Em menos de 48 horas, ministros do Supremo Tribunal Federal reafirmaram o entendimento da Corte sobre os limites da imunidade parlamentar em manifestações públicas dos deputados cariocas Jandira Feghali (PCdoB) e Jair Bolsonaro (PSC).
O processo contra ela por cobranças públicas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) no Twitter foi arquivado monocraticamente pelo ministro Celso de Mello, o decano do STF. Já Bolsonaro tornou-se réu por incitação à prática de um crime hediondo, após análise do caso pela 1ª Turma do STF, composta por cinco ministros.
Embora com resultados diferentes - um arquivamento de um lado e o recebimento de outro - ambos os casos confirmam a visão do Supremo sobre até onde podem ir Congressistas protegidos pela imunidade parlamentar: comentários relacionados à natural briga política e disputa entre os partidos são admitidos.
A imunidade, no entanto, não serve de guarida para prática de injúria ou estímulo a prática de racismo ou estupro por exemplo.
Os dois casos
O Supremo analisou uma queixa-crime protocolada por Aécio Neves  contra Jandira e uma queixa-crime e uma denúncia contra Bolsonaro por ele ter afirmado que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada.
Os dois casos se relacionam pela alegação de imunidade parlamentar criada para garantir a independência do congressista no exercício do mandato.
No primeiro caso, a queixa-crime de Aécio contra Jandira se relaciona a um post da deputada no Twitter sobre um helicóptero apreendido com drogas, em 2013, em Afonso Cláudio (ES). Na época,  o piloto do helicóptero era funcionário do gabinete do então deputado estadual em Minas Gustavo Perrella:
https://twitter.com/jandira_feghali/status/600807779197165568
O senador acusou a deputada prática de crime contra sua honra. Em decisão monocrática, o ministro Celso de Mello extinguiu o procedimento criminal sustentando que o comportamento da congressista guarda estreita conexão com o desempenho do mandato legislativo e, por isso, estaria protegido pela imunidade parlamentar.
“É importante acentuar que os lindes em que se contém a incidência do instituto da imunidade parlamentar material devem ser interpretados em consonância com a exigência de preservação da independência do congressista no exercício do mandato parlamentar”, diz trecho da decisão de Celso de Mello.
Jurisprudência do Supremo 
Segundo o ministro, a jurisprudência do Supremo tem enfatizado que a proteção da garantia da imunidade em sentido material somente alcança o parlamentar nas hipóteses em que as palavras e opiniões tenham sido por ele expendidas no exercício do mandato ou em razão deste.
“Impõe-se registrar, por oportuno, que o exercício do mandato - seja na esfera parlamentar, seja no âmbito extraparlamentar (como sucede na espécie) - atua como verdadeiro suposto constitucional, apto a legitimar a invocação dessa especial prerrogativa jurídica, destinada a proteger, por suas ‘opiniões, palavras e votos’, o membro do Poder Legislativo, independentemente do "locus" em que proferidas as expressões eventualmente contumeliosas”, afirmou Celso de Mello. 
Diferentemente da decisão de Celso de Mello que extinguiu a queixa-crime, monocraticamente, a 1ª Turma do STF decidiu abrir duas ações penais contra Jair Bolsonaro, por incitação ao crime de estupro e por injúria. 
O relator do caso foi o ministro Luiz Fux que aceitou a denúncia e a queixa-crime em relação ao crime de injúria contra Bolsonaro. A maioria dos ministros da turma também votou pela abertura das duas ações penais. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, que argumentou que as manifestações de Bolsonaro em Plenário e em entrevistas estavam também protegidas pela imunidade parlamentar. 
As acusações contra Bolsonaro decorrem de afirmações do deputado de que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia,  em dezembro de 2014. Em entrevista ao jornal Zero Hora, depois de discurso no Plenário da Câmara, o deputado disse:
“Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”, segundo relato feito na denúncia apresentada pelo Ministério Publico Federal ao STF:
A afirmação rendeu uma queixa-crime apresentada pela deputada Maria do Rosário apontando para os crimes de calúnia e injúria e também uma denúncia protocolada pelo Ministério Público Federal por incitar ao crime de estupro.
Segundo Fux, a jurisprudência da Corte, em termos de imunidade, protege o parlamentar em qualquer lugar, mas sempre em situações em que haja relação com o seu mandato.
Efeitos da manifestação de Bolsonaro
O ministro lembrou que vivemos em sociedade desigual que às vezes tolera atitudes machistas e que não se pode subestimar os efeitos dos discursos que possam gerar consequências como o encorajamento da prática do crime hediondo de estupro.
De acordo com o voto do ministro, a entrevista concedida por Bolsonaro não atrai a imunidade parlamentar, porque o tema e o conteúdo são estranhos ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar que “não estupraria” deputada federal porque ela “não merece”. 
“Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar”, disse Fux.
Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto do relator.
“Imunidade não significa impunidade”, afirmou a ministra Rosa Weber
“Ninguém pode se escudar na imunidade para chamar alguém de nego safado, de gay pervertido” e "afirmar que não estupraria uma mulher porque ela não merecia, é uma ofensa à mulher de uma maneira geral”, disse Barroso.
A exceção foi do ministro Marco Aurélio que defendeu que a declaração de Bolsonaro foi um “arroubo de retórica, uma metáfora”e votou contra a abertura da ação penal. 
“Bolsonaro estava protegido por imunidade parlamentar quando afirmou que não estupraria Maria do Rosário”, afirmou.
Repercussão 
"A imunidade parlamentar relativizada pelo STF no caso Bolsonaro x Maria do Rosário é um ponto fora da curva ou a partir de agora a corte aplicará esse novo entendimento para todos os casos de discussão de imunidade? Ou o STF só o fez porque era 'esse caso'?", questiona o jurista Lenio Luiz Streck, professor de direito constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Sem discutir o mérito do caso, Streck questiona se o Supremo a partir de agora dirá que em determinados casos a imunidade do parlamentar não prevalece. Ao citar a manutenção da imunidade de Jandira Feghali, lembrou também o caso em que o senador Fernando Collor de Mello xingou o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.
"Então? Ah, dirá o líder da minoria no Congresso, mas esse caso do Bolsonaro é (mais) grave. Ok. Mas a apreciação é moral? Discutimos a imunidade pela apreciação moral do que foi dito? Como sabem, decisões devem ser pro principio e não por politica ou moral. Recado para os que aplaudem a decisão do STF no caso Bolsonaro: pau que bate em Chico hoje, pode afofar o lombo de Francisco amanhã", ponderou.
A conduta do deputado Bolsonaro tem contornos de ilícito penal, tanto de injúria quanto de estupro e deve ser examinada nestas condições, avalia o constitucionalista Percival Maricato.
"Por enquanto não se está condenando, mas sim investigando se confirma o crime e se ele é ou não coberto pela imunidade parlamentar."
Para o especialista, a cobertura da imunidade parlamentar  no caso do deputado foi prejudicada pela entrevista concedida à Zero Hora posteriormente, quando deu a entender que o crime de estupro depende da outra pessoa.
"Ele não estava mais no debate político propriamente dito, ali me pareceu uma injúria à deputada e incitação ao crime, e é isso que a sociedade deve considerar inadmissível."
"A imunidade parlamentar não acoberta tudo de maneira total e irrestrita", lembra Maricato.
Outros casos 
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<li style="font-weight: 400;">Anthony Garotinho</li>
</ul>
Em 2014, a 1ª Turma do STF decidiu abrir ação penal contra o deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ) por crime de calúnia. A relatora do caso foi a ministra Rosa Weber. 
No caso, Garotinho teria acusado o delegado Cláudio Armando Ferraz, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, de arquivar um inquérito policial contra a Prefeitura de Rio das Ostras (RJ) por pressão de políticos do PMDB. 
O argumento pela imunidade parlamentar foi apontado pela defesa de Garotinho e o ministro Dias Toffoli concordou com os argumentos e divergiu da relatora.
No entanto, a relatora Rosa Weber e o ministro Marco Aurélio Mello entenderam que como as acusações feitas por Garotinho foram feitas em seu blog pessoal, não estavam protegidas pela imunidade parlamentar. 
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<li style="font-weight: 400;">Romário</li>
</ul>
Em abril de 2015, a 1ª Turma rejeitou, por unanimidade, a queixa-crime apresentada contra o senador Romário de Souza Faria (PSB-RJ) pelo crime de injúria.
Na época, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, dizia que o ex-jogador cometeu injúria ao chamá-lo de “corrupto” e “ladrão” em uma entrevista concedida à Rádio Globo em 2013, quando Romário era deputado federal.
Questionado sobre Marin, Ricardo Teixeira e a Jérôme Valcke, o entrevistado disse que eles eram “três corruptos e ladrões, três caras que não têm nenhuma ética em relação ao dinheiro, que por tudo que fizeram, fazem e continuarão fazendo, vão continuar impunes”.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, reconheceu que o mandato parlamentar não implica, por si só, imunidade. Mas, segundo ele, Romário ocupava na época o cargo de 2º vice-presidente da Comissão Permanente de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados e estava envolvido em debates relacionados ao assunto. Portanto, para o ministro, houve a pertinência do tema com o exercício parlamentar, “sendo irrelevante o fato de as declarações terem ocorrido fora do Congresso Nacional”.
Em outro caso, a 2ª Turma  por unanimidade, julgou improcedente acusação contra o deputado federal e ex-jogador de futebol Romário de Souza Faria apresentada no Inquérito (INQ) 3887. Em queixa-crime, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, presidente e vice-presidente, respectivamente, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), acusaram o parlamentar do crime de injúria (artigo 140, caput, do Código Penal – CP) por ter veiculado em página de rede social, em 9 de julho deste ano, mensagem que seria ofensiva à honra de ambos.
O ministro Teori Zavascki, relator do caso, afirmou em seu voto que a cláusula de inviolabilidade abrange o caso. “O fato de o querelado imputar condutas desonrosas a dirigentes esportivos de futebol  em perfil de rede social evoca a garantia constitucional da imunidade parlamentar em seu aspecto material, considerada a conexão com o exercício do mandato”, explicou.

Fachada Supremo Tribunal Federal

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JOTA

Corte reafirmou entendimento ao julgar manifestações dos deputados

Jandira e Bolsonaro testam limites de imunidade parlamentar no STF

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