O deputado federal e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ajuizou uma ação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que o apresentador e jornalista Marcelo Tas se abstenha “de voltar a usar adjetivos como racista e homofóbico, ou similares” para qualificá-lo, sob pena de multa de R$ 10 mil a cada vez que fizer isso.
Além disso, pede uma condenação de R$20 mil em danos morais e o pagamento dos ônus de sucumbência de 20%, pelo teor de uma entrevista que Tas concedeu ao jornalista esportivo Rica Perrone.
Na entrevista, quando Tas contava que passou por uma fase de aceitação ao receber a notícia de que seu filho é trans, disse também que era importante discutir este assunto “porque tem muitos estúpidos aí, homofóbicos, alguns até tentando ser candidato a cargos importantes”.
Mais tarde, questionado sobre o teor do corte de uma entrevista de Bolsonaro ao CQC em 2011, Tas defendeu o trabalho de edição do programa.
Na ocasião, Bolsonaro disse que não corria o risco de ter um filho gay porque foi "um pai presente" e seus filhos tiveram “boa educação”. Afirmou também que não iria a um desfile gay se convidado porque não iria "promover os maus costumes, até porque acredito em Deus, tenho uma família, e a família tem que ser preservada a qualquer custo, senão a nação simplesmente ruirá".
Na mesma matéria, perguntado por Preta Gil, filha de Gilberto Gil, o que faria se um filho namorasse uma negra, o deputado respondeu: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja, eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados, e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”.
Bolsonaro foi condenado na última semana, em segunda instância, a pagar R$ 150 mil ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD) por danos morais coletivos gerados a partir desta entrevista ao CQC em 2011. Sobre a edição desta conversa com o deputado, Tas disse o seguinte a Rica Perrone:
“O Bolsonaro é um cara medroso, inseguro sobre o que ele pensa, e não assume. Quando você expõe ele, ele não assume que ele é racista, que ele é preconceituoso, entendeu?! Isso é um fato! Aí fica essa discussão. É que nem discutir o tríplex. O Bolsonaro, discutir edição é que nem o Lula ficar discutindo o tríplex, você entendeu? O Bolsonaro é racista, é preconceituoso, é homofóbico, e ele quer discutir uma edição”.
Vítima de preconceito?
Na inicial, a defesa de Bolsonaro alega que os trechos da entrevista “transcritos evidenciam o preconceito do réu, que tem a pretensão de saber o que os outros pensam, independentemente do que dizem”.
Bolsonaro diz que “é um paradoxo ter sido acusado de preconceituoso pelo réu, na mesma entrevista em que ele próprio (o réu) reconhece ser preconceituoso, e afirma ter sido preconceituoso com o próprio filho Luc, quando este lhe disse ser bissexual”.
O deputado também reclama da imprensa diversas vezes. “O preconceito de uma parte da sociedade é tamanho, em relação ao autor, que sequer se cogita a correta averiguação dos fatos”, diz. “Muitos jornalistas, entre eles o réu, editam entrevistas de tal forma, ao ponto de distorcer o que foi falado, por completo, e retiram a resposta do contexto em que foi proferida.”
Ao justificar o pedido de danos morais, Bolsonaro afirma ainda que sofreu “dor psicológica, da alma” ao ter sido chamado de racista, preconceituoso e homofóbico.
Cerceamento
Para cientistas políticos ouvidos pelo JOTA, faz parte do jogo democrático que qualquer pessoa que se sinta ofendida – inclusive um político presidenciável, como Bolsonaro – procure a Justiça para que o possível dano seja reparado. Mas, um pedido que imponha multa caso se fale algo no futuro é exagerado e, se aceito, caracterizaria censura prévia.
“Críticas tem de ser moderadas. Um jornalista, só por ser jornalista, não pode dizer qualquer coisa”, pondera Bolívar Lamounier. “Agora, a impressão que tenho é que o Bolsonaro não tem tanto apreço assim pela liberdade de expressão e pelo Estado Democrático de Direito”, critica.
"Este pedido para que o apresentador se abstenha de dizer algo no futuro não tem cabimento nenhum. Quem define se há uma infração e aplica uma condenação é o juiz, não o deputado”, diz.
Para o cientista político Rubens Figueiredo, embora seja contraditório Bolsonaro pedir uma indenização por danos morais pelas razões expostas, já que o deputado faz questão de ser polêmico e fazer declarações homofóbicas, é legítimo procurar a Justiça caso de fato ele se sinta ofendido.
Já o pedido para que Tas se abstenha de chamá-lo de racista e homofóbico é diferente. “Neste caso, haveria um cerceamento da liberdade de expressão”, afirma. “Quer dizer que se amanhã ou depois o Bolsonaro se comporta de uma maneira preconceituosa, você não vai poder dizer isso? É censura prévia”.
Procurado, Marcelo Tas preferiu não comentar o processo já que ainda não havia recebido qualquer notificação judicial.