A vaquejada, competição em que os participantes devem derrubar bois após tracioná-lo pelo rabo, voltou a ser discutida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (2/6). Com o debate, os ministros buscam saber se a prática submete animais a crueldade ou e se a vaquejada deve ser vista como manifestação cultural.
Até agora, o placar está quatro a quatro. De um lado, os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luiz Fux votaram a favor da lei que regulamenta a vaquejada no estado do Ceará. Do outro lado, os ministros Marco Aurélio, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello decidiram pela inconstitucionalidade da lei, por considerar a prática cruel. O ministro Dias Toffoli pediu vista do processo, adiando uma decisão do tribunal.
O caso gira em torno de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4983), proposta pelo procurador Geral da República, Rodrigo Janot, contra a lei cearense 15.299/2013 , que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural.
O ministro Luis Roberto Barroso, que havia pedido vista dos autos, trouxe o voto ao plenário e, apesar de reconhecer que a vaquejada é uma atividade esportiva e cultural com repercussão econômica em muitos estados, decidiu votar para não permitir a continuação de uma prática que submete animais a crueldade.
Para Barroso, é apenas uma questão de tempo até que não se tolere mais a crueldade a animais para entretenimento. Segundo ele, “estamos diante de uma mutação ética”.
“Embora ainda não se reconheça a titularidade de direitos jurídicos aos animais, como seres sencientes, têm eles pelo menos o direito moral de não serem submetidos a crueldade. Mesmo que os animais ainda sejam utilizados por nós em outras situações, o constituinte brasileiro fez a inegável opção ética de reconhecer o seu interesse mais primordial: o interesse de não sofrer quando esse sofrimento puder ser evitado”, afirmou no seu voto. (
+JOTA: <a style="color: #ff6600;" href="/wp-content/uploads/2016/06/ADI-4983-Minuta-do-Voto-Vista-Ministro-Barroso-5-abr2016.pdf" target="_blank">Leia íntegra do voto de Barroso</a>
Barroso acompanhou o relator da questão, ministro Marco Aurélio, pela inconstitucionalidade da lei que regulamenta a vaquejada no Ceará.  Junto com eles, a ministra Rosa Weber afirmou que violência ao animal é ínsita à vaquejada e defendeu que o Estado não incentive manifestações culturais com crueldade de animais.
No mesmo sentido, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, decidiu antecipar seu voto, após Toffoli ter pedido vista do processo. Celso de Mello lembrou que, em período que antecedeu a Constituição Federal de 1988, o STF enfatizava que as brigas de galos, por serem atos de crueldade contra as aves, não eram atividades esportivas e implicavam crueldade contra animais.
“A regulamentação constante da lei não pode impedir a realidade e a natureza dessa prática violenta. Ela não deixa de ser cruel porque a lei assim quer”, afirmou.
Outros quatro ministros votaram de maneira contrária e defenderam a vaquejada como sendo uma manifestação cultural.
O ministro Teori Zavascki distinguiu a vaquejada da lei do estado do Ceará que a regulamenta. “Ou seja, a vaquejada pode ser cruel, mas pode também não ser cruel. A lei cearense veio regulamentar a vaquejada naquele estado. Trata-se aqui do princípio da legalidade”, afirmou.
Ele não vê inconstitucionalidade na Lei 15.299.
Luiz Fux questionou se é possível a realização da vaquejada sem que haja crueldade. Ele citou o abate do boi, que é engordado, e enviado ao matadouro de caminhão. No final, disse ele, os bois sadios vão para o abate, os doentes são mortos e enterrados.
“Haverá crueldade maior do que essa?”, questionou, ao confessar que não come carne vermelha.
Na mesma linha, o ministro Dias Toffoli citou o Antigo Testamento sobre o sacrifício de Isaac por seu pai Abraão, um pacto que acabou com o sacrifício humano. O mito do sacrifício foi comum em todas as pré-civilizações, e o sacrifício humano foi sendo substituído pelo sacrifício animal. Citou também Lévi-Strauss, afirmando que “temos aqui um tema maior”, e resolveu pedir vista para melhor estudar o tema.
Gilmar Mendes, que havia votado em sessão anterior, argumentou que é a primeira vez que um estado tenta legalizar a vaquejada, com preocupação de não torná-la cruel, até com o uso de “rabo artificial”.
Para Gilmar, o legislador foi cauteloso, tentando “civilizar” a prática. “No caso específico, estamos falando de uma atividade que provê 200 mil empregos”, lembrou.
O ministro citou o caso do paté de foie gras (fígado gordo), no qual os patos são alimentados acima do normal para que os seus fígados fiquem inchados, e possam depois ser comidos em refeições gourmet de preços altíssimos. Ele reforçou o voto no sentido de que não se pode deixar de lado uma lei estadual que tenta minimizar eventuais danos aos animais usados na vaquejada.
“Temos aqui uma adequada regulamentação. A premissa da lei é que não haja crueldade na vaquejada. O legislador que fez uma lei bem intencionada acabará sendo penalizado”, considerou.
Ainda não há data para a retomada do julgamento. Além do ministro Dias Toffoli, ainda faltam votar a ministra Cármen Lúcia e o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski.
Briga de galos
Em maio de 2011, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional, por unanimidade, lei estadual do Rio de Janeiro, de 1998, que regulamentava as brigas de galos, ao autorizar “a criação e a realização de exposições e competições entre aves de raças combatentes (fauna não silvestre) para preservar e defender o patrimônio genético da espécie Gallus-Gallus”.
A ação de inconstitucionalidade em questão (Adi 1.856) tinha sido ajuizada pela Procuradoria-Geral da República havia quase 13 anos, em julho de 1998, e teve como relator inicial o ministro Carlos Velloso, que se aposentou. A lei havia sido suspensa pelo STF, em caráter liminar, em setembro daquele ano. Na sessão de 2011, o novo relator, Celso de Mello, submeteu a ação para o julgamento no mérito.
O STF já tinha considerado inconstitucionais leis estaduais que criavam normas para rinhas de galos em Santa Catarina (em junho de 2005) e no Rio Grande do Norte (em junho de 2007). Como nos demais casos, as leis foram derrubadas, sobretudo em face do dispositivo do artigo 225 da Constituição, segundo o qual cabe ao Poder Público e à coletividade “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Farra do boi
Em março de 1998, no julgamento de recurso extraordinário (RE 153.531), a 2ª Turma do STF decidiu ser “obrigação constitucional do Estado assegurar a todos os cidadãos o pleno exercício de direitos culturais”, o que, no entanto, “não exime o estado de observar o dispositivo constitucional que proíbe o tratamento cruel de animais”.
Naquela ocasião, organizações de proteção de animais impetraram o recurso para contestar decisões de instâncias inferiores que haviam rejeitado ação demandando ordem judicial que proibisse o festival popular anual “Farra do Boi”, tradicionalmente celebrado por comunidades litorâneas de origem açoriana no Estado de Santa Catarina”.
Por maioria de votos, a turma do STF decidiu que o festival “Farra do boi” constituía prática que sujeita animais a tratamento cruel, em violação do art. 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição. Em voto contrário, um ministro apenas sustentou que o festival era uma expressão cultural legítima a ser protegida como tal pelo Estado, nos termos do art. 215, parágrafo 1º da Carta de 1988, e que a crueldade com animais durante o festival deveria ser atribuída a excessos a serem punidos pelas autoridades policiais.

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JOTA

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