Felipe Recondo

Foi como promessa de ano novo. No dia 31 de dezembro, Daniel Sarmento decidiu deixar o Ministério Público Federal depois de 19 anos como procurador regional para dedicar-se à advocacia. A partir de agora, dará expediente no escritório que leva seu nome – Daniel Sarmento Advogados – localizado no centro do Rio de Janeiro.
Mestre e doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Clínica de Direitos Humanos da UERJ, <a href="(https://www.jota.info/constituicao-e-sociedade-masmorras-medievais-e-o-supremo">Sarmento anunciou no JOTA</a> que saía da procuradoria depois de quase duas décadas de trabalho. E explicou algumas das razões:
“Durante quase vinte anos, fui membro do Ministério Público Federal, do que muito me orgulho. No MPF, pude atuar em questões instigantes, junto a colegas e servidores competentes e comprometidos com o interesse público”, afirmou. “Senti, porém, a necessidade íntima de buscar novos desafios e caminhos profissionais. No final de 2014, pedi exoneração do cargo de Procurador Regional da República, e a partir deste novo ano, ao lado da vida acadêmica, pretendo também exercer a advocacia privada e a consultoria na área de Direito Público.”
Nesta entrevista, Sarmento dá mais detalhes de sua decisão de afastar-se do MPF para dedicar-se à advocacia privada. E faz uma análise sobre a atuação do Ministério Público e de sua própria passagem pela instituição.
Por que decidiu deixar o Ministério Público? O que pesou mais na sua decisão? 
Foram diversas razões, mas a principal foi a vontade de atuar com mais liberdade nas grandes questões constitucionais do país. Na advocacia, acho que terei mais espaço para isso.
Como você analisa a instituição Ministério Público? O que ela tem de positivo e o que tem de negativo?
Fiquei no MPF por mais de 19 anos. Foi uma experiência profissional muito enriquecedora, pude trabalhar em áreas muito interessantes, em favor dos direitos humanos e do interesse público, com pessoas competentes e comprometidas. Acho o MPF uma grande instituição. É republicano, aberto à sociedade e, historicamente, tem posições de vanguarda na área dos direitos fundamentais.
Como toda instituição, tem também os seus problemas. Eu, por exemplo, não me adaptei à atuação em 2º grau, em que o membro do MPF funciona basicamente como custos legis. Na área da tutela coletiva, em que quase sempre atuei, acho o que se faz em 1ª instância, especialmente na seara extrajudicial, mais interessante e socialmente relevante.
Como será sua atuação na advocacia? 
Saí do MPF no dia 31 de dezembro de 2014, então é tudo novidade para mim. Pretendo dar pareceres e atuar em ações que envolvam Direito Público. Também tenho interesse em participar de arbitragens. Não quero quantidade, mas qualidade. E quero dedicar uma parte do meu tempo à atuação pro bono, em favor dos direitos fundamentais e de minorias vulneráveis. Acho que a minha atuação na advocacia tende a manter uma forte vinculação com a minha atividade acadêmica, de Professor de Direito Constitucional.
Com quem vai dividir escritório? Onde funcionará? Onde atuará (em que tribunais)? Em que áreas? 
Estou montando um escritório próprio – Daniel Sarmento Advogados. Está trabalhando comigo a Juliana Cesário Alvim, que também é professora de Direito Constitucional, uma jovem brilhante. Nosso escritório fica no Rio de Janeiro (Centro), mas tenho parceiros em outras cidades. Pretendo trabalhar perante vários tribunais, mas não nego que tenho grande interesse na atuação no Supremo. Só não poderei atuar perante o TRF da 2ª Região nos próximos 3 anos, em razão da quarentena imposta pela Constituição.
Como analisa a advocacia brasileira hoje? 
Acho que a advocacia desempenha um papel fundamental no sistema de justiça e na sociedade. O Brasil tem grandes advogados e acho que a OAB tem exercido um papel muito relevante na vida nacional, como se vê nas suas iniciativas em favor da reforma política. Mas, no Brasil, acho que a advocacia de interesse público ainda precisa se desenvolver mais. Como disse, pretendo dedicar uma parte do meu tempo a isso.
De que maneira interferiu na sua decisão a questão financeira? E a advocacia financeiramente é atrativa? 
Não nego que a questão financeira também pesou na minha decisão. Advogados bem sucedidos, depois de algum tempo, ganham bem mais do que os servidores públicos nas carreiras jurídicas, embora tenham que lidar com o risco e, em geral, não desfrutem de algumas vantagens, como aposentadoria integral e férias de dois meses.
Você teve participação indireta em alguns casos importantes julgados no Supremo Tribunal Federal. Poderia mencioná-los? 
Nunca atuei perante o STF, que, no MPF, é função privativa dos subprocuradores-gerais da república (eu era procurador regional, atuava em 2ª instância). Mas fiz representações que geraram ações muito importantes no campo da jurisdição constitucional, como a da união homoafetiva, financiamento de campanhas por empresas e contra o ensino religioso confessional nas escolas públicas. Produzi pareceres em outras causas relevantes no Supremo, como a ADI das terras quilombolas e a ação em que se discute a tentativa de transferência, para o Congresso, da decisão sobre demarcação de terras indígenas. Participei também da articulação de vários outros casos, a maioria na área de direitos humanos .
E vai continuar com essa atuação? 
Espero que sim. Sou o coordenador da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, que está atuando em algumas causas no STF, como a ação do financiamento de campanha e a discussão sobre a competência da Justiça Militar para julgamento de civis. Agora, poderei atuar como advogado nestas causas. E quero fazê-lo também em outras, como advogado ou parecerista. Acho que o STF se tornou um importantíssimo espaço de luta em favor dos direitos humanos e das causas democráticas e quero muito participar destas batalhas.
Qual a diferença fundamental (ideológica, quase) entre a atuação no MP e na advocacia? 
Não vejo uma diferença ideológica tão marcante, pelo menos em relação à atuação que eu exercia. Talvez ela seja mais nítida no campo penal ou da improbidade administrativa. No MP, nunca me identifiquei com a atuação punitiva. Não nego que seja muito importante para o país, desde que exercida com estrito respeito aos direitos humanos. Mas não era essa a minha “cara” no MP. No MPF, sempre fui bastante liberal e talvez até um pouco “outsider” por conta disso.
Recentemente, você escreveu um artigo sobre as masmorras em que se transformaram os presídios brasileiros. Está preparando um processo para mover no STF nos próximos meses? 
Considero o problema prisional a mais grave questão de direitos humanos no Brasil. As condições carcerárias são mais que degradantes e a população prisional está crescendo de maneira exponencial. Além da violação da dignidade dos presos, esta situação também aumenta a insegurança na sociedade. As prisões se tornaram escolas do crime, e o ambiente carcerário é o caldeirão do qual saem as piores facções criminosas. Coordeno um time na Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ que está trabalhando com isso sim, em parceria com algumas instituições e com o apoio de outros juristas.

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JOTA

Em entrevista, Daniel Sarmento conta por que deixa MPF para abrir escritório próprio

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