Caio César Alves Ferreira Ramos

A pandemia de Covid-19 suscitou desafios significativos em matéria de contratação pública, incumbindo os gestores de todo o país a analisar os impactos gerados pela crise sanitária sobre os contratos administrativos sob sua administração, visando à adoção de medidas específicas e adequadas a cada ajuste em particular<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Entre as providências empregadas neste contexto, existem as que tangenciam a invocação das chamadas “cláusulas exorbitantes” dos contratos públicos. Nessa senda, cita-se, exemplificativamente, o Decreto nº 64.898/2020 do estado de São Paulo, que elencou as medidas a serem avaliadas pelos dirigentes de unidades gestoras orçamentárias quanto aos contratos de prestação de serviços contínuos sob sua alçada.
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O referido édito estadual então aludiu à supressão unilateral quantitativa do objeto e à suspensão da execução desses contratos, providências que, respeitados os limites legais, encontram guarida na Lei federal nº 8.666/1993 (art. 65, I, “b”, e §1º, e arts. 8º, parágrafo único, 26, caput, 57, §1º, III, e 78, XIV, respectivamente).
Em acréscimo às supracitadas medidas, poder-se-ia cogitar, também, da própria rescisão unilateral destes ajustes por razões relevantes de interesse público devidamente justificadas ou pela ocorrência de caso fortuito ou força maior impeditiva da subsistência destas avenças, na forma autorizada pelo art. 78, XI e XVI, respectivamente, da Lei federal nº 8.666/1993.
Nada obstante, a adequação de prerrogativas exorbitantes de atuação unilateral do poder público para endereçamento das questões contratuais derivadas do contexto pandêmico parece passível de questionamento sob dois enfoques.
O primeiro enfoque diz respeito ao papel ocupado pelas contratações públicas na ordem econômica nacional. Com isso, quer-se fazer referência não apenas à função regulatória dos contratos públicos ou à possibilidade de instrumentalização do poder de compra estatal para a promoção de políticas públicas, mas à constatação de que as compras governamentais representam parcela significativa do Produto Interno Bruto brasileiro<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesse sentido, considerando a crise econômica decorrente da sanitária, parece importante a ponderação do modelo de gestão contratual adotado à luz da relevância macroeconômica das contratações administrativas.</blockquote>
No ponto, destaca-se, em especial, a necessidade de avaliação do reflexo de medidas como a suspensão da execução, a redução expressiva de quantitativos contratuais e, principalmente, a rescisão unilateral de contratos públicos sobre os níveis nacionais e regionais de empregabilidade, tendo em vista a quantidade de mão de obra que mobilizam, sobretudo os de terceirização de serviços.
Isso porque, ao menos potencialmente, tais providências são capazes de provocar demissões no âmbito das empresas contratadas, agravando o colapso da economia<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O segundo enfoque trata da (in)idoneidade das soluções unilaterais legalmente franqueadas à Administração Pública para a resolução da totalidade das questões que desafiam a gestão dos contratos administrativos durante o cenário excepcionalmente em curso.
Neste aspecto, parece pertinente que se tenha em vista que boa parte das adversidades contratuais que ora se apresentam não são passíveis de neutralização mediante o exercício de prerrogativas exorbitantes e unilaterais, demandando uma atuação dialógica e consensual do poder público junto aos contratados<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Nessa esteira, cita-se, por exemplo, a hipótese de contratos que, a despeito de permanecerem sendo plenamente necessários, inclusive nos quantitativos contratuais originais, requerem alterações nos preços contratualmente estabelecidos.
Isso pode ocorrer em função dos impactos fiscais gerados pela pandemia sobre o erário, comprometendo a capacidade estatal de suportar seus contratos nos termos inicialmente avençados.
O mesmo pode ocorrer em razão de flutuações cambiais e de reflexos da crise sanitária sobre a atividade econômica e industrial que alterem significativamente o valor e a disponibilidade dos insumos utilizados pelo contratado para a execução contratual, inviabilizando-a nos moldes originais.
Na mesma linha, pode-se mencionar a hipótese de ajustes que demandem alterações no modo do fornecimento dos serviços contratuais para adequação às medidas sanitárias determinadas para a contenção do coronavírus, com o estabelecimento de regime de execução remoto quanto a serviços antes desempenhados presencialmente, por exemplo<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Em tais casos, falece à Administração Pública a competência para endereçar unilateralmente a matéria, sendo forçosa a formalização consensual de aditivos contratuais, nos termos do art. 65, II, da Lei federal nº 8.666/1993, principalmente nas hipóteses em que afetada a equação econômico-financeira dos contratos e alteradas as condições efetivas das propostas que os balizaram, cuja preservação é garantida pelo art. 37, XXI, da Constituição da República.
Portanto, não obstante a contumaz tentativa de elevar a importância das ditas cláusulas exorbitantes para a tutela do interesse público em matéria contratual, a casuística verificável no cenário pandêmico revela que essas podem não ser adequadas do ponto de vista macroeconômico, tampouco uma panaceia para toda e qualquer questão contratual decorrente da crise sanitária.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre o tema, v.: JUSTEN FILHO, Marçal. Efeitos jurídicos da crise sobre as contratações administrativas. In: JUSTEN FILHO, Marçal et al (org.). Covid-19 e o direito brasileiro. E-book Kindle, 2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> No Brasil,  as compras governamentais equivalem a uma média de 12,5% do PIB, conforme dados oferecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Disponível em: &lt;https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&amp;view=article&amp;id=34435%3Aprogramas-visam-inserir-micro-e-pequenas-empresas-nas-compras-governamentais&amp;catid=6%3Adinte&amp;directory=1&amp;Itemid=1&gt;. Visualizado em: 26 e novembro de 2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Sobre a questão empregatícia subjacente aos contratos administrativos de prestação de serviços terceirizados, que envolve, inclusive, a matéria sindical, v.: NIEBUHR, Joel de Menezes. O que fazer com os contratos administrativos em tempos de coronavírus?. Blog Zenite. Disponível em: &lt;https://www.zenite.blog.br/o-que-fazer-com-os-contratos-administrativos-em-tempos-de-coronavirus&gt;. Visualizado em: 26 de novembro de 2020. Ancorado neste fator, o município de São Paulo noticiou a manutenção da realização de pagamentos em favor das empresas terceirizadas contratadas pela municipalidade, visando a evitar demissões durante a pandemia. Sobre o tema, v.: MELLO, Daniel. Prefeitura de São Paulo mantém repasses a empresas terceirizadas. Agência Brasil. São Paulo, 30 de março de 2020. Disponível em: &lt;https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/prefeitura-de-sao-paulo-mantem-repasses-empresas-terceirizadas&gt;. Visualizado em: 30 de novembro de 2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Esta também é a conclusão de Joel de Menezes Niebuhr no artigo previamente citado. No mesmo sentido: FERRAZ, Luciano. Contratos administrativos e flexibilidade em tempos de Covid-19. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: &lt;https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/luciano-ferraz-contratos-administrativos-flexibilidade&gt;. Visualizado em: 26 de novembro de 2020.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Neste particular, cumpre anotar que, no âmbito do Estado de São Paulo, o Decreto estadual nº 64.864/2020, ao dispor sobre a implantação do regime laboral de teletrabalho em relação a agentes públicos integrantes do chamado “grupo de risco” da Covid-19, expressamente estendeu o regramento “ao pessoal de empresas terceirizadas, mediante atos contratuais próprios” (art. 1º, §3º).

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JOTA

As ditas cláusulas exorbitantes são adequadas aos dilemas contratuais decorrentes da crise?

A pandemia e a exorbitância dos contratos públicos

As ditas cláusulas exorbitantes são adequadas aos dilemas contratuais decorrentes da crise?