Michell Przepiorka

Eduardo de Paiva Gomes

Daniel de Paiva Gomes

O ano de 2023 começou cheio de turbulências na esfera tributária, a exemplificar, as discussões atinentes ao aumento e à <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/decreto-sobre-pis-cofins-pode-ser-questionado-na-justica-por-nao-prever-noventena-04012023">redução das alíquotas de PIS e de</a> 
Cofins sobre receitas financeiras<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o julgamento dos temas 881 e 885 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) interpretando o alcance da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada">coisa julgada</a><a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, pretensões relacionadas à reforma tributária<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, e, por fim, a apresentação das medidas de recuperação fiscal<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, dentre as quais se incluem propostas de alteração no processo administrativo fiscal.
Nesse contexto, destaca-se a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1160.htm">MP 1160/2023</a>, a qual, além de reestabelecer o controvertido voto de qualidade<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, também introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a categoria do contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade, cuja conteúdo se refere aos processos administrativos fiscais de valores superiores a 60<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> e inferiores a 1000 salários-mínimos<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
A fim de regulamentar o referido dispositivo, a Portaria MF 20/2023<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> prescreveu modelo de contencioso diverso para processos de pequeno valor e baixa complexidade, atribuindo competência à DRJ para apreciar a impugnação ou a manifestação de inconformidade em primeira instância, por decisão monocrática, e em segunda instância, por decisão colegiada.
Independentemente das questões teóricas que, em tese, poderiam resultar no reconhecimento da ilegitimidade da sistemática instituída pela aludida Portaria, a exemplo da possível e controvertida violação ao duplo grau de jurisdição, no presente artigo pretendemos destacar alguns problemas verificáveis na perspectiva pragmática. O primeiro deles diz respeito ao critério de discriminem: somente o valor do crédito tributário é suficiente para qualificar o contencioso administrativo como de maior ou menor complexidade?
O equivocado critério do valor do crédito nos parece evidente no seguinte exemplo: um processo em que se discuta dedutibilidade de JCP retroativo será mais ou menos complexo porque valorado em 999 SM ou em 1.001 SM?
De acordo com a exposição de motivos da MP 1160/2023, ao atribuir menor complexidade aos processos de até 1.000 SM, adotou-se, como parâmetro, o valor estipulado no inciso I do § 3º do art. 496 da Lei 13.105/2015 (CPC), que dispõe sobre o limite de alçada da remessa necessária, no caso de sentença proferida contra a União ou que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.
Contudo, tal critério não é adequado, pois se trata de limite de alçada para aplicação de instituto (remessa necessária) que condiciona o trânsito em julgado da demanda, cuja figura equivalente, no contexto do contencioso administrativo, seria o recurso de ofício ao Carf, nos termos do art. 34 do Decreto 70.235/72<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Além disso, a ausência da remessa necessária, via de regra, não inviabiliza que a Procuradoria responsável apresente o recurso competente caso entenda ser o caso.
Em verdade, parece-nos que o limite de alçada adotado pelo Código de Processo Civil tem como objetivo materializar ferramental de gestão de riscos pautada na materialidade (sob a perspectiva contábil) dos processos em função do valor condenação, transmitindo a “mensagem” de que valores inferiores a 1.000 SM não justificam, economicamente, a atuação da União para reverter a condenação em tal patamar. Portanto, parece-nos que não se trata de limite de alçada instituído como critério para análise de complexidade da demanda, mas, apenas, valor econômico para atuação eficiente da Administração Pública.
Se a intenção é instituir um contencioso administrativo supostamente “simplificado” e “descomplicado” em função da complexidade da controvérsia, pensamos que muito mais adequado seria o critério de atribuição de competência aos juizados especiais federais<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, cuja natureza é justamente julgar processos de menor complexidade. E, de acordo com a legislação (Lei 10.259/2001), a aferição da menor complexidade de uma demanda está relacionada aos seguintes critérios: (i) o valor da causa (neste ponto, coincidentemente, os 60 SM já haviam sido adotados anteriormente quando da instalação das turmas extraordinárias de julgamento pela Portaria MF 329/2017 – e mesmo nesse caso com acesso ao Carf); e (ii) as partes envolvidas na demanda (pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar 123/2006).
Outra dificuldade pragmática diz respeito à verificação do critério objetivo (1.000 SM), que, em verdade, pode não ser de tão fácil realização, pois abre margem a uma série de questionamentos. Primeiro, qual o valor do salário-mínimo a ser considerado: o do momento da lavratura do auto de infração; do momento da impugnação; do momento da apresentação do recurso voluntário ou de seu efetivo julgamento?
A seguirmos o entendimento da Súmula Carf 103<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>, seria o do momento de apreciação do Recurso Voluntário, o que poderia gerar questionamentos, principalmente nos casos limítrofes, quanto a necessidade de decisão colegiada em primeira instância pela DRJ.
Com efeito, imaginemos um caso que foi julgado em abril de 2023 quando o salário-mínimo é de R$ 1.302 e outro de igual teor e valor julgado em maio de 2023, quando se espera que ele alcance o valor de R$ 1.320. Esta diferença de R$ 18 no SM pode alterar substancialmente o espectro de casos que vão ser julgados pela DRJ ou pelo Carf (já que, sob a perspectiva de 1.000 SM, representam R$ 18 mil), tão somente em razão da formação da pauta. Estas particularidades têm o potencial de aumentar o grau de litigância principalmente para que se discuta a formação da pauta ou qual o critério a ser aplicado: o valor do salário-mínimo de abril ou de maio?
Outro questionamento diz respeito à existência de processos vinculados, cujo processamento esteja ocorrendo em momentos distintos. Embora o inciso II do parágrafo único artigo 3º da Portaria MF 20/2023 determine que “serão consolidadas as parcelas referentes aos processos apensados, em conformidade com o disposto em ato do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda”, nada se diz sobre processos que se encontram em momento distintos.
Basta pensar no caso de indeferimento de pedidos de compensação, em que a multa isolada somente é lavrada anos depois. Como se dará o processamento nesses casos? A multa será processada e julgada pela DRJ enquanto o principal no Carf?
O aumento da complexidade do processo administrativo é o combustível perfeito para o aumento da macrolitigância fiscal, caminhando a medida sob análise em sentido contrário à política de melhoria do relacionamento entre fisco e contribuinte, bem como na contramão da própria motivação de redução do litígio fiscal indicada na exposição de motivos da medida provisória, o que nos leva ao seguinte questionamento: é este o caminho que queremos seguir?
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide SHINOHARA, Gabriel. Decreto sobre PIS/Cofins pode ser questionado na Justiça por não prever noventena. Jota, 04/01/2023. Disponível em <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/decreto-sobre-pis-cofins-pode-ser-questionado-na-justica-por-nao-prever-noventena-04012023">https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/decreto-sobre-pis-cofins-pode-ser-questionado-na-justica-por-nao-prever-noventena-04012023</a>. Último acesso 25/02/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MENGARDO, Bárbara. Coisa julgada: com maioria formada, contribuintes pleiteiam modulação no STF. Jota, 08/02/2023. Disponível em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/coisa-julgada-com-maioria-formada-contribuintes-pleiteiam-modulacao-no-stf-08022023">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-barbara-mengardo/coisa-julgada-com-maioria-formada-contribuintes-pleiteiam-modulacao-no-stf-08022023</a>. Último acesso 25/02/2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BAIÃO, Bárbara; AMORIM, Felipe; SOUZA, Nivaldo. Quem são os deputados do grupo de trabalho da Reforma tributária na Câmara. Jota, 16/02/2023. Disponível em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/quem-sao-os-deputados-do-grupo-de-trabalho-da-reforma-tributaria-na-camara-16022023">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/quem-sao-os-deputados-do-grupo-de-trabalho-da-reforma-tributaria-na-camara-16022023</a>. Último acesso 25/02/2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Vide <a href="https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/medidas-fiscais">https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/medidas-fiscais</a>.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Nesse sentido, importante mencionar os esforços dos contribuintes concentrados em evitar o retorno do voto de qualidade ou, ao menos, atenuar seus efeitos com a facilitação de pagamento ou de ingresso no poder judiciário, como atesta a proposta de acordo apresentada nos autos da ADI n. 7.347. Vide: <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=765557611&amp;prcID=6572581">49 - Manifestação (12933/2023) - Manifestação</a>.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> De acordo com a Lei nº 13.988/2020, o contencioso administrativo que não supere 60 salários-mínimos é qualificado como “contencioso administrativo fiscal de pequeno valor”.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Para aprofundamento veja as interessantes discussões em <a href="https://www.youtube.com/watch?v=lxLfT1H_h_s">https://www.youtube.com/watch?v=lxLfT1H_h_s</a>. Último acesso 25/02/2023.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Disponível em <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mf-n-20-de-17-de-fevereiro-de-2023-465414650">PORTARIA MF Nº 20, de 17 de fevereiro de 2023 - PORTARIA MF Nº 20, de 17 de fevereiro de 2023 - DOU - Imprensa Nacional (in.gov.br)</a>.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Vide <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=128455#2408434">Portaria MF n. 2/2023</a>.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Para fins de conhecimento de recurso de ofício, aplica-se o limite de alçada vigente na data de sua apreciação em segunda instância.

Carf

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JOTA

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