Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP

A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ/SP) deflagrou no fim de 2020 a <a href="https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/Secretaria-da-Fazenda-deflagra-opera%C3%A7%C3%A3o-para-combater-irregularidades-em-locadoras-de-ve%C3%ADculos.aspx">operação “Nomas”</a>, objetivando cobrar o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de locadoras de veículos. Identificou-se cerca de 5.600 automóveis de propriedade de locadoras que, apesar de serem disponibilizados neste Estado, foram licenciados em outras Unidades da Federação. De acordo com dados oficiais, o débito de <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/ipva-entenda-como-e-cobrado-e-calculado-13052021">IPVA</a> somente do exercício de 2019 seria de aproximadamente R$ 11 milhões.
A SEFAZ/SP ainda informou que as locadoras seriam notificadas da aplicação da alíquota de 4% do IPVA, em vista da revogação, pela  Lei nº 17.293/2020, do § 1º do art. 9º da Lei nº 13.296/2008, que reduzia em 50% a alíquota para os veículos das locadoras registrados no Estado de São Paulo.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
O assunto ganhou especial relevância com as discussões travadas no Supremo Tribunal Federal (STF) através do julgamento da ADI 4.612/SC, do RE 1.026.605/MG (Tema 708 de repercussão geral) e da ADI 4.376/SP. Assim, ainda que o IPVA não seja tema normalmente julgado pelo TIT, em razão dos valores das autuações serem inferiores à alçada recursal de 20 mil UFESP’s ou R$ 581.800,00, optamos no presente artigo por apresentar aspectos da atual jurisprudência, analisando suas possíveis repercussões em âmbito administrativo.
Muito embora as locadoras possuam estabelecimentos em diversos Estados, os veículos são comumente licenciados no local de sua sede, ou de um determinado estabelecimento, o que não parece haver óbice na legislação que trata da pluralidade de domicílios. Ocorre que com tal procedimento as locadoras visavam concentrar o licenciamento dos veículos em Estados com alíquotas do IPVA mais baixas, o que motivou a publicação de legislações estaduais (como no Estado de São Paulo) visando atrair o recolhimento do imposto.
Esse é o objeto da ADI 4.612/SC, que trata da constitucionalidade da Lei nº 7.543/88 do Estado de Santa Catarina. O voto do Min. Relator Dias Toffoli determina que o pagamento do IPVA deve ocorrer para o Estado da filial da locadora em que os veículos são habitualmente locados ou disponibilizados para locação, ou seja, onde presumidamente circulem.
Importante ressaltar que a Lei paulista nº 13.296/2008 possui artigos semelhantes ao da lei catarinense como, por exemplo, o que define o momento da ocorrência do fato gerador do IPVA de veículos de empresas locadoras como sendo a “data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território deste Estado, em se tratando de veículo usado registrado anteriormente em outro Estado.” (art. 2º, IV, da lei catarinense e art. 3º, X, b, da lei paulista)
Já no RE 1.016.605/MG discutiu-se a constitucionalidade de lei mineira que exige o IPVA de pessoa jurídica lá sediada e domiciliada, mesmo com veículo licenciado em outro Estado, no caso, em Goiás. Em síntese, discutiu-se se o IPVA é devido para o local do licenciamento ou no domicílio do contribuinte. O voto vencedor do Min. Alexandre de Moraes fixou a seguinte tese de repercussão geral: “A Constituição autoriza a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) somente pelo Estado em que o contribuinte mantém sua sede ou domicílio tributário.”
A legislação do Estado de São Paulo é questionada na ADI 4.376/SP que ainda está em trâmite no STF. Após o voto do Min. Relator Gilmar Mendes, que julgava parcialmente procedente o pedido inicial para declarar a inconstitucionalidade material do art. 3º, X, b, da Lei nº 13.296/2008, o Min. Dias Toffoli pediu vista dos autos.
Considerando o atual cenário das decisões proferidas pelo STF, cremos pertinente apresentar os comentários sobre a capacidade ativa do IPVA.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabeleceu como fato gerador do IPVA ser proprietário de veículo automotor, o que resulta em uma relação de pertencimento que se estabelece entre o veículo (objeto) e o sujeito (proprietário): o primeiro pertence ao segundo.
A propriedade é exercida em qualquer lugar, independentemente de onde estejam localizados fisicamente o proprietário e o veículo automotor. Esse fato expõe as dificuldades relacionadas à definição do local para o qual o IPVA é devido, pois não há indicação natural do lugar em que se exerce a propriedade e, consequentemente, para onde o imposto deve ser pago. Por isso, a definição do local para o qual o IPVA é devido depende da eleição de um critério compatível com a materialidade do imposto.
Nesse contexto, em sendo omissa a CF/88 sobre o critério espacial do IPVA, o elemento de conexão mais seguro para determinar o local de ocorrência do fato gerador é o domicílio do proprietário.
Em relação às pessoas jurídicas de direito privado, não nos parece haver dúvidas de que os artigos 75 do Código Civil e 127 do CTN admitem a pluralidade de domicílios, fato esse que traz o seguinte questionamento: a quem cabe a exigência do IPVA quando a propriedade do veículo for exercida por pessoa jurídica que possui estabelecimentos em diversos Estados?
Considerando que a propriedade é exercida independentemente do local onde se encontrem proprietário e veículo e que a pessoa jurídica é uma entidade única, ainda que possua diversos estabelecimentos, é possível sustentar que a ela caberia definir dentre seus estabelecimentos aquele que será considerado domicílio para exigência do IPVA. E essa opção seria feita por meio do registro do veículo no órgão de trânsito estadual, conforme o Código de Trânsito Brasileiro (art. 120), que também elege o domicílio como critério.
Admitir essa possibilidade não objetiva fomentar e compactuar com fraudes, consistentes na simulação da existência de falsos domicílios, resultando no registro de veículos e pagamento indevido do IPVA para Estados onde a empresa não possui estabelecimentos. Tais práticas devem ser coibidas.
Contudo, havendo efetivamente estabelecimentos operacionais da empresa em diversos Estados, ou seja, ocorrendo a pluralidade de domicílios, é possível admitir que a ela caiba a opção de eleger aquele que servirá de domicílio para o registro e, consequentemente, a exigência do IPVA.
Não foi esse, contudo, o entendimento adotado pelo STF na ADIN 4.612/SC e no RE 1.016.605/MG. Nesse último julgado, inclusive, o Min. Alexandre de Moraes expressamente consignou que seu voto não tratava da hipótese da pluralidade de domicílios, decidindo-se, como visto, que a CF/88 autoriza a cobrança do IPVA somente pelo Estado em que o contribuinte mantém sua sede ou domicílio tributário.
À primeira vista, poder-se-ia concluir que a decisão teve o domicílio como único critério para a definição do local para o qual o IPVA é devido. Contudo, a leitura dos debates e dos votos revela que outros elementos foram levados em consideração e tiveram papel determinante para a adoção daquele entendimento. Já na própria ementa identifica-se que o local em que circula o veículo foi levado em consideração, produto da presunção de que a circulação ocorre no local do domicílio do proprietário. A esse, aliou-se o argumento de que os recursos provenientes do IPVA, decorrentes da repartição de sua arrecadação (art. 158, inciso III, da CF/88) deve fazer frente às despesas dos Municípios para reparar as vias desgastadas pelo uso. Outro ponto bastante salientado foi a possibilidade de ocorrer fraudes, consistentes no registro de veículos com a falsa comunicação de domicílio.
Já na ADIN nº 4.612/SC, o voto do Min. Toffoli privilegia uma vinculação entre o veículo objeto da locação e o estabelecimento a que o mesmo é normalmente locado. Define, assim, que o IPVA devido por empresas locadoras deve ser pago ao Estado onde localizado o estabelecimento ao qual está vinculado o veículo.
Parece-nos, portanto, que os julgados do STF deixaram de lado a pluralidade de domicílios e a possibilidade de que os contribuintes optem por defini-lo, para fins de exigência do IPVA, nas situações em que possuam efetivos estabelecimentos operacionais em diversos Estados. Por isso, salvo engano, em que pese as decisões do STF, o tema ainda poderá gerar conflitos, justamente nos casos das pessoas jurídicas que possuem pluralidade de domicílio.
Apesar disso, ainda que relevante a matéria posta nos referidos julgados, a discussão passa ao largo da apreciação pelo TIT, pois, em geral, os lançamentos de IPVA são inferiores ao valor de alçada recursal. Contudo, uma mesma pessoa jurídica, como ocorre com as locadoras, pode ter constituído contra si vários autos de infração de IPVA que isoladamente não superariam o valor de alçada do TIT, mas que somados poderiam ser objeto de recurso à corte administrativa. Estes contribuintes são privados do reexame da matéria pelo colegiado paritário e imparcial, ainda que seus débitos somados tenham valor significativo.
A revogação do valor de alçada para recurso no processo administrativo fiscal é uma das alterações da Lei nº 13.457/2009, propostas pelo Projeto de Lei nº 367/2020 em trâmite na ALESP, de autoria do Deputado Sergio Victor, como já analisado no âmbito deste Observatório. A referida revogação tem por justificativa possibilitar que os contribuintes tenham amplo acesso ao TIT.
Com intuito de aperfeiçoar o projeto, a OAB/SP – Seccional Pinheiros, por meio de sua Comissão de Direito Tributário e Constitucional, encaminhou ofício ao seu autor, sugerindo, dentre outros pontos, a diminuição do valor de alçada recursal para 2.500 UFESPs e não a sua revogação, o que garantiria a eficiência administrativa e o duplo grau de jurisdição.
<h3>Conclusão</h3>
Apesar das manifestações do STF e da relevância econômica que o tema pode vir a ter para pessoas jurídicas com pluralidade de domicílios, o IPVA ainda poderá gerar conflitos e discussões entre os Estados e os contribuintes. E, se não forem alteradas as regras de acesso recursal do Estado de São Paulo, o TIT poderá não contribuir com a discussão.
 
Autoria:
Erika Garcia Cunha Melo
Cassiano Inserra Bernini
Coordenação Geral:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Lina Santin
Dolina Sol Pedroso de Toledo
Kalinka Bravo

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JOTA

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