Marcos Neder

A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) decidiu recentemente que o direito de restituição do sujeito passivo não exige a comprovação à Secretaria da Receita Federal que assumiu o ônus financeiro do Imposto de Importação para ter direito à restituição do imposto pago indevidamente ou em valor maior que o devido. A ementa dispõe o seguinte:
IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ART. 166 DO CTN. INAPLICABILIDADE. O Imposto de Importação não se constitui tributo que, por sua natureza, comporta transferência do respectivo encargo financeiro. O sujeito passivo do Imposto de Importação não necessita comprovar à Secretaria da Receita Federal que não repassou seu encargo financeiro a terceira pessoa para ter direito à restituição do imposto pago indevidamente ou em valor maior que o devido.  (CSRF. <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/06/Decisao_103140017909929.pdf">AC 9303-003.168</a>. Sessão de 25 de novembro 2014).
Apesar de a decisão tratar somente do Imposto de Importação, esse é um importante precedente sobre a possibilidade de restituição/compensação dos tributos não cumulativos.
Com efeito, é comum que o contribuinte apure créditos relativos a tributo administrado pela Receita Federal, decorrente de pagamento indevido ou maior que o devido, mas se defronte com decisões denegatórias do seu pedido de restituição com base em equivocadas interpretações do art. 166 do Código Tributário Nacional (CTN). As autoridades fiscais indeferem os pedidos por entenderem necessária a prova de o requerente ter assumido o encargo do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo.
Sob o ponto de vista econômico, é esperado que os produtos e serviços levem em conta todos os custos e encargos incorridos na formação do seu preço, inclusive os relativos à tributação.
Ocorre que essa transferência de encargos financeiros aos compradores nem sempre ocorre, pois depende das condições de competição no mercado no momento da venda. Por isso, o legislador restringiu a aplicação do art. 166 aos casos em que o imposto já vem indicado no documento fiscal.
Esse é o caso do IPI e do ICMS, em que o legislador optou em assegurar a não-cumulatividade na cadeia produtiva pela técnica de "imposto contra imposto", em que o crédito é apurado a partir do imposto pago na operação antecedente. Neste caso, é somente o adquirente que terá legitimidade para requerer do Estado que devolva o tributo indevido ou para autorizar que o vendedor o faça.
Ou seja, ao invés de utilizar apenas um raciocínio econômico para a aplicação do artigo 166 do CTN, parece mais acertado verificar se houve a transferência jurídica (i.e. prestigiada por lei) do montante do tributo. Oportuno citar nesse sentido as lições de Hugo de Brito Machado [1]:
[.. .]tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles tributos em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166 do Código Tributário Nacional, pois a natureza a que se reporta tal dispositivo legal só pode ser a natureza jurídica, que é determinada pela lei correspondente, e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, tal transferência.
Em tributos como PIS e a COFINS, por exemplo, a sistemática adotada para eliminar o efeito indesejável da cumulatividade de tributos é a comparação "base contra base", em que se apura o tributo sobre o valor agregado a partir da aplicação da mesma alíquota sobre a base de cálculo das contribuições na venda e a base de cálculo na aquisição do insumo. Nessa metodologia de cálculo, pouco importa para fins de apuração do crédito fiscal o montante de tributo efetivamente pago na etapa anterior.
Nesse caso, há clara independência do direito ao crédito do adquirente em relação à tributação sofrida por quem lhe vende. Note que o fato gerador do PIS e da Cofins é o total das receitas genericamente consideradas, sendo que receita é fenômeno próprio e individual, sem interferência das outras etapas ou do restante da cadeia produtiva.
Portanto, conclui-se que, para tributos em que não há a indicação do tributo na nota fiscal, o ônus financeiro não é transferido juridicamente ao adquirente, Não há qualquer vínculo com fatos anteriores ou posteriores, já que não se incorporam explicitamente aos preços, não haveria como se exigir a aplicação do artigo 166 do CTN nos casos restituição de tributos pagos indevidamente ou em valor maior que o devido.
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[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 155.
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*Marcos Neder é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe. É Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), formado em Engenharia, Economia e Direito. Pós Graduado em Sistema e Administração Tributária Comparada pela Harvard University (Kennedy School of Government, Cambridge, EUA), Tributação pela Japan International Corporation Agency (JICA) – Tókio/Japão e Auditoria de Fraudes Financeiras Internacionais pelo Internal Revenue Service (IRS) – Geórgia/EUA. Atuou durante 25 anos na administração tributária. Até dezembro de 2010, foi Subsecretário da Receita Federal do Brasil. É professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).
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A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) decidiu recentemente que o direito de restituição do sujeito passivo não exige a comprovação à Secretaria da Receita Federal que assumiu o ônus financeiro do Imposto de Importação para ter direito à restituição do imposto pago indevidamente ou em valor maior que o devido.

Restituição de tributos indiretos e a prova da transferência do encargo financeiro