Matheus Leonídio Barbosa dos Santos

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STJ">STJ</a>) fixou interpretações acerca de dispositivos da Lei de Execuções Fiscais e, sede da sistemática de recursos repetitivos, positivou teses que resolveram questões acerca da prescrição intercorrente aplicável às execuções fiscais.
Contudo, dada a infinidade de peculiaridades que possam existir durante o processamento das milhões de execuções fiscais que tramitam no país, é de se esperar que as teses do STJ ainda deem margem a outras tantas controvérsias que permeiam o tema.
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Mas é certo, também, que diversas questões, embora não tenham sido explicitamente enfrentadas em sede daquele julgamento, podem ser resolvidas pela simples aplicação, por extensão, da ratio decidendi por trás daquela decisão, não havendo que se falar em lacuna, ou mesmo exceção às balizas fixadas pelo STJ.
Propõe-se analisar, a seguir, uma dessas situações, que consiste em definir se a propositura de medida cautelar fiscal incidental é capaz de interromper o prazo prescricional intercorrente da execução fiscal em curso.
<h3>Medida cautelar fiscal: breves noções</h3>
A medida cautelar fiscal é o provimento que se busca em sede do procedimento cautelar fiscal, regulado pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8397.htm">Lei 8.397/1992</a> e privativo da Fazenda Pública, e que se traduz na possibilidade de decretação da indisponibilidade do patrimônio de contribuinte que dá indícios de que pretende se furtar ao adimplemento de crédito público tributário e não tributário, constituído ou não.
Em outras palavras, trata-se de instrumento destinado a assegurar a efetividade de execuções fiscais presentes ou futuras, havendo, pois, relação umbilical entre medida cautelar e execução fiscal.
Para que a medida cautelar seja deferida, é necessário que a Fazenda Pública comprove literalmente a constituição do crédito (salvo quando o contribuinte transfere ou tenta transferir bens ou direitos a terceiro, ou aliena bens e direitos sem comunicar à Fazenda, quando a lei o determine), e comprove documentalmente que o contribuinte incorre em alguma das condutas tendentes à fraude fiscal ou inadimplemento deliberado, descritas na lei.
Um importante detalhe, para os fins do raciocínio que se propõe, é o fato de que, nos termos da lei, a medida cautelar fiscal é movida em face do sujeito passivo da obrigação tributária e não tributária, e, nos termos do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CTN">Código Tributário Nacional</a>, sujeito passivo pode ser tanto o contribuinte (quem tem relação direta com o fato gerador) quanto o responsável (não tem relação com o fato gerador e assume a obrigação por disposição expressa de lei).
Logo, permite-se o reconhecimento da responsabilidade de terceiros em sede do procedimento cautelar fiscal, o que dá ensejo, nas execuções fiscais em curso, ao pedido de redirecionamento do feito, notadamente quando presentes os requisitos do CTN para tanto. 
Ou seja, uma decisão judicial, proferida nos autos do procedimento cautelar, abre a possibilidade de inclusão de novos devedores no processo executivo. Esse detalhe é crucial para a conclusão que se pretende alcançar.
<h3>Prescrição intercorrente em execuções fiscais</h3>
A prescrição intercorrente em matéria tributária é regulada pelo art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, cujos contornos interpretativos foram conferidos pelo STJ na Súmula 314 e nas teses fixadas em apreciação aos temas repetitivos 566, 567, 568 e 570.
Em síntese, a Corte decidiu que a execução fiscal é suspensa por um ano quando não localizados o devedor ou patrimônio passível de penhora, e, após esse período, tem início automático o prazo prescricional quinquenal, de modo que a pretensão de exigência do crédito se extinguirá após seis anos, contados da data em que o exequente teve ciência da não localização do devedor ou da inexistência de patrimônio, caso não ocorra, nesse interregno, nenhuma causa suspensiva ou interruptiva da prescrição.
Quanto à interrupção, que nos interessa, tem-se que ela se dá mediante a efetiva citação ou constrição patrimonial, não bastando o mero requerimento nesse sentido, embora, caso frutífero, interrompa a prescrição retroativamente, na data de seu protocolo. Do mesmo modo, a citação interrompe a prescrição retroativamente, reportando à data da propositura da ação executiva.
Esse contexto revela que a prescrição da pretensão executiva do fisco contém os mesmos elementos da prescrição regulada pela lei civil, quais sejam, ação exercitável, inércia do titular da ação, continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo e ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional. Mas a inércia, aqui, não é o mero deixar de agir, e sim a ausência de efetividade nesse agir.
Quanto ao redirecionamento da execução fiscal, como importará, necessariamente, na citação de uma pessoa física ou jurídica, inevitavelmente haverá, também, interrupção. 
Nesse caso, nos termos do tema repetitivo 444, o prazo para requerer o redirecionamento será também quinquenal, e terá início na "data da prática de ato inequívoco indicador do intuito de inviabilizar a satisfação do crédito tributário já em curso de cobrança executiva promovida contra a empresa contribuinte, a ser demonstrado pelo fisco", compreensão que deve ser lida à luz da actio nata, de modo que o prazo para a inclusão de corresponsável terá início na data em que a Fazenda Pública teve ciência da prática da conduta que autoriza o redirecionamento.
<h3>Interrupção da prescrição pelo ajuizamento de medida cautelar fiscal</h3>
Pelo exposto, já fica claro onde se pretende chegar: se a medida cautelar fiscal é o meio pelo qual a Fazenda Pública demonstra documentalmente que o contribuinte pretende se furtar ao adimplemento de suas obrigações tributárias e não tributárias, e se, por meio do deferimento da medida, o juiz reconhece que a prova documental apresentada foi capaz de demonstrar a intenção em inadimplir, que pode ensejar no redirecionamento de uma execução fiscal, é inevitável concluir que a data do requerimento da medida – isto é, do ajuizamento da demanda – é a data em que surge a pretensão do fisco em redirecionar, momento em que o fato inviabilizador da satisfação do crédito se tornou conhecido. 
O exercício dessa pretensão, por sua vez, será possível somente após o deferimento da cautelar, porque aí haverá reconhecimento judicial da fraude perpetrada pelo contribuinte, sendo certo que a Fazenda Pública não poderá ser responsabilizada pela demora na apreciação da demanda, já que a mora será atribuível ao Judiciário.
Ora, a concessão da cautelar afastará um dos elementos da prescrição mencionados alhures, qual seja, a inércia do titular do direito, vez que, facultado o redirecionamento, o agir se mostrou efetivo em prol da satisfação do crédito.
Embora esse raciocínio lógico esteja perfeitamente embasado nas premissas das teses fixadas pelo STJ, o que, por si só, dá ares de definitividade à questão, há que se ressaltar que, ainda que esse não fosse o caso, e a controvérsia não pudesse ser solucionada por simples dedução, o próprio STJ reconheceu que "o repetitivo julgado não tem a pretensão de exaurir todos os problemas referentes à aplicação da prescrição na Lei de Execuções Fiscais no país", e que "as demais questões apontadas por omissas deverão ser solucionadas de forma casuística a cada processo". 
Ao reconhecer que existem situações não abarcadas pelas teses, a Corte abriu margem para que sejam reconhecidos outros marcos interruptivos da prescrição, sendo perfeitamente plausível reconhecer que a medida cautelar é um desses marcos, pelas razões expostas até aqui.
Há que se reconhecer, ainda, que o deferimento da cautelar, nas hipóteses que autorizam o redirecionamento, também importa no reconhecimento da um ilícito, que é a fraude fiscal. 
Ignorar que a medida cautelar seja um marco interruptivo implicaria no reconhecimento indevido da prescrição intercorrente, premiando, com a extinção da dívida, a capacidade do infrator em enganar o fisco, contrariando o primado do nemo auditur propriam turpitudinem allegan, que veda o benefício do própria torpeza.
Isso é evidente, já que, nesse caso, não houve mera incapacidade do exequente em localizar bens, mas sim a prática de ato intencional e contrário à lei, visando a ocultação patrimonial por parte do executado, o que não pode ser simplesmente ignorado pelo Direito, a pretexto de se estar aplicando a tese do STJ.
A medida cautelar fiscal é o provimento judicial concedido em sede do procedimento cautelar fiscal, para assegurar a efetividade de execuções fiscais presentes ou futuras, quando há indícios de inadimplemento, seja pelo comportamento temerário do contribuinte em relação à dívida, seja pela prática de atos ilícitos.
Quando a medida é deferida com base no reconhecimento de ilícito ensejador do redirecionamento da execução fiscal, haverá consequente interrupção do prazo prescricional intercorrente deste feito, já que restará afastada a inércia do exequente, além de ser vedado ao executado que se beneficie de sua própria torpeza, com eventual extinção da dívida por prescrição.
Tal perspectiva encontra-se perfeitamente alinhada com a decisão proferida pelo STJ em sede dos temas repetitivos 566, 567, 568 e 570, que fixaram as regras para a prescrição intercorrente tributária, inclusive com a fixação dos marcos interruptivos.
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[1] BRASIL, Lei n. 8.397, de 6 de janeiro de 1992. Institui medida cautelar fiscal e dá outras providências. Brasília, 1992. 
[2] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 10. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
[3] A interpretação do STJ acerca desse dispositivo é de que "basta a constituição do crédito tributário, ainda que não definitiva", ou seja, a lei dispensa apenas a constituição definitiva, mas é necessário que já tenha sido praticado pelo menos um ato tendente à constituição. (STJ, AREsp 2236945, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 23/02/2023).
[4] BRASIL, 1992.
[5] BRASIL, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 1966.
[6] BRASIL, Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Brasília, 1980. 
[7] STJ, Súmula 314. Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, sus­pende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. Brasília, 2006.
[8] STJ, REsp 1.340.553, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 16/10/2018.
[9] GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. E-book.
[10] STJ, REsp 1201993/SP. Rel. Min. Herman Benjamin, publicado em 12/12/2019.
[11] A teoria (ou doutrina) encampada pelo STJ que preconiza que a pretensão não surge quando o direito é violado, mas sim quando o titular toma ciência do fato danoso e de suas consequências (GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Mário Veiga Pamplona. Novo curso de direito civil - parte geral. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book).
[12] STJ, 2018.
BRASIL, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 1966.
BRASIL, Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Brasília, 1980.
BRASIL, Lei n. 8.397, de 6 de janeiro de 1992. Institui medida cautelar fiscal e dá outras providências. Brasília, 1992
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Mário Veiga. Novo curso de direito civil - parte geral. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. E-book.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 10. ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
NUNES, Cleucio Santos. Curso Completo de Direito Processual Tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. E-book.
STJ, AREsp 2236945, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 23/02/2023.
STJ, REsp 1.340.553, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, publicado em 16/10/2018.
STJ, REsp 1201993/SP. Rel. Min. Herman Benjamin, publicado em 12/12/2019.
STJ, Súmula 314. Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, sus­pende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. Brasília, 2006.

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