Bárbara Helena Breda

Maria Júlia Abdala

A compreensão do processo de formação do mercado se dá através de seu desenvolvimento histórico, a começar pelas trocas. Ainda na sociedade primitiva, as trocas nasciam quando uma produção excedia o necessário para garantir a sobrevivência de uma família ou grupo. Por mais que essa atividade possuísse um sistema próprio, comportando-se como um contrato social e sendo operada em locais específicos, a sua realização estava longe de atuar como a economia capitalista ou de mercado, hoje conhecida. A busca era, exclusivamente, pelo autoabastecimento. Não existia pretensão direta pelo desenvolvimento econômico da região.
Através da expansão do comércio, concentrada no Ocidente, passou a ser desenvolvido uma espécie de comércio aberto, que libertava as obrigações feudais dos camponeses. Desta forma, o século 13 é tido como verdadeiro marco para o comércio internacional, momento em que muitas cidades cresceram e se desenvolveram através da intensificação das trocas. Ainda que incipiente, essa nova realidade das relações comerciais foi capaz de proporcionar o aumento das praças de mercados, criando lojas, casas comerciais, bolsas de valores, bancos e outras engrenagens econômicas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Iniciou-se, assim, a organização de um mercado, com regulamentação própria.  Foi essa herança comercial que, hoje, permitiu a existência de variados instrumentos de apoio à globalização de mercados, evidenciando que, a globalização econômica é, em essência, o trajeto de criação de cadeias de suprimento para exploração dos mercados mundiais, adequando-se a escala de produção às novas tecnologias desenvolvidas e ao mercado financeiro global.
O papel geopolítico da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/china">China</a> e dos principais atores políticos e econômicos deste século conceituam a nova ordem econômica e social do capitalismo. Nos parece ser impossível, ao capitalismo mundial, um desenvolvimento ideal, desalinhado ao comércio internacional integrado às demais nações. A busca por novos agentes no mercado e, principalmente, pela inclusão de países em desenvolvimento em um cenário já consolidado por seus protagonistas, cria uma dependência de regulações capazes de garantir um cenário com condições mínimas de disputa. Essa conscientização foi a base para a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem por objetivo articular o desenvolvimento sustentável no âmbito do comércio internacional e incentivar o posicionamento dos países em desenvolvimento através de regulações que garantem condições de concorrência.
A OMC, a qual substituiu o antigo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), teve seu advento no <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9522.htm">Tratado de Marrakesh</a>, iniciando suas atividades a partir de 1995. Seu objetivo é o desenvolvimento do comércio internacional, encargo que também alcança instituições como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, instituições regionais e os bancos centrais. Conta com 164 países-membros e apresenta valor expressivo no comércio mundial, mantendo-se como importante apoio para os países em desenvolvimento com a construção de quadro institucional comum. Para manter o equilíbrio com as demandas sociais, ao longo dos anos, novas regras de aplicabilidade são ajustadas através de reuniões gerais denominadas rodadas.
Para o tema, é pertinente ressaltar a rodada conhecida como “Rodada do Desenvolvimento”, iniciada na cidade de Doha, no Catar, em 2001, que tinha como objetivo manter a liberalização das políticas de comércio com a consequente rejeição do protecionismo. Com intenso debate entre países em desenvolvimento, no que se inclui o Brasil, e desenvolvidos, as discussões em muito se sustentaram na quebra das barreiras às exportações de produtos agrícolas e têxteis, com a prorrogação da Cláusula Paz. Quanto ao objetivo central, esse não foi alcançado, aliás, parece cada vez mais se encontrar longe de um encerramento, uma vez que, apenas tracejava a base de um conflito que ainda permanece: a constante argumentação dos países emergentes pela redução das barreiras e dos subsídios que são submetidos por países desenvolvidos.
Também com o fim de eliminar, progressivamente, as barreiras impostas ao comércio e ao investimento, bem como, impulsionar o livre comércio no continente americano, foi criada a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), resultado da Cúpula das Américas de 1994. O Brasil, visava diversos benefícios, principalmente ao agronegócio, o qual vem sendo consideravelmente afetado por barreiras ao comércio, submetido por altas tarifas, quotas de importação e barreiras não tarifarias sobre seus produtos. Dentro desse contexto de mercado mundial, o mercado de commodities implica, hoje, em um dos temas agrícolas mais debatidos e frágeis às negociações internacionais, especialmente no tocante à perecibilidade e oscilação da oferta dos produtos, o que afeta, ainda mais, a sociedade, a medida em que se esbarra, diretamente, na segurança alimentar mundial.
As barreiras comerciais, no âmbito das políticas governamentais que regem o comércio (especialmente internacional) de uma nação, têm por objetivo estimular as exportações e a administração de sua balança, equilibrando o fluxo de transações e ativando a produção industrial. Entre os instrumentos de políticas comerciais, encontram-se as medidas não tarifárias (MNTs), portanto, ações governamentais que não se enquadram em política tarifária. Tais medidas são apresentadas desde quotas e proibições, até ações de defesa comercial, passando por barreiras técnicas<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, sanitárias e fitossanitárias.
Nota-se que há diferença entre as medidas não tarifárias e barreiras não tarifárias (BNTs), visto que as MNTs são ferramentas legítimas para garantir a proteção de plantas, animais, pessoas, meio ambiente e segurança alimentar, podendo os países apresentarem regulamentação dessa ordem de forma livre, desde que não incidentes características arbitrárias, discriminatórias e restritivas ao comércio. Entretanto, aquelas medidas que violarem essas condições serão reconhecidas como BNTs e poderão ser objeto de litígio entre os países junto à OMC. Atualmente, barreiras não tarifárias representam impasses maiores ao livre-comércio do que as tarifas. Destacam-se duas principais formas de barreiras: (i) sanitárias e fitossanitárias; e (ii) técnicas.
Lidando o Agronegócio com produtos, majoritariamente, de ordem alimentícia e sendo a agricultura a base de muitas economias, é necessário garantir a segurança alimentar e evitar a disseminação de pragas e doenças por tráfego comercial. Sendo assim, foram desenvolvidos regulamentos, também conhecidos por barreiras de biossegurança, para proteger a saúde humana, animal (medidas sanitárias) e vegetal (medidas fitossanitárias).
Há de se comentar, atualmente existe uma adversidade no tocante a definição dessas barreiras. Entende-se que são medidas com o objetivo de proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal, através de regulamentos e normas aplicáveis ao comércio internacional de produtos agrícolas, garantindo a qualidade dos alimentos e a proteção do território nacional contra pragas e doenças. Contudo, ainda é necessária análise das Specific Trade Concerns (STC), preocupações comerciais trazidas pelos países nas reuniões do Comitê do Acordo sobre barreiras sanitárias e fitossanitárias, que objetivam melhor compreensão conceitual. Referida STC foi originada da recorrente discussão desse tema no contencioso da OMC, encarregando-se de analisar os impactos ocasionados por países que adotaram medidas não tarifária.
Infelizmente, é rotineiro nas operações do comércio internacional o uso de barreiras não tarifárias como mecanismo comprometedor. Essa medida é tão recorrente, que ainda no GATT, durante a Rodada de Tóquio, foi assinado acordo sobre barreiras técnicas, motivado pelo abuso dos países na aplicação de medidas injustificadas, para dificultarem importações e alterarem o cenário do mercado. Posteriormente, foi realizado novo acordo pela OMC, com o mesmo escopo, denominado TBT Agreemeent, que estipulou a metodologia a ser adotada pelos regulamentos técnicos sobre o método e processo industrial, visto o déficit de clareza quanto aos produtos agrícolas. Vale mencionar o principal tema do tratado: a regulamentação das barreiras técnicas para que o direito de resguardo da segurança nacional não fosse utilizado de maneira errada ou abusiva, abrindo margem à criação de distorções e desvios no comércio internacional.
No tocante às barreiras sanitárias e fitossanitárias, a Rodada Uruguai, do GATT, apresenta papel de destaque, contando com a participação formal de 125 países, de forma a ser responsável por formalizar a Declaração de Punta del Este (1986)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, momento em que estabeleceu compromisso para o acesso a mercados, subvenções diretas e indiretas e medidas sanitárias e fitossanitárias. Mencionado acordo tem como base cinco princípios gerais, sendo eles: (i) harmonização, medidas que se harmonizem com as normas internacionais; (ii) equivalência, medidas distintas com reconhecimento mútuo pelos diversos países, equivalentes às normas internacionais; (iii) não discriminação, no tocante à origem dos produtos, sejam internacionais ou nacionais; (iv) transparência, divulgação aos parceiros comerciais sobre eventuais mudanças nas normas; e (v) regionalização, permissão de exportação entre áreas livres de enfermidades, denominadas áreas limpas.
O acordo pretende garantir o comércio seguro de produtos agropecuários trazendo, inclusive em seus artigos, que a adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias devem ser tomadas após evidências científicas que sustentem a sua aplicação. Ainda, imperioso que haja movimentação harmônica entre os códigos de cada nação com as recomendações e códigos internacionais, esperando-se garantir uma atuação limpa e coerente das barreiras não tarifárias ao livre comércio.
Atualmente, o Brasil apresenta destaque mundial como uma potência agroexportadora. As relações internacionais e o acesso a novos mercados apresentaram significativos avanços em novas fronteiras: de 2019 até setembro de 2022, foram abertos 229 novos mercados, em um total de 54 países, sendo a China, hoje, nosso principal destino de exportação. Para a continuidade de nosso crescimento, porém, é necessária a aproximação de novos parceiros comerciais, mapeando os interesses do país de curto e longo prazos nas principais macrorregiões do mundo emergente, para que assim, se perca a dependência asiática e não se prejudique economicamente com a implementação de alguma futura barreira comercial entre a rota, em especial, no tocante a barreiras não tarifárias, que apresentam obstáculos rigorosos ao livre comércio.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FREIRE. Ana Lucy. O desenvolvimento do comércio e a produção do espaço urbano. GeoTextos, vol. 6, n.2, dez. 2010. Pg. 11-32.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Importante exemplo de barreira não-tarifária. Origina-se da utilização de normas ou regulamentos   não transparentes ou não embasados em normas internacionalmente acetas, ou ainda, decorrentes da adoção de procedimentos de avaliação não transparentes ou demasiadamente dispendiosos, bem como, inspeções excessivamente rigorosas.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> PRESSER, Mário Ferreira. Rodada Uruguai: as novas regras do jogo para as políticas comerciais e industriais nos países em desenvolvimento. Indicadores Econômicos FEE. v. 24, n. 3, p.220/245, 1996. Disponível em: &lt; file:///C:/Users/IBDA02/Downloads/1240-5219-1-PB.pdf&gt;. Acesso em: 12 dez. 2022.

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JOTA

Tratado de Marrakesh passou a vigorar em 1995 e tem como objetivo o desenvolvimento do comércio internacional

Como as barreiras não tarifárias ainda impactam o comércio internacional

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