Ilan Zugman

Carlos Tautz

À medida que os meses vão passando, compreende-se melhor a estratégia de desmonte do Estado desenvolvida pelo ex-presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a> entre 2019 e 2022. Perseguições verificadas no Ministério do Meio Ambiente, no Ibama e no ICMBio, entre muitos outros órgãos federais, durante aquele período levaram à autodemissões, exonerações e aposentadorias precoces que reduziram em 10% o já precário quadro de funcionários.  
O objetivo do ex-presidente, vê-se agora, era eliminar a capacidade técnica de desenvolver os refinados instrumentos de avaliação, planejamento e licenciamento ambiental disponíveis no Brasil. Esses mecanismos podem ser um caminho, ainda insuficiente mas importante, na regulagem de um tipo de desenvolvimento econômico que persiga a justiça climática no país, sobretudo para comunidades tradicionais, principalmente aquelas impactadas pela implantação de projetos de geração de energia. 
Utilizando-se de todo tipo de assédio institucional, inéditos na história republicana, o período anterior visava a acelerar a transferência para o controle privatizado — inclusive de forma ilegítima e até ilegal — de massivos recursos naturais administrados pela União. 
Assim, o ultraliberal ex-ministro da Economia Paulo Guedes aliou-se ao ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, investigado pela Polícia Federal por suspeita de contrabandear madeiras valiosas, e a milhares de militares aquartelados por Bolsonaro em áreas ambientais das quais nada entendiam. A missão dessa tropa era deixar a "boiada passar". 
Entretanto, mesmo após o fim do período Bolsonaro, na prática a estratégia do governo anterior ainda vem sendo aplicada na administração Lula em pelo menos alguns órgãos federais. Por exemplo, na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anp">ANP</a>). 
A ANP ainda mantém a 17ª Rodada de Licitações de Petróleo e Gás Natural e o 2º Ciclo de Oferta Permanente de Petróleo e Gás, autorizados pelo Conselho Nacional de Política Energética em dezembro de 2020. Tanto a 17ª Rodada quanto o 2º Ciclo possibilitam concessões a capitais nacionais e internacionais de blocos, no mar e em terra, em todo território nacional, para exploração de petróleo e gás natural, mas sem considerar minimamente qualquer dimensão de justiça climática. 
Entre os instrumentos avançados de licenciamento ambiental que ainda vêm sendo deixados de lado pelo governo estão as sofisticadas e complexas Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAAS). A própria descrição das AAAS, contidas na <a href="https://www.gov.br/mme/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/portarias-interministeriais/portaria-mme-mma-n-198-2012.pdf/view">Portaria 198/2012</a>, que as instituiu, mostra a importância estruturante das Avaliações. 
De responsabilidade dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, as AAAS são um "processo de avaliação baseado em estudo multidisciplinar, com abrangência regional, utilizado pelos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente como subsídio ao planejamento estratégico de políticas públicas, que, a partir da análise do diagnóstico socioambiental de determinada área sedimentar e da identificação dos potenciais impactos socioambientais associados às atividades ou empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural". 
As AAAS devem subsidiar "a classificação da aptidão da área avaliada para o desenvolvimento das referidas atividades ou empreendimentos, bem como a definição de recomendações a serem integradas aos processos decisórios relativos à outorga de blocos exploratórios e ao respectivo licenciamento ambiental". 
Em outras palavras, as AAAS, que precisariam ter sido elaboradas pelos órgãos ambientais antes do lançamento da 17ª Rodada e do 2º Ciclo, foram concebidas para, preliminarmente, indicar se determinada região demonstra capacidade natural de se recompor após hospedar a indústria fóssil, que é reconhecida mundialmente como uma das mais impactantes à diversidade social e ambiental. Mundo afora, não faltam dramáticos exemplos das consequências negativas da implantação da exploração fóssil e da extrema concentração de renda proporcionada por essa indústria. 
Porém, devido à incapacidade técnica dos órgãos ambientais fabricada nos anos bolsonaristas, as AAAS vêm sendo parcialmente substituídas por insuficientes e lacônicas manifestações conjuntas do MME e do MMA. Ao fazê-lo, esses ministérios negam a necessidade de utilizar o amplo arsenal científico, disponível há décadas, para avaliar a aptidão, a inaptidão ou até a necessidade de moratória para exploração de áreas que a indústria fóssil e a ANP consideram de interesse comercial.  
Apesar de a portaria das AAAS há 11 anos ter levantado a possibilidade de desenvolver as avaliações estratégicas em áreas situadas, por exemplo, nas bacias Potiguar (terra e mar), Recôncavo (BA), Espírito Santo (terra) e Campos (ES e RJ), apenas foram solicitadas avaliações para as bacias marítimas de Sergipe-Alagoas e Jacuípe (BA) e para a bacia do Solimões (AM), em terra. 
Desde fins de maio, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem afirmando que, com a contratação de centenas de técnicos para o Ibama e o ICMBio, agências sob sua responsabilidade institucional, as AAAS passarão a ser aplicadas aos projetos de petróleo e gás natural “de alta complexidade” localizados em áreas de fronteira.  
Efetivamente, o MMA e suas agências vêm recuperando a capacidade técnica retirada durante o período negacionista, mas ainda leva tempo até a plena capacitação destes novos funcionários. Além disso, a decisão de aplicar as AAAS depende de áreas de governo que muitas vezes divergem entre si. 
A Portaria 198/2012 afirma que a "responsabilidade pelo desenvolvimento da AAAS é compartilhada entre os Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente", mas que "caberá ao Ministério de Minas e Energia, ouvido o órgão ambiental competente, a seleção das áreas sedimentares para a realização da AAAS, considerando o planejamento do setor energético". 
Ou seja, a prerrogativa de invocar o desenvolvimento de AAAS é do MME, que historicamente é mais afeito às demandas da economia senso estrito e menos próximo às exigências dos campos social, ambiental e climático. 
No fundo, a provável divergência explicita a necessidade de um consenso superior sobre os rumos gerais da nação. A definição destes rumos, porém, vai encarar concepções sobreviventes da anterior aliança financeira-militar-antirrepublicana, ainda vigentes em algumas estruturas oficiais.  
Superá-las não é uma tarefa simples. Mas é urgente e dramática.

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JOTA

Avaliações Ambientais de Área Sedimentar continuam sendo deixadas de lado pelo governo federal

AAAS e exploração ultraliberal de combustíveis fósseis

Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAAS) continuam sendo deixadas de lado pelo governo federal na exploração de combustíveis fósseis