Alice Borges de Almeida

Thiago Porto Ribeiro

O mundo jurídico vive um processo de transformação digital, onde os instrumentos eletrônicos são cada vez mais comuns no cotidiano de empresas e escritórios em detrimento dos meios físicos tradicionais. Essa realidade foi ainda mais acelerada pela pandemia do novo coronavírus, que impôs a substituição de reuniões presenciais por videoconferências e documentos em papel por arquivos digitais.
Nesse cenário, uma funcionalidade tem ganhado bastante destaque: a assinatura eletrônica de documentos. Não obstante já estar incorporada em diversos ordenamentos jurídicos, são constantes as dúvidas sobre a validade da assinatura de documentos por meio eletrônico.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Primeiramente, é importante diferenciar os diversos conceitos existentes sobre o assunto. Entende-se por assinatura eletrônica o gênero para designar todas as espécies de firma de documentos por meios eletrônicos. Por sua vez, a assinatura digital é uma espécie de assinatura eletrônica que contempla a certificação por chaves públicas.
Já a chamada assinatura digitalizada representa uma mera cópia de imagem de uma assinatura manuscrita que é colada em um documento digital, enquanto a assinatura híbrida contém diferentes formas de assinatura em um mesmo documento.
A primeira discussão sobre a validade de uma assinatura por um meio eletrônico foi julgada pela Suprema Corte de Nova Hampshire, nos Estados Unidos em 1869. No caso Howley v. Whipple a controvérsia tratava do valor de uma confirmação realizada por meio de telégrafo.
Nesse sentido, a corte decidiu pela validade da assinatura telegráfica ao afirmar que “não há diferença entre o operador telegráfico escrever com uma caneta tinteiro encaixada em um suporte. Também não importa se tal caneta é um fio de cobre de milhares de milhas de comprimento. Tampouco é relevante se em um caso vale-se de tinta e em outro a eletricidade produz o mesmo efeito”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Posteriormente, o conceito de assinatura eletrônica nos Estados Unidos foi trazido pelo Electronic Signatures in Global and National Commerce Act de 2000 (ESIGN) como qualquer som, símbolo ou processo eletrônico vinculado a um contrato e adotado por uma pessoa com vontade de assiná-lo. No âmbito federal, o Uniform Electronic Transactions Act (UETA) de 1999 traz em seu artigo 7º o reconhecimento expresso da validade da assinatura eletrônica, sem distinguir as certificações públicas das privadas.
No que concerne à aceitação da assinatura digitalizada, o direito americano entende que eventual imagem de assinatura, ou até mesmo uma indicação de concordância em um e-mail, pode ser válida desde que represente a real vontade das partes contratuais. No caso Feldberg v. Coxall de 2012, um juiz de Massachusetts decidiu que uma troca de e-mail anuindo com uma obrigação faz as vezes de uma assinatura válida, não sendo necessário um meio de certificação robusto para tanto, uma vez que as evidências processuais comprovaram a vontade das partes de proceder com o fechamento do contrato.
No direito europeu a matéria é prevista no Regulamento 910/2014 que traz o Sistema Europeu de Reconhecimento de Identidades Eletrônicas (eIDAS), com duas modalidades: (i) assinatura eletrônica avançada; e (ii) assinatura eletrônica qualificada.
A assinatura eletrônica avançada deve possuir um identificador único associado ao signatário do documento eletrônico, sendo que seus dados devem ser exclusivamente controlados pelo signatário e deve detectar toda e qualquer alteração realizada após a assinatura do documento.
Por sua vez, a assinatura eletrônica qualificada é criada pelo chamado certificado qualificado de criação de assinaturas eletrônicas, que deve conter ao menos os seguintes requisitos: (a) a indicação de certificado qualificado, (b) a indicação do prestador que tiver emitido o certificado qualificado, (c) o nome e registro do signatário, (d) os dados necessários para a validação da assinatura eletrônica, (e) a indicação do início e do prazo de validade do certificado, (f) o código de identidade do certificado, (g) a assinatura eletrônica avançada do prestador de serviços emitente, (h) o local em que está disponível o certificado que sustenta a assinatura eletrônica avançada, e (i) a localização dos serviços aos quais se pode recorrer para verificar a validade do certificado qualificado.
<blockquote class="jota-article__eye">Nota-se que que assinatura eletrônica qualificada possui funcionalidades adicionais de certificação, o que a torna mais segura e confiável do que a assinatura eletrônica avançada.</blockquote>
No Brasil, o tema surgiu na legislação há quase vinte anos, com o Decreto nº 3.587 de 5 de setembro de 2000, que instituiu a então chamada Infraestrutura de Chaves Públicas do Executivo Federal – “ICP-Gov”. Como o decreto era voltado apenas para a administração pública federal, meses após houve a edição da Medida Provisória nº 2.200/2001, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, posteriormente reeditada pela MP nº 2.200-2/2001, ainda em vigor por ser anterior às modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32/2001. Também trata do tema a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização dos processos judiciais.
A legislação brasileira, acompanhando em parte a europeia, prevê dois tipos de assinatura: a assinatura digital, por meio da certificação ICP-Brasil, que contém “uma cadeia hierárquica de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, e a assinatura eletrônica, que se utiliza de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos. Todavia, apesar de possibilitar ambos os tipos de assinatura, a Medida Provisória criou uma relevante distinção ao prever que documentos assinados digitalmente têm presunção de validade e autenticidade.
Assim, a assinatura eletrônica, ainda que se utilize de meios robustos para validação, não goza do status de presunção de veracidade conferido pela legislação aos documentos certificados pela ICP-Brasil, o que significa que, caso haja arguição de falsidade, caberá à outra parte comprovar sua regularidade.
De toda forma, várias das empresas provedoras de assinatura eletrônica utilizam-se dos mais diversos meios para resguardar a validade de tais assinaturas, tais como blockchain, envio de token por SMS para validação pelo signatário, registro do endereço de IP utilizado, geolocalização e vinculação a determinado e-mail, que podem ser apresentados em juízo como prova de validade.
Ao apreciar o tema, a 3ª Turma o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a nova realidade comercial trazida pelas relações virtuais e que a legislação nem sempre consegue acompanhar os avanços tecnológicos. Enfatizou inclusive não haver dúvidas de que o contrato eletrônico deve ser colocado em evidência por sua importância econômica.
Nessa linha, ao julgar o REsp nº 1.495.920, inovou ao firmar entendimento de que, apesar de não estar expressamente prevista no Código de Processo Civil, a utilização da certificação ICP-Brasil pelas partes contratantes supre a necessidade de assinatura por duas testemunhas para que o documento seja caracterizado como título executivo extrajudicial.
Todavia, na contramão dos avanços reconhecidos pelo STJ, e desconsiderando o disposto na MP, o Tribunal do Estado de São Paulo<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, apesar de mencionar o mesmo Recurso Especial retro mencionado, erroneamente se baseia em trechos do voto vencido do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva para fundamentar o entendimento de que não seria possível atribuir a um contrato “assinado com um método de certificação privado” a qualidade de título executivo extrajudicial.
Não obstante, é notável que, em geral, o legislativo, o executivo e o judiciário estão atentos às mudanças trazidas pela revolução tecnológica, que traz novos conceitos e meios para celebração de negócios. Afinal, vivemos na era sem papel e em um mundo globalizado.
Este é também o entendimento do Ministério da Economia<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, que reforçou a aplicabilidade da assinatura eletrônica e ressaltou ser dever da Administração Pública “pautar suas ações na simplificação e desburocratização de procedimentos”.
Desse modo, e considerando ser a certificação pela ICP-Brasil uma realidade específica do território nacional, a assinatura eletrônica validada por métodos de certificação privada merece ser cada vez mais utilizada com a mesma confiança que é depositada na assinatura digital.
Por outro lado, no que concerne à assinatura digitalizada ou a assinatura híbrida, que não sejam totalmente geradas em meio eletrônico passível de validação, o risco de fraude inibe sua utilização, uma vez que a facilidade de uma cópia sem o consentimento da parte contratante invalidaria o documento.
De fato, assim como o reconhecimento de uma firma por um tabelionato de notas não diminui a validade de um documento sem autenticação pelo cartório, a utilização de um método privado de certificação aceito pelas partes contratantes não deve prejudicar a validade de um documento não certificado por uma chave pública.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Howley v. Whipple, 48 N.H. 487, 488 (1869), tradução nossa.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> ICP-Brasil. Disponível em: &lt; https://www.iti.gov.br/icp-brasil/&gt;. Acesso em: 23 de abr. de 2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Apelação Cível nº 1033143-27.2018.8.26.0100 e Agravo de Instrumento nº 2054815-49.2019.8.26.0000
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Ofício Circular SEI nº 2563/2020/ME.

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JOTA

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