazem uso do sistema rodoviário diariamente; sob o aspecto regulatório e de equilíbrio econômico-financeiro contratual, embute uma série de desafios cuja transposição demandará gestão atenta e eficiente do Poder Concedente, da Agência Reguladora e da Concessionária.
Contudo, muito já se tem debatido e escrito pelos especialistas a respeito do free flow nos últimos meses. O objetivo deste artigo, então, é jogar luz sobre outra inovação do projeto, que buscou responder de maneira inteligente a uma demanda histórica da operação da Rodovia Presidente Dutra e à necessidade de realização de investimentos no trecho da BR-101 integrante do lote a ser concedido: trata-se da previsão do direito de reclassificação tarifária a ser garantido à concessionária em decorrência (i) das obras de duplicação do trecho denominado “Serra das Araras” e (ii) de uma série de intervenções na BR-101.
Em breve síntese, previu-se que, após a futura concessionária concluir a execução das obras da Serra das Araras, e depois de vistoria realizada pela ANTT, haverá um incremento de 4% (quatro por cento) no valor da tarifa de pedágio de todas as praças, que será aplicado concomitantemente com as alterações tarifárias decorrentes da revisão ordinária subsequente.
A mesma dinâmica se aplica ao pacote de obras da BR-101, sendo que, neste caso, o incremento tarifário ao qual a concessionária fará jus é de 6 % (seis por cento). A minuta do contrato de concessão ainda prevê que, caso a vistoria a cargo da agência não ocorra tempestivamente, será assegurado à concessionária o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Esta inovação do edital da Dutra se relaciona com aquilo que se convencionou chamar de “sanção premial” ou “sanção positiva”. Diferentemente da sanção clássica, que busca coibir comportamentos agravando a situação do indivíduo caso incorra em conduta indesejada, com a sanção premial há uma promessa de prêmio, um incentivo para que o particular pratique certa conduta.
O objetivo é o mesmo: impor ao particular determinado comportamento desejado; todavia, inverte-se a lógica quanto à forma de se chegar ao resultado pretendido. No caso da Dutra, o que se quer é que as obras da Serra das Araras sejam executadas e concluídas segundo os marcos temporais previamente estabelecidos. Cumpridos tais requisitos, a concessionária terá sua tarifa globalmente reclassificada.
O raciocínio, por óbvio, é analogamente aplicável às obras a serem executadas na BR-101. É interessante notar que, em ambos os casos, toda a precificação dos investimentos e a consequente premiação por sua execução dentro do cronograma estipulado já estão dadas de partida, desde a licitação, conferindo aos licitantes a oportunidade de contemplar, com a devida previsibilidade, estes montantes em seus planos de negócios.
Sanções clássicas, decorrentes do punitivismo inerente ao Direito e ao Direito Administrativo, são, de fato, mais recorrentes; no próprio edital da Dutra, tal como ocorre nas demais concessões rodoviárias, ocupou-se de capítulo inteiro para se tipificar as condutas e prever as respectivas penalidades, no caso de descumprimento do contrato. No entanto, a maior incidência quantitativa de sanções clássicas não é, e nem deve ser, necessariamente, desejável.
Diversos autores já produziram materiais a respeito do diagnóstico e das consequências que o aumento da função administrativa sancionatória – principalmente na figura das sanções clássicas – pode produzir na Administração Pública e nos contratos por ela firmados.
Por essa razão, ideias como a consensualidade na administração pública<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e interdisciplinaridade com outras ciências<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> têm ganhado cada vez mais visibilidade. O projeto de concessão da Dutra, certamente atento a esse cenário, optou por transformar tais conceitos em uma solução prática, preferindo induzir a futura concessionária à conclusão das obras do trecho da Serra das Araras e da BR-101 por meio de prêmios (reclassificações tarifárias) a simplesmente prever punição por eventual inexecução das obras.
É salutar e alvissareiro, portanto, que a modelagem de concessão da Dutra tenha sinalizado para a adoção de uma série de inovações regulatórias interessantes, que merecem ser observadas de perto e avaliadas em relação à sua efetividade.
Para além da tão propalada implantação do free flow, a adoção da possibilidade de reclassificação tarifária como sanção premial fruto da conclusão de obras relevantes alocadas à futura concessionária chama a atenção e pode se converter em paradigma a ser replicado em futuros projetos.
Que este não seja, portanto, um exemplo esparso, mas sim o primeiro passo rumo a uma regulação setorial cada vez mais sofisticada, eficiente e ciosa, ao mesmo tempo, da satisfação dos interesses dos usuários e da preservação da segurança jurídica e da atratividade para os parceiros privados da Administração Pública.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Cf. PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. 2010. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Cf. VORONOFF, A. Direito administrativo sancionador: um olhar pragmático a partir das contribuições da análise econômica do direito. Revista de Direito Administrativo, [S. l.], v. 278, n. 1, p. 107–140, 2019. DOI: 10.12660/rda.v278.2019.79029. Disponível em: &lt;https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/79029&gt;.

Via Dutra

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JOTA

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