Maurilio Guignoni Dutra

Marcelo Machado Nascimento

Romero Paes Barreto de Albuquerque

No contexto econômico atual, um dos grandes desafios para nações emergentes é a sustentação de ganhos elevados de produtividade que ajudem a materializar o crescimento da riqueza de suas sociedades. É condição sine qua non, no entanto, que um alto nível de investimento esteja presente, especialmente em setores com amplo impacto sobre a produtividade agregada, como é o caso da infraestrutura.
E para garantir as condições econômico-institucionais adequadas à chegada e manutenção desses investimentos no país é necessário que uma série de desafios sejam superados, a partir de uma perspectiva estratégica/planejada.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A primeira questão importante que se coloca, portanto, é como viabilizar esse elevado nível de investimento requerido. De forma simplificada, podemos dividir as economias emergentes em três grandes grupos quando a temática é o investimento em infraestrutura.
O primeiro contempla países com elevados investimentos em infraestrutura, boa parte com recursos de origem pública e que possuem condição fiscal compatível com essa forma de financiamento dos investimentos. Esses países geralmente apresentam crescimento econômico acelerado e elevado ganhos de produtividade (podemos citar como exemplos, China e Índia).
Um segundo conjunto de países forma o grupo que possui uma ampla carteira de projetos viáveis e rentáveis, com mercados internos amplos e boas oportunidades de investimento, porém, apresentam condições mais restritivas para o financiamento via setor público, quer por limitação fiscal, excesso de gastos correntes na composição das despesas ou regras que imponham maior rigidez ao financiamento monetário ou para-fiscal (é o caso de diversos países da América Latina, dentre os quais o Brasil).
Por fim, há o grupo de países que não possuem condições de governança e estrutura que propiciem um conjunto amplo de projetos para investimentos e, sequer, esbarram em questões de financiamento ou orçamentária (geralmente, países pequenos e com baixo ou baixíssimo grau de desenvolvimento).
Para os países do segundo grupo, dentre os quais se inclui o Brasil, um grande desafio passa a ser a criação de condições para um maior envolvimento do setor privado como investidor ou financiador de projetos.
<blockquote class="jota-article__eye">É nesse ponto que as características econômico-institucionais como boa governança, serviços públicos eficientes e segurança jurídica podem fazer uma diferença relevante quanto ao potencial de atração de investimentos.</blockquote>
Ao longo das últimas décadas, economistas e outros especialistas se dedicaram a mapear como as instituições afetam o crescimento econômico e tornam-se barreiras ou fontes de incentivo para a prosperidade.
Para alguns, como Douglas North e outros institucionalistas, por exemplo, a herança institucional de algumas colônias foi uma das principais chaves para o seu desenvolvimento ou estagnação. Exemplos de prosperidade de ex-colônias inglesas, como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, e a falta de exemplos de ex-colônias portuguesas ou espanholas como países desenvolvidos, ajudariam a sustentar esse entendimento.
Em outras linhas de trabalhos, economistas como Schleifer, Vichny, Silanes e La Porta lançaram luzes sobre o papel de instituições e, especialmente, do arcabouço legal sobre o desenvolvimento do mercado de capitais a partir da proteção do direito de minoritários e melhor distribuição de poderes e redução de assimetrias entre os participantes do mercado.
Em linha similar, grupos de economistas do Banco Mundial, com destaque para o professor Ross Levine, de Berkeley, realizaram importantes estudos para identificar como questões institucionais implicariam as condições de financiamento de investimentos e do crescimento econômico.
Essas linhas de trabalho ajudaram a identificar como as instituições afetam condições de financiamento de projetos via mercados ou bancos. Em um exemplo clássico, as análises ilustram como países com uma base legal fundamentada no Common Law britânico possuem, via de regra, modelos de financiamentos de empresas e investimentos que são mais orientados pela emissão de títulos diretamente a mercado, enquanto os demais países, ainda que em mesmo grau de desenvolvimento econômico, fundamentam o financiamento de projetos com maior base no sistema bancário – público ou privado.
Com base em dados de 2012 a 2017, alguns desses trabalhos sugerem que países com regimes do tipo Common Law possuíam valor de empresas em negociação em bolsa que representavam, em média, 119% do seu PIB, enquanto que em nações constituídas com bases em outros regimes legais, esse indicador ficou limitado a 48%.
De forma mais recente, trabalhos com difusão mais popular, com a temática das instituições ganharam atenção do público não especializado. O destaque clássico e atual são dois livros dos professores Daron Acemoglu do MIT e Simon Robinson de Harvard, “Porque as Nações Falham?” e “O Corredor Estreito”, que atribuem ao desenho de instituições um papel fundamental para dividir nações que prosperam de nações que “falham” na busca da prosperidade.
Trazendo a luz da nossa realidade, é importante contextualizar o posicionamento institucional do Brasil para compreender nossas vantagens e dificuldades para incentivar investimentos e dar suporte ao crescimento de uma economia de mercado que seja ao mesmo tempo dinâmica e inclusiva.
Segundo os diagnósticos oficiais, o Brasil é, no momento, um país com condições fiscais estressadas o que fez com que os investimentos privados tivessem ganhado importância relativa em projetos de infraestrutura ao longo das últimas décadas, posicionando o país como um dos países com maior participação dos recursos privados nesse tipo de investimento na América Latina, segundo estudos da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB).
Para ilustrar as forças e fraquezas institucionais relacionadas a temas que afetam o investimento, especialmente os de longo prazo, como em infraestrutura, recorreu-se ao exercício preliminar de selecionar alguns indicadores com dados disponíveis de levantamentos sobre qualidade institucional de países, realizados por 3 diferentes instituições: Fraser Institution, Banco Mundial e World Justice Project.
Os indicadores selecionados mensuram a qualidade institucional de um país em cinco dimensões que julgamos importantes para a tomada de decisões de investimentos de longo prazo: Eficiência Processual, Eficiência Regulatória, Incerteza Legal, Independência Jurídica/Administrativa e Proteção da Propriedade.
É importante notar que três dos indicadores (Incerteza Legal, Independência Jurídica/Administrativa e Proteção de Propriedade) estão fortemente associados ao tema da segurança jurídica que tem permeado o debate público sobre o ambiente para negócios e investimentos no país.
Quando comparado a outros mercados emergentes, sobretudo aos países do grupo chamado Brics, com os quais disputamos a atração de investimentos estrangeiros, os resultados do Brasil foram destaque positivo na dimensão Segurança da Propriedade Privada.
Nos indicadores de Incerteza Legal, que quantifica a percepção de conflitos legais e perenidade das regras, ou o indicador de Independência Jurídica, os resultados do Brasil ficam muito próximos à média dos mercados emergentes ou de países classificados como renda média (baixa ou altas), segundo o Banco Mundial.
De acordo com esses indicadores, a grande deficiência do país aparece no quesito de Eficiência Processual. Esse indicador mensura custos e razoabilidade nos processos judiciais ou administrativos.
Questões associadas a tempo médio de resolução de conflitos judicias/administrativos e custos de litígios colocam o Brasil, nesse quesito, abaixo da média, até mesmo do grupo de países de renda média-baixa (sendo que o país é classificado pelo Banco mundial como de renda média-alta).
Comparado aos demais países do Brics, dentre os quais o Brasil se colocava como relativamente bem posicionado no indicador de Segurança dos Direitos de Propriedade, o destaque é negativo como o pior resultado do grupo.
Para o indicador de Eficiência Regulatória, o país também não figura bem entre seus pares. O Brasil se situa muito abaixo da nota média do grupo dos Brics e abaixo do grupo de países de renda média-alta.
O impacto negativo desses dois indicadores é bastante perceptível para a sociedade quando há eventos de potencial dúvida e/ou disputa entre as partes da relação contratual sobre qual a regra a ser aplicada.
A complexidade/lentidão processual, a baixa qualidade técnica de algumas decisões e/ou a indefinição sobre a quem cabe a “palavra final” em determinado tema-conflito são fatores que costumam se traduzir para a sociedade em serviços prestados com menor qualidade ou com incremento de tarifação (para compensar esses desarranjos estruturais-institucionais).
É importante ressaltar que os indicadores refletem uma figura do país no passado (valores observados entre 2017 e 2019) e, portanto, não consideram eventuais mudança de percepção dos agentes econômicos em relação a aperfeiçoamentos legais-regulatórios mais recentes, tais como a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), a Lei da Segurança Jurídica e Eficiência na Criação e na Aplicação do Direito Público (Lei 13.655/2018), o Novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020) e a Lei das Agências Reguladoras (Lei 13.848/2019).
Um importante insumo para o desenho de reformas ou de políticas que pode ser extraído dos resultados acima mencionados remete à avaliação de quais deveriam ser as prioridades em termos de reformas que envolvam processos de concessão ou tangenciem o investimento privado em infraestrutura.
Enquanto o país possui condições de garantia de propriedade bastante razoáveis, por exemplo, os processos administrativos e judiciais ainda são avaliados por agentes econômicos como defectivos, lentos, injustos e/ou custosos.
E, a partir desse diagnóstico preliminar, talvez seja possível iniciar a construção de um plano ou estratégia nacional que vise à obtenção gradual de melhores resultados em termos de condições institucionais que suportem os investimentos, ajustando regras procedimentais, revendo governanças institucionais em temas/projetos de alto interesse/impacto socioeconômico e criando mecanismos que tragam mais eficiência, celeridade, clareza e previsibilidade ao sistema econômico-jurídico do país.
Recentemente, o documento intitulado Estratégia Federal de Desenvolvimento Econômico e Social (EFD), aprovado pelo Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020, buscou abordar alguns dos aspectos tratados neste artigo, em associação mais próxima com dois dos cinco eixos que compõe a referida estratégia (“Eixo Institucional” e “Eixo Infraestrutura”).
Fomentar inciativas estruturantes e com visão de médio-longo prazo como essa é fundamental para que o país possa superar adequadamente os desafios associados à sua qualidade institucional e ser capaz de mobilizar o volume de investimentos necessário para retomada consistente da agenda de infraestrutura nacional.
O artigo não reflete necessariamente a opinião do BNDES.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE

infraestrutura

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JOTA

Fomentar iniciativas estruturantes e com visão de médio-longo prazo é fundamental para que país supere desafios atuais

Qualidade institucional, segurança jurídica e os investimentos em infraestrutura

Fomentar iniciativas estruturantes e com visão de médio-longo prazo é fundamental para que país supere desafios atuais