Em entrevista ao Jornal Nacional, o presidente Jair Bolsonaro foi cobrado pelos apresentadores a assumir um compromisso de que respeitará o resultado das eleições deste ano. Sua resposta foi uma declaração de quem busca escapar de tal compromisso, reafirmando algo que vem ensaiando há anos: “Serão respeitados os resultados das urnas desde que as eleições sejam limpas”. Mais uma vez, ele colocou um condicionante para aceitar o resultado das urnas, pavimentando o caminho para, em caso de derrota, questionar adiante a confiabilidade do processo eleitoral.
Esse discurso aponta numa direção crítica: o risco de tumulto e violência no dia da votação ou após a proclamação de resultado. Como nos EUA de Donald Trump, diversos fatores de risco conduzem o Brasil de 2022 à possibilidade real de atos de violência por parte da militância mais extremista que apoia o presidente. Motivados pelo falso discurso de fraude e pelas pesquisas forjadas que circulam em seus grupos de WhatsApp, estariam justificadas medidas radicais, seja para barrar o processo eleitoral, seja para questionar a lisura do processo se não sair vitorioso o próprio Bolsonaro.
O discurso levantando dúvidas sobre a segurança das urnas, alegando fraude e inspirando suspeitas sobre instituições, o torna o epicentro de um risco evidente contra a ordem democrática. Não pela tentativa de um golpe, o que as instituições e a sociedade civil já gritaram do Largo São Francisco que não tolerarão. Mas de eventuais episódios de violência que não podem ser desconectados do discurso irresponsável do presidente.
Eis por que é imprescindível lembrar o que diz a Constituição em seu artigo 5º, inciso XLIV: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. O texto busca proteger a própria Constituição e o Estado democrático de Direito, recriminando ações que ameacem a existência desta norma e seus princípios. Tal proteção foi reforçada pela recente Lei de Proteção da Democracia (que revogou a velha Lei de Segurança Nacional).
A mudança na lei tipificou crimes como a interrupção do processo eleitoral e atos de violência política. E aumentou a pena para crimes contra a ordem democrática no contexto eleitoral cometidos com violência ou emprego de armas de fogo, ressalvando a proteção da cidadania contra o uso arbitrário do poder estatal para violar ou restringir direitos (como a liberdade de manifestação).
O risco que enfrentamos, porém, nada tem a ver com direito de manifestação ou, como tentou definir o presidente, com liberdade de expressão. Trata-se, isto sim, de uso indevido de armas que estão em livre circulação para macular, tumultuar ou barrar o processo eleitoral vigente. Essa estratégia, gestada desde o início do mandato, facilitou o acesso a armas de fogo e munição e dificultou a fiscalização dos arsenais em circulação (e hoje já há mais armas nas mãos de CACs do que da própria polícia).
Esse cenário evidencia que está no colo de Bolsonaro a responsabilidade por baderna, tumulto ou escaramuça que ocorra no dia da eleição ou nos dias seguintes. E que a imprensa, as lideranças cívicas e políticas, as cortes superiores, o Ministério Público e as cúpulas das polícias devem estar atentos para evitar tais ameaças ou coibi-las rapidamente, de forma que o processo eleitoral possa ser cumprido. Difícil enxergar com mais nitidez esses riscos de um discurso que flerta com abuso de poder político e ameaça o Estado democrático de Direito.