Bruno Calabrich

No interrogatório, o réu pode optar por somente responder as perguntas feitas por seu defensor, recusando-se a responder as perguntas feitas pelo juiz ou pelo Ministério Público?
Embora o tema seja bastante controverso, começa a se desenhar no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> o entendimento de que sim: o réu pode escolher responder só as perguntas feitas por seu patrono.
Em outubro de 2020, a 6ª Turma do STJ concedeu uma ordem de habeas corpus para “anular o interrogatório do recorrente e determinar que o Juízo de primeiro grau proceda à nova realização do ato”. No acórdão, consignou-se que o interrogatório é a oportunidade em que o réu “tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, dar sua versão dos fatos, rebater os argumentos, as narrativas e as provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes, dizer, enfim, tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo livre, desimpedido e voluntário” (REsp 1825622/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, decisão de 28.10.2020<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>).
Ainda em 2020, o ministro Felix Fischer, em decisão monocrática, concedeu de ofício um habeas corpus, para determinar a realização de uma nova audiência, “oportunizando-se, ao paciente, seu interrogatório (a identificação pessoal é obrigatória), assim como se manifestar livremente quanto ao mérito, seja de forma espontânea ou sob condução de perguntas de qualquer das autoridades, especialmente, do seu próprio patrocínio” (HC 628.224/MG, decisão de 09.12.2020<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>).
Mais recentemente, a 6ª Turma do STJ, também em habeas corpus, invalidou uma sentença de pronúncia e determinou a realização de um novo interrogatório do paciente, “oportunidade na qual deve ser-lhe assegurado o direito ao silêncio (total ou parcial), respondendo às perguntas de sua defesa técnica, e exercendo diretamente a ampla defesa” (HC nº 703.978/SC, decisão de 07.04.2022<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>).
Tais precedentes do STJ parecem exigir uma modificação da praxe enraziada há décadas em centenas de juízos criminais Brasil afora. Isso tem causado insegurança a partes e juízes. Infelizmente têm sido cada vez mais frequentes situações nas quais a controvérsia, levantada em audiência, não é resolvida com a serenidade e a urbanidade exigidas para o ato. Tal insegurança pode ser fruto de diversos fatores, inclusive do fato de que o art. 15 da nova <a href="https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2019/lei-13869-5-setembro-2019-789094-publicacaooriginal-159018-pl.html#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20define%20os,que%20lhe%20tenha%20sido%20atribu%C3%ADdo.">Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)</a> prevê como crime a conduta do juiz que dá prosseguimento ao interrogatório “de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Ocorre que uma outra forma de administrar a audiência de interrogatório talvez seja suficiente para evitar embates entre os sujeitos processuais e, ao mesmo tempo, preservar os direitos do réu – inclusive o direito de responder apenas as perguntas formuladas por seu defensor, se assim o desejar. É o que propomos no presente artigo.
A lei prevê o interrogatório como um ato presidido pelo juiz. Feitas suas perguntas, o juiz, ao final, indagará às partes “se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante” (art. 188 do CPP). É o oposto do que ocorre na inquirição das testemunhas, em que as partes formulam suas perguntas diretamente e, só ao final, o juiz pode complementar a inquirição, fazendo perguntas “sobre os pontos não esclarecidos” (art. 212, parágrafo único, do CPP).
E se, no início do interrogatório, o réu, por si ou por seu defensor, afirmar que só responderá as perguntas feitas por seu advogado: como deve o juiz proceder?
O interrogatório realizado exclusivamente pela defesa, sem a participação do juiz e do Ministério Público, não tem previsão legal. Não é esse o procedimento que consta no CPP como "interrogatório". O juiz, se autorizá-lo – e é claro que pode fazê-lo, como sinalizam os recentes precedentes do STJ –, estará praticando um ato não expressamente previsto no CPP. A colheita da prova pessoal seguindo essa forma, que também tem sido chamada de “interrogatório parcial” ou “interrogatório unilateral”, é um ato atípico, portanto, mas nada tem de ilícito.
O juiz, como visto, pode autorizar a prática desse ato não previsto no CPP. Mas também pode recusá-lo?
A resposta é afirmativa – desde que o juiz faculte ao réu juntar aos autos, em momento posterior, como prova documental (reduzida a termo) ou audiovisual (gravada), o "interrogatório" produzido exclusivamente por ele e sua defesa técnica.
O réu tem direito fundamental ao silêncio. Não é seu direito impedir a participação da outra parte nem do juiz nos atos do processo; tampouco é direito do réu escolher a forma para a prática dos atos, que têm previsão legal. Especificamente quanto ao interrogatório, o réu não responde “o que quiser, na hora que quiser e a quem quiser”: a forma e o tempo dos atos processuais são regrados por lei – não pela vontade do juiz, do Ministério Público, do réu nem de seu defensor.
Assim como o réu não é obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, juiz e MP não devem ser obrigados a praticar um ato não previsto no CPP apenas porque assim o deseja o réu e seu patrono. A forma estabelecida no CPP para o interrogatório tem um sentido: o de prestigiar, caso o réu não opte pelo silêncio, o exercício do contraditório – que, calha lembrar, aplica-se também ao Ministério Público, não só à defesa – e o poder-dever do juiz de instruir o processo na busca da verdade. Se o réu adota a postura de recusar qualquer intervenção do juiz e do MP, emudecendo-os e tornando-os simples ouvintes, a forma prevista no CPP para a prática do ato perde todo seu sentido.
Ao cabo, o artifício do “interrogatório parcial” ou “unilateral”, no qual juiz e Ministério Público funcionam apenas como espectadores, pode ser facilmente substituído por uma declaração escrita e assinada pelo réu ou uma gravação feita com seu defensor. Dispensará, assim, a realização de uma audiência, poupará tempo e recursos do Estado e terá o mesmo efeito.
De qualquer modo, facultada a juntada posterior dessa prova – o “interrogatório unilateral” gravado ou reduzido a termo –, estará preservada a ampla defesa, ainda que esteja prejudicado o contraditório (para o Ministério Público).
Repita-se: o silêncio é um direito fundamental do réu e, se ele não quiser responder as perguntas do juiz ou do MP, é obvio que não se pode obrigá-lo. Mas se o réu informa, no início do ato, que não responderá a nenhuma pergunta feita pelo MP nem pelo juiz, não há nenhum prejuízo em que ele mesmo produza o depoimento a sós com seu advogado – afinal , é exatamente isso o que ele está se propondo a fazer –, gravado ou por escrito, e depois o apresente para juntada aos autos.
Tal solução somente não seria possível no plenário do júri, em que os atos são concentrados em uma única sessão. Neste caso, a recusa a responder as perguntas do Ministério Público ou do juiz presidente pode ser uma estratégia legítima, além de amparada pelo princípio da plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, a, da Constituição Federal). Se essa será ou não a estratégia mais adequada diante de um julgamento pelos jurados, caberá apenas à defesa técnica avaliar.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1] </a>&lt;<a href="https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&amp;sequencial=116382963&amp;num_registro=201902015019&amp;data=20201028&amp;tipo=91&amp;formato=PDF">https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&amp;sequencial=116382963&amp;num_registro=201902015019&amp;data=20201028&amp;tipo=91&amp;formato=PDF</a>&gt;
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2] </a>&lt;<a href="https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&amp;componente=MON&amp;sequencial=119144395&amp;tipo_documento=documento&amp;num_registro=202003031874&amp;data=20201209&amp;formato=PDF">https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&amp;componente=MON&amp;sequencial=119144395&amp;tipo_documento=documento&amp;num_registro=202003031874&amp;data=20201209&amp;formato=PDF</a>&gt;
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3] </a>&lt;<a href="https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&amp;sequencial=144953092&amp;num_registro=202103512141&amp;data=20220407&amp;tipo=5&amp;formato=PDF">https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&amp;sequencial=144953092&amp;num_registro=202103512141&amp;data=20220407&amp;tipo=5&amp;formato=PDF</a>&gt;
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation"><a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>     Art. 15.  Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:</blockquote>
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation">        Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation">        Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:</blockquote>
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation">        I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou</blockquote>
<blockquote class="jota-article__reference jota-article__citation">        II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono.</blockquote>

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JOTA

Medida dispensa realização de audiência, poupa tempo e recursos do Estado e tem o mesmo efeito

&#8216;Interrogatório unilateral&#8217; e a substituição por depoimento do réu ao defensor

'Interrogatório unilateral' e a substituição por depoimento do réu ao defensor

Interrogatório unilateral dispensa realização de audiência, poupa tempo e recursos do Estado e tem o mesmo efeito