Alyne Thacila Garcia Leão

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar três ações diretas de inconstitucionalidade<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, que contestam o tabelamento do frete, na segunda quinzena de fevereiro.
O objeto da discussão é a política de preços mínimos do transporte rodoviário de cargas, instituída pela Lei 13.703/2018 e regulamentada por inúmeras resoluções da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Será interessante acompanhar como o guardião da Constituição responderá, neste caso, o desafio de preservar o acoplamento estrutural<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> dos sistemas político e jurídico no Estado Brasileiro.
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O relator das ações, ministro Luiz Fux, chegou a reconhecer o perigo de dano que o tabelamento representa à economia brasileira, liminarmente, em dezembro de 2018. Mas reconsiderou a própria decisão, que suspendeu a aplicação de multas nos casos de descumprimento da tabela de frete, a pedido da Advocacia Geral da União (AGU). O recuo foi justificado pela necessidade apresentada pelo Poder Executivo de continuar em negociação com lideranças desconexas de diversos movimentos de caminhoneiros espalhados por todo país.
Pode-se dizer que o STF agiu acertadamente ao frear sua jurisdição ao conceder à Política tempo e espaço para construção de caminhos, racionais e legítimos, com capacidade de ocupar o lugar de uma intervenção feita por um governo refém de um setor específico da sociedade.
Passado um ano e meio da decisão reconsiderada, vê-se debeladas as inflamadas ameaças de paralisações e fechamento de rodovias. No momento, é conveniente que o Supremo diga o Direito sob pena de negligência ao acesso à Justiça. Todos os processos nas instâncias inferiores estão suspensos até que se defina a questão no Supremo. Além disso, direitos fundamentais como a livre iniciativa estão restringidos aparentemente de maneira desproporcional e a cada dia os riscos de os danos não alcançarem reparação exequível aumentam.
O ponto fulcral da querela jurídica está claro. O colegiado tem por objeto de análise uma lei álibi<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, de caráter político-simbólico que se sobrepõe à normatividade-jurídica. O tabelamento do frete foi criado para acalmar os ânimos de grupos de caminhoneiros em meio a caótica paralisação do setor de transportes, ocorrida entre maio e junho de 2018.
Durante 11 dias, rodovias de Norte a Sul do país foram bloqueadas, o que causou uma crise de abastecimento sem precedentes, com prejuízo calculado em R$ 16 bilhões à economia brasileira. A elaboração açodada da Medida Provisória 832/2018, convertida na Lei 13.703/2018, serviu para “apaziguar” lideranças do setor de transporte. Contudo, sem nenhuma análise de impacto socioeconômico, a política pública foi descrita em uma norma fadada à ineficácia.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) alertou sobre o risco de cartelização do setor. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) chegou à conclusão que o Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzido no ano de 2018, em 0,11%, que corresponde a R$ 7,2 bilhões, devido à medida interventiva.
Por consequência, percebeu-se o impacto negativo na recuperação do mercado de trabalho, quando 203 mil postos de trabalho deixaram de ser criados no período. Entretanto, o mais alarmante foi a redução de aproximadamente 20% nos rendimentos da categoria mais fragilizada neste contexto, os caminhoneiros autônomos, segundo estudo da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) pós-tabelamento.
<blockquote class="jota-article__eye">Essa situação de fragilidade ainda tem tendência a se agravar com a verticalização do mercado de transporte e a diminuição pelo serviço dos caminhoneiros autônomos.</blockquote>
O caso do tabelamento do frete demonstra que toda norma carrega em si duas naturezas: a político-simbólica e a normativo-jurídica. Quando o simbolismo se sobrepõe à normatividade, compromete-se a força da regra ou do princípio de gerar efeitos que possam impor condutas e mudar a realidade social.
Neste caso, a legislação simbólica não passa de uma promessa vazia do legislador. O tabelamento do frete, no momento em que foi instituído, significou um aceno de valorização a uma categoria que não se via representada. Porém, tem-se mostrado uma decisão política ilegítima e nada racional face a sua ineficácia comprovada e que não a justifica diante dos prejuízos acarretados à grande parcela da sociedade.
O papel de guardião do STF começa por reconhecer a ilegitimidade, assim como a irracionalidade da decisão tomada conjuntamente pelos Poderes Executivo e Legislativo ao instituir o tabelamento do frete no Brasil. A outra parte da tarefa é a declaração de inconstitucionalidade da norma à luz do Direito, sem grandes obstáculos hermenêuticos na aplicação do postulado da proporcionalidade.
Por fim, o maior desafio será esclarecer para setores com grande poder de fato que é inadmissível uma afronta a Constituição Federal por uma lei álibi cuja restrição a direitos fundamentais não tem nem legitimidade nem racionalidade. E, como verdadeiro guardião, impedir que, no enfrentamento da Política e do Direito, a Constituição seja tratada como uma mera folha de papel.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> As referidas ações são: ADI 5956, ADI 5964 e ADI 5959.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Acoplamento estrutural se refere a um conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão, Niklas Lumann, no contexto de sua Teoria dos Sistemas. Significa a relação entre sistemas fechados em sua própria estrutura. É o que se verifica, por exemplo, no caso dos impostos (acoplamentos entre política e economia); da constituição (direito e política); e dos contratos (direito e economia).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Lei álibi é uma espécie de legislação simbólica, conceito desenvolvido pelo jus filósofo, Marcelo Neves, dentro do fenômeno da constitucionalização simbólica.

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Quando o simbolismo se sobrepõe à normatividade, compromete-se a capacidade de uma lei para mudar a realidade

Tabelamento do frete: onde a política e o direito se enfrentam

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