Bruno da Cunha de Oliveira

No dia 5 de junho deste ano, foi protocolado na Câmara dos Deputados requerimento de instituição da CPI dos Planos de Saúde. Frente à demora da presidência da Câmara em instalar a comissão, em 31 de julho a Associação Nenhum Direito a Menos impetrou mandado de segurança no STF pedindo que a corte determinasse a criação e a instalação da CPI. O relator do caso, ministro Flávio Dino, intimou o presidente da Câmara, Arthur Lira, a prestar informações.
No dia 28 de agosto, Lira respondeu. Entre as justificativas apresentadas, <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/lira-argumenta-que-camara-tem-cpis-anteriores-a-investigacao-contra-planos-de-saude">chama atenção</a> o argumento de que a CPI dos Planos de Saúde não pode ser criada porque existem outros oito pedidos de criação de CPI ainda sob análise. Como existe uma regra no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD) que limita a cinco o número de CPIs em funcionamento ao mesmo tempo, algum pedido de CPI apresentado há mais tempo seria prejudicado se a CPI dos Planos de Saúde fosse criada antes das demais.
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De fato, diz o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD): 
Art. 35. § 4º Não será criada Comissão Parlamentar de Inquérito enquanto estiverem funcionando pelo menos cinco na Câmara, salvo mediante projeto de resolução com o mesmo quorum de apresentação previsto no caput deste artigo.
É também fato que, no julgamento da ADI 1635, concluído em 19/10/2000, o STF declarou constitucional o referido artigo. Nesse sentido, a solução para o caso em questão parece bastante fácil: está correto o presidente da Câmara e o mandado de segurança deve ser negado.
O caso em questão realmente é fácil de ser decidido, mas não pelos motivos apresentados anteriormente. Como também apontado por Lira, a associação que impetrou o mandado de segurança foi constituída há menos de um ano e, por isso, não tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX, “b”, da Constituição).
Além disso, é questionável se um pedido de criação de CPI por meio de mandado de segurança coletivo pode ser feito por associação. Como argumentou Lira, apenas parlamentares podem impetrar mandado de segurança com a finalidade de tutelar o direito subjetivo ao devido processo legislativo e parece razoável entender que o pedido de criação de CPI está abarcado por essa prerrogativa.
No que diz respeito ao limite de criação de CPIs na Câmara, entretanto, a discussão pode ser mais complicada do que se espera. Desde 2000, quando a mencionada ADI 1635 foi julgada, o entendimento do STF sobre a criação de CPIs foi alterado substancialmente.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Tanto no julgamento do MS 22494, julgado em 1996, quanto no julgamento da ADI 1635 foram vencidos os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Em ambos os casos, contrariando a maioria dos ministros, eles questionaram a possibilidade de os regimentos internos preverem requisitos para a criação de CPIs além daqueles definidos constitucionalmente (requerimento de um terço dos membros da casa, fato determinado e prazo certo).
Já no julgamento seguinte sobre criação de CPIs (MS 24849), em 2005, o ministro Celso de Mello, agora como relator, liderou uma nova maioria de ministros em uma mudança significativa na jurisprudência do STF sobre CPIs. Esse julgamento consagrou o conceito de um direito das minorias à criação de CPIs, que viria a ser confirmado e reforçado em julgamentos posteriores.
Especificamente sobre os requisitos de criação de CPIs, ficou registrado na ementa desse julgamento o seguinte:
A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. - Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. [meu grifo]
Na ementa do mais recente julgamento sobre o tema, referente à CPI da Pandemia (MS 37760), de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, esse entendimento foi repetido, mas agora com um amplo conjunto de casos amparando essa tese:
De acordo com consistente linha de precedentes do STF, a instauração do inquérito parlamentar depende, unicamente, do preenchimento dos três requisitos previstos no art. 58, § 3º, da Constituição: (i) o requerimento de um terço dos membros das casas legislativas; (ii) a indicação de fato determinado a ser apurado; e (iii) a definição de prazo certo para sua duração. Atendidas as exigências constitucionais, impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, cuja instalação não pode ser obstada pela vontade da maioria parlamentar ou dos órgãos diretivos das casas legislativas. Precedentes: MS 24.831 e 24.849, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 22.06.2005; ADI 3.619, Rel. Min. Eros Grau, j. em 01.08.2006; MS 26.441, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 25.04.2007. [meu grifo]
Ora, se a instauração depende unicamente dos requisitos do art. 58, § 3º, da Constituição, talvez não seja razoável afirmar que uma CPI não poderá ser criada simplesmente porque outras CPIs já estão em funcionamento. Isso não quer dizer, evidentemente, que poderá ser criado um número infinito de CPIs, de modo a impedir o pleno funcionamento do Parlamento. No entanto, a limitação a apenas 5 CPIs parece não ter outra motivação senão a de limitar o direito das minorias.
Esse ponto fica mais claro se comparamos a regra da Câmara com a de outras Casas Legislativas brasileiras. No Senado, a única limitação ao número de CPIs em funcionamento está ligada ao número de senadores existentes: cada senador só pode integrar uma comissão como titular e uma como suplente (RISF, art. 145, §3º).
Se essa regra fosse aplicada na Câmara, mantendo a norma de que membros efetivos da Mesa não podem participar de CPIs (RICD, art. 14, § 5º) e adotando como tamanho médio de CPI o tamanho pleiteado para a CPI dos Planos de Saúde (32 membros titulares), seria possível realizar 15 CPIs concomitantemente, considerando que há menos suplentes do que titulares em cada comissão.
Diminuindo para 31 membros, já seria possível obter uma 16ª CPI. Se o tamanho médio fosse igual ao da CPI da Pandemia, que contou com 11 titulares, seria possível criar 46 CPIs.
A restritividade da regra da Câmara ao direito das minorias é ainda reforçada pela comparação do RICD com o Regimento Interno da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que também estipula em 5 o limite de CPIs concomitantes (artigo 34, §5º).
A Câmara é cinco vezes maior do que a Alesp. Não parece razoável supor que o número de CPIs capaz de imobilizar os trabalhos de uma casa legislativa em um órgão com 94 e 513 parlamentares seja o mesmo. Seria possível buscar mais exemplos em outros estados, mas a Alesp, com <a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/03/24/alesp-tem-tumulto-e-confusao-em-fila-para-conseguir-protocolar-pedidos-de-cpi-na-manha-desta-sexta.ghtml">filas e brigas</a> a <a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/17/assessores-de-deputados-fazem-vigilia-na-assembleia-legislativa-de-sp-para-conseguir-protocolar-pedidos-de-cpi.ghtml">cada quatro anos</a> por conta da quantidade limite de CPIs, talvez demonstre mais do que qualquer outra assembleia o potencial dessa restrição em dificultar o trabalho das minorias parlamentares.
É difícil imaginar quais seriam as consequências para a política brasileira caso a Câmara passasse a ter o dobro de CPIs acontecendo – e talvez até mais CPIs que isso. No entanto, se o STF pretende ser consistente com a sua jurisprudência sobre direitos das minorias parlamentares a criar CPIs, parece-me difícil fugir da constatação de que a atual regra do art. 35, § 4º, do RICD é demasiadamente restritiva ao direito das minorias e precisa ser revista.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Sobre o tema, cf. OLIVEIRA, Bruno da Cunha de Oliveira. Criação de CPI mediante requerimento: um direito das minorias parlamentares. Orientadora: Helena Hime Funari. 2021. 68f. Monografia (Iniciação Científica) – Escola de Formação Pública, Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2021. Disponível em: <a href="https://sbdp.org.br/publication/criacao-de-cpi-mediante-requerimento-um-direito-das-minorias-parlamentares/">https://sbdp.org.br/publication/criacao-de-cpi-mediante-requerimento-um-direito-das-minorias-parlamentares/</a>.

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JOTA

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