Gildásio Pedrosa de Lima

Uma das questões mais confusas em relação aos procedimentos falimentares e de recuperação judicial diz respeito a competência para o processamento destes feitos. A Lei 11.101/05 (LRF), em seu artigo 3º estabelece que: 
“É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”.
A confusão decorre da dificuldade de definição do que vem a ser o “principal estabelecimento”. Discute-se acaloradamente se o principal estabelecimento é a sede declarada da empresa, o local onde estão instalados seus principais ativos ou maior volume de atividades ou, ainda, o local de onde partem as decisões que direcionam o negócio.
<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/objetivos-da-recuperacao-judicial-extrajudicial-e-falencia-01032018" target="_blank" rel="noopener">+JOTA: Objetivos da recuperação judicial, extrajudicial e falência</a>
O Superior Tribunal de Justiça se debruçou sobre o tema em casos emblemáticos como os da Fazenda Boi Gordo (CC STJ 36.349/SP Min. Gonçalves) e da SHARP (CC37.736/SP), mas não conseguiu arrefecer o debate. 
Para tentar dirimir a discussão, na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal foi aprovado o enunciado nº. 466 com a seguinte redação: “Para fins do Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro público”.  
O Enunciado trouxe alguma luz, indicando que o centro de comando da empresa é o local competente para o processamento dos feitos falimentares. No entanto, persistem dúvidas, pois se os ativos e/ou os credores estiverem concentrados em outro local, este, talvez, seria o mais adequado para os procedimentos de arrecadação de bens e verificação dos créditos. 
O Projeto de Lei - PL elaborado pelo Grupo de Estudos do Ministério da Fazenda que pretende a alteração da Lei 11.101/05 (LRF) não alterou a redação do polêmico art. 3º, mas acrescentou a ele três parágrafos com as seguintes redações:
§ 1º Quando o plano de recuperação extrajudicial, a recuperação judicial ou a convolação em falência implicar soma de passivos superiores ao valor de R$ 300.000 (trezentos mil) salários mínimos, na data do ajuizamento, será competente o juízo da capital do Estado ou Distrito Federal onde se localizar o principal estabelecimento.
§ 2º O disposto no §º 1º não se aplica à decretação de falência, exceto na hipótese de convolação.
§ 3º O disposto nos § 1º e § 2º produzirá efeitos enquanto não houver, no Estado ou no Distrito Federal, varas especializadas com competência regional.
Persiste no projeto a indefinição do que vem a ser principal estabelecimento. Essa indefinição e/ou a ausência de regras mais claras para dirimir os conflitos de competência continuam sendo um problema não resolvido pelo projeto de alteração da Lei.  
Os parágrafos acrescentados tentam dirimir outro problema, a ausência de estrutura de algumas varas do interior para processar grandes processos de recuperação judicial e falência. A solução proposta é declinar esta competência para a vara da capital do Estado do principal estabelecimento, onde se presume existir uma melhor estrutura e acesso facilitado. 
Além da imprecisão quanto a “capital” do Distrito Federal, o projeto ignora que esta unidade federativa autônoma já tem uma vara especializada de competência geral, que abrange todo seu território. Por outro lado, algumas varas de determinadas capitais têm volumes muito maiores de processo, o que pode acarretar mais atraso do que se processada no interior. 
A ideia do projeto parece ser incentivar a criação de varas especializadas com competência geral, as quais seriam bem vindas. Os procedimentos falimentares e recuperacionais são muito específicos e demandam celeridade. A experiência demonstra que em varas comuns os processos são mais lentos e que diversas regras são desrespeitadas pelo próprio juízo.  
A criação de varas e turmas especializadas deveria ser obrigatória em todo país para o bem da sociedade como um todo. Nesse sentido, o PL estabelece a inclusão do art. 3ºA, o qual determina que o Conselho Nacional de Justiça deverá realizar periodicamente pesquisas estatísticas, capacitação de juízes e servidores e avaliação sobre distribuição de competência em matéria falimentar.  
Parece uma tentativa tímida e de longo prazo para incentivar o constante monitoramento e aperfeiçoamento das varas que recebem processos de recuperação judicial e falência. Tímida, pois em alguns centros a necessidade de criação de varas especializadas é urgente e não depende de avaliação do CNJ. 
De toda forma, é passo adiante e não se pode ignorar que cada Estado cria suas regras de organização judiciária e que existem interesses e realidades bem distintas em cada localidade. 
O fato é que a questão da definição da competência para os feitos falimentares merecia maior detalhamento no PL e a criação de mecanismos para superar questões antigas quanto o local adequado para o processamento destes processos tão importantes. 
A expectativa é que no Congresso Nacional o PL possa ser aperfeiçoado e avance para o bem do Brasil, em especial do setor produtivo.

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JOTA

O 2º artigo da série sobre recuperação judicial

Competência para processamento da recuperação judicial, extrajudicial e falência

O 2º artigo da série sobre recuperação judicial