Giovani Ravagnani

No <a href="https://jota.info/artigos/uber-do-direito-parte-i-10032017" target="_blank">texto anterior</a>, contamos um pouco do histórico do JBM Advogados, de suas atividades e do envolvimento da tecnologia em seu dia-dia de trabalho. Conforme exposto, para advogar no setor de litigância de massa, o JBM desenvolveu um software (Graco), que possibilitou que o JBM pudesse se organizar em um modelo de esteira de produção, no qual núcleos de profissionais são responsáveis pela elaboração de um tipo de peça, dentro de um só tipo de discussão de direito material. Os advogados audiencistas, por sua vez, ficam responsáveis apenas por realizar suas audiências. Aqueles que são designados para a obtenção de cópias reprográficas também nada devem fazer além disso.
De acordo com o sistema JBM, o profissional, ao executar suas tarefas, não precisa se preocupar com as fases e atos processuais que foram realizados anteriormente à sua participação, nem precisam se preocupar com o futuro do processo em que estão atuando. Sua atividade é de meio e suas responsabilidades se encerram quando o serviço é finalizado para fins do sistema.
O sistema Gracco também foi desenvolvido para abreviar a atividade humana na distribuição de tarefas e pendências. O próprio sistema organiza e distribui o trabalho entre os advogados do escritório, dos correspondentes, dos audiencistas, dos profissionais administrativos, do setor financeiro do escritório etc. Quando o profissional do JBM loga o seu computador no começo de dia, o próprio sistema indicará todo o trabalho que deverá ser executado naquele dia.
É importante esclarecer que todos as sedes do JBM, bem como todos os escritórios de advogados correspondentes também estão equipados com a plataforma Gracco e recebem todas as comunicações para realização de suas tarefas automaticamente pelo software. Isto é, quando o JBM recebe uma publicação para responder um despacho, o sistema Gracco faz sua leitura automática e redireciona a tarefa decorrente da publicação (como a obtenção de cópias, por exemplo) para o respectivo escritório correspondente.
O JBM também desenvolveu, de forma integrada à plataforma Gracco, um aplicativo de celular por meio do qual devem ser obtidas as cópias dos processos. Sacadas as fotos via aplicativo, as mesmas são automaticamente direcionadas para a base de dados do sistema Gracco, o qual, também de forma automática, irá processar tal informação, redirecionando a próxima etapa de trabalho (elaboração da respectiva petição) para o profissional que será responsável por executá-la, se não for o caso de o próprio sistema processá-la e elaborá-la mecanicamente.
O mesmo software, bem como a experiência de anos em contencioso de massa do escritório JBM – ainda também no período Demarest, fizeram com que o JBM se tornasse dono de uma gigantesca base de dados judiciais.
A utilização de técnicas de jurimetria e de sistemas tecnológicos possibilitou que o escritório em questão pudesse utilizar essa base de dados de forma racional, transformando-a em um verdadeiro mapa do Poder Judiciário brasileiro. Confiram-se as palavras de José Edgard Bueno: 
“Para clientes, por exemplo, um produto muito interessante é o que a gente chama de jurimetria. O JBM é um grande laboratório, com informações de processos tramitando no Brasil inteiro. O volume de informações que circulam no nosso sistema interno é brutal. São 15 mil audiências por mês, 160 mil diligências. Entram, por mês, uma média de 18 mil processos. Isso me dá uma base de dados incrível a respeito do sistema judiciário. A gente começou a ligar os pontos, descobrir que uma empresa teria mais problemas com um tipo de ação em um local específico. Conectando várias informações de fontes diferentes, formamos uma informação final para o cliente.”[1].
Ou seja, o software desenvolvido pelo JBM é mais uma grande arma a ser utilizada na atuação estratégica perante o Poder Judiciário, nos casos repetitivos.
Diante dessa nova realidade, o JBM fundou a Finch, empresa especializada em desenvolver plataformas digitais para controle de contencioso de massa, seja ele em escritórios de advocacia, seja dentro do jurídico interno das grandes empresas que litigam em nosso país[2]. A Finch foi criada porque os sócios do JBM, depois de um largo período advogando no contencioso de massa, perceberam que apenas advogados e sistema de gestão processual não seriam suficientes para prestar os serviços advocatícios necessários. De acordo com José Edgard Bueno, o que vai resolver o problema da advocacia de massa “é conhecer o negócio, a estrutura do mercado jurídico, o seu cliente e aplicar esse conhecimento ao seu sistema.”[3].
Por conta de tais circunstâncias, tendo em vista as necessidades de seus clientes, o JBM criou uma excelente ferramenta que no presente estudo denominaremos de JBM D+2: os sistemas inteligência artificial do escritório JBM conseguem identificar e informar o seu cliente que há um processo novo, contra ele ajuizado, em até dois dias após a distribuição da demanda.
Tal mecanismo faz com que seus clientes possam se preparar para a futura e eventual apresentação de contestação com 45 dias de antecedência da citação, possibilitando um maior período de tempo para que decisões estratégicas possam ser a vir tomadas[4], além de reduzir, de forma significante, o índice de revelia (aproximadamente 40%).
Descoberta a nova ação, também com auxílio da base de dados pertencente ao JBM, com boas técnicas de jurimetria, o grande litigante que contratar tal escritório poderá verificar se, na comarca em que for ajuizada a ação, existem boas chances de sucesso de sua defesa, buscando saber como será a decisão de determinado juiz a respeito de determinada matéria, com uma também determinada empresa. José Edgard também afirma até ser possível identificar variações de entendimentos judiciais entre uma ou outra empresa, indicando que os juízes também oscilam conforme a postura das empresas perante o Poder Judiciário[5].
A criação de tal produto possibilitou que, estrategicamente, alguns dos clientes de JBM Advogados pudessem saber se iam sagrar-se vencedores ou perdedores em uma determinada ação judicial, de modo que, uma vez reconhecida a futura derrota, o grande litigante pode entender ser o caso de não contestar a ação, mas apresentar petição (i) reconhecendo que havia errado e praticado os atos ilícitos indicados na petição inicial; e (ii) indicando proposta de acordo em valor inferior ao pedido exordialmente, em conjunto com laudo comprovando a exorbitância dos valores pedidos pelos autores – laudo o qual somente pode ter sido elaborado com fundamento na base de dados pertencente ao escritório JBM e à utilização de tais informações com técnicas de jurimetria. A esse respeito, confiram-se as palavras de José Edgard Bueno:
“Tem cliente nosso, do qual obviamente não vou citar o nome, que adotou uma política agressiva de acordos perante o Judiciário. Ele comprava esse produto nosso para saber a informação antes, para ter tempo de ver o que era caso de acordo e o que não era. Ele chegou a uma postura tão sofisticada que não contestava a ação. Ele chegava no Judiciário com a postura de falar: “Olha, eu errei, juiz. Mas não devo essa quantia toda que este senhor está pedindo, mas sim o que está aqui, conforme esse laudo. Em vez dos 10 pedidos, estou disposto a pagar 5.”[6].
O resultado de tal estratégia, de acordo com José Edgard Bueno, foi positivo para o grande litigante: (i) ao receberem tais propostas de acordos, os Juízes empreendem esforços para que a parte contrária faça o acordo; (ii) quando não era possível a composição amigável, os juízes tendem a condenar o grande litigante naquele valor que entendia correto, respaldado no laudo apresentado; (iii) foi diminuído o índice de condenação do grande litigante; e (iv) nos casos em que o cliente não reconhecia o pedido e não apresentava com essa postura agressiva de fazer acordo, o juiz começou a ler a argumentação da empresa, retirando-o da vala comum[7].
O sucesso da estratégia do grande litigante está diretamente atrelado ao manuseio positivo da informação, da base de dados de informações pertencentes ao JBM, com as técnicas de jurimetria, as quais foram utilizadas com a tecnologia da inteligência artificial. O número de condenações do grande litigante apenas começou a diminuir quando ele passou a saber dos processos com antecedência, via JBM D+2, e soube tratar essa informação de forma estratégica.
A existência de tal tecnologia tornou-se um diferencial na hora de o grande litigante escolher a banca advocatícia que irá representá-lo perante o Poder Judiciário. É importante destacar que a inteligência artificial acabou se tornando um grande atrativo e um grande diferencial para o JBM no mercado, diante dos serviços e dos produtos oferecidos pela sua concorrência. Quando uma empresa contrata o JBM, não contrata apenas seus serviços, mas também adquire o direito de se utilizar da base de dados do escritório, das ferramentas tecnológicas e dos serviços de automação da advocacia decorrentes da utilização do software Gracco. 
Por conta do alto grau de utilização da tecnologia em prol dos serviços advocatícios, aquele que mais ganha com o desenvolvimento de tais mecanismos/sistemas de automação da advocacia é o grande litigante, o qual consegue implementar estratégias efetivas de combate à litigância repetitiva.
A jurimetria e a análise de dados estatísticos podem ser utilizadas em favor de todos os atores do sistema judiciário, fortalecendo, por conta disso, as forças do litigante ocasional. A criação de uma base de dados única pode ser uma excelente saída prática para que isso ocorra. 
Nos próximos textos, abordarei novas ideias e sugestões sobre a interferência da tecnologia no campo do direito, seja no mundo dos sistemas adequados de resolução de conflitos, seja para a organização do Poder Judiciário.
&nbsp;
------------------------ 
[1] Vasconcelllos, Marcos de. Mercado de massas: É preciso rever regras regulatórias da advocacia. Acesso em 13.06.2016: http://www.conjur.com.br/2013-out-06/entrevista-jose-edgard-bueno-socio-fundador-jbm-advogados.
[2] “A Finch Soluções nasceu em 2013 de nosso potencial disruptivo de revolucionar os processos e atividades relacionadas ao controle contencioso de massa (volume de processos)  do maior escritório de advocacia do Brasil, a JBM Advogados, aumentando sua a produtividade e ganhos de eficiência. No início destacamo-nos pela implementação de robôs de captura de informação, automação e gestão de processos para negócios no mundo jurídico, criando cases de sucesso que abriram caminho para novos paradigmas de evolução. Consolidou-se em 2014 conquistando novos clientes e também por processo de aquisições de empresas de tecnologia de ponta.  A Finch expandiu exponencialmente seus horizontes de atuação, tornando-se capaz de atuar nos mais diversos setores da economia contando com uma gama de soluções que constitui uma plataforma de produtividade capaz de  incrementar resultados e inteligência de negócios nesses clientes.”. Acesso em 12.06.2016: http://www.finchsolucoes.com.br/finchsolucoes/pt/empresa/visualizar/codempresa/9/sobre-a-finch.html.
[3] “Tínhamos advogados e sistema, e achávamos que o sistema resolveria todos os problemas do advogado e que com ambos conseguiríamos fazer a prestação do serviço final. Isso funcionou durante um período, mas, no fundo, a gente começou a perceber que não é só isso. Não adianta nada ter um sistema de prateleira, nem mesmo desenvolver um próprio, como é o nosso caso. Ele, em si, não resolve. O que vai resolver é conhecer o negócio, a estrutura do mercado jurídico, o seu cliente e aplicar esse conhecimento ao seu sistema. Aí é onde você começa a desenvolver alguns aplicativos, é o que eu chamo da tecnologia. Identificamos que tínhamos essa tecnologia e notamos que ela tem um valor no mercado. Vimos que não era um serviço de advogado, não fazia sentido ficar dentro do escritório. Então criamos uma empresa específica para isso, a Finch Soluções, que faz essa gestão da minha tecnologia. No fundo é o que a literatura chama de BPO - Business Process Outsourcing.”. Vasconcelllos, Marcos de. Mercado de massas: É preciso rever regras regulatórias da advocacia. Acesso em 13.06.2016: http://www.conjur.com.br/2013-out-06/entrevista-jose-edgard-bueno-socio-fundador-jbm-advogados.
[4] “Criamos um negócio e alguns produtos em cima disso. Um deles é informar ao cliente que há um processo contra ele em D+2, ou seja, dois dias depois de entrarem com a ação, muito antes de ele ser citado. Isso tem um valor para ele que é incomensurável, porque ele vai ser citado, em média, só cinquenta e poucos dias depois. Então, ele tem quase dois meses de informação antecipada para tomar uma série de atitudes.”.
[5] “É um tipo de informação de serviço que damos ao cliente com base nesses dados todos que temos na nossa base, podendo desenhar tendências. Hoje eu tenho condições de verificar na comarca “x” ou na comarca “y” qual vai ser a decisão do juiz em determinada matéria, daquele juiz, daquela comarca especifica, com aquela empresa ou com aquele tipo de problema. Conseguimos até identificar diferenciações entre empresas. Porque o juiz também reage conforme a postura que a empresa adota perante o Judiciário.”.
[6] Vasconcelllos, Marcos de. Mercado de massas: É preciso rever regras regulatórias da advocacia. Acesso em 13.06.2016: http://www.conjur.com.br/2013-out-06/entrevista-jose-edgard-bueno-socio-fundador-jbm-advogados.
[7] “A reação natural do juiz em uma situação como essa é forçar, obviamente, a parte contrária a fazer um acordo. Quando não há acordo, o juiz começou a condenar a empresa naquele valor que ela reconhecia como correto, e não no valor pedido. Diminuiu, então, brutalmente o índice de condenação daquele cliente. O subproduto disso foi que, naqueles casos em que o cliente não reconhecia o pedido, não chegava com essa postura agressiva de fazer acordo, o juiz começou a ler a argumentação da empresa. Não entrou mais no automático. Porque a gente sabe como é que funciona. O Judiciário, quando tem milhares de ações, vai mais ou menos automático. É muito difícil parar para ler, até pelo volume. Em um segundo momento, passou a diminuir o número de condenações. Isso começou lá atrás, quando ele passou a saber dos processos com antecedência e soube tratar essa informação.”.

People light

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O segundo artigo da série sobre tecnologia na advocacia

Uber do Direito: Parte II

O segundo artigo da série sobre tecnologia na advocacia