Maceno Lisboa da Silva

O processo administrativo fiscal ainda não possui uma legislação capaz de consolidar os princípios, direitos e procedimentos aplicáveis entre todos os entes federados, tampouco de uma legislação que trate especificamente dos processos administrativos tributários.
Essa ausência de regramento, entretanto, acaba dificultando bastante a atividade jurisdicional dos diversos órgãos julgadores administrativos e provocando insegurança jurídica e um volumoso número de processo e reclamações no âmbito judicial de questões que poderiam ser tratadas ainda no âmbito administrativo.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>É inegável que o art. 15 do Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 13.105/2015, trouxe certa tranquilidade ao prever expressamente a possibilidade de aplicação subsidiária e supletiva de suas normas aos processos administrativos.
Isso significaria que o CPC estaria permitindo que seu regramento processual passasse a ser utilizado como uma ferramenta de preenchimento de lacunas no ordenamento jurídico e complementação de matérias de cunho processual no âmbito dos processos administrativos fiscais.
Não obstante essa previsão tenha trazido substancial avanço a atividade desenvolvida pelos órgãos administrativos de julgamento, o CPC deixou de especificar quais os institutos processuais seriam aplicáveis aos processos administrativos, o que ainda gera alguns debates quanto a sua aplicação.
De fato, a falta de especificação de quais instrumentos podem ser utilizados e a sua forma de utilização podem acabar muitas vezes por fazer com que os tribunais administrativos deixem de utilizar algumas ferramentas processuais interessantes para solução rápida de determinada questão ou utilizá-las de forma equivoca.
Nesse sentido, uma dessas ferramentas que vem provocando debates a respeito de sua utilização é a teoria dos precedentes aplicada aos processos administrativos, ao qual prevê a vinculação das decisões proferidas aos precedentes vinculantes, com o objetivo de provocar segurança jurídica.
Essa teoria encontra previsão no artigo 926 e no artigo 927, ambos do Código de Processo Civil, dispondo que todos os órgãos subordinados ao tribunal que originou a decisão paradigma ficam vinculados.
Não obstante o artigo 926, do CPC, trate sobre a uniformização de jurisprudência dos tribunais e o artigo 927, do CPC, limita-se a dispor que as decisões vinculantes deverão ser observadas apenas pelos juízes e tribunais, o art. 15, do CPC, é bastante amplo, ao prever expressamente que as regras processuais do Código de Processo Civil serão aplicadas de forma subsidiária e supletiva aos processos administrativos, quando foram ausentes regras especificas sobre tais procedimentos.
Isso permite concluir pela possibilidade da aplicação do art. 927, do CPC, de forma obrigatória no âmbito administrativo fiscal, isto é, determinando que os julgamentos administrativos passem a respeitar e seguir as orientações jurisprudências e sumulares dos Tribunais Superiores, de modo a provocar a uniformização da jurisprudência administrativa com a judicial, bem como da aplicação da teoria dos precedente no âmbito do processo administrativo.
Nesse contexto, visando conferir maior vinculabilidade às decisões administrativas as judiciais, em 2016 o Ministério da Fazenda alterou o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), editando a Portaria nº 152, do Ministério da Fazenda, que inseriu a necessidade do Carf observar em seus julgamentos as decisões dos recursos repetitivos dos Tribunais Superiores do Poder Judiciário. Além disso, sobre essa questão, o ministro Marco Aurélio, no julgamento do RE 566.22/RS, afirmou que os órgãos administrativos estão vinculados aos precedentes de reprodução obrigatória.
Contudo, não se pode ignorar que a aplicação de um precedente exige comparação entre casos distintos pelo julgador, o que significa que o julgador precisa individualizar os pressupostos fáticos-jurídicos essenciais no caso concreto para diferenciá-los e buscar semelhanças.
Nesse contexto, a partir da análise do conjunto probatório e da alegação das partes é que o órgão jurisdicional deve fazer a comparação entre o paradigma e o caso concreto.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, chegando à conclusão de que os casos são semelhantes, aplica-se o precedente, mas, concluindo-se que os casos são diferentes, o julgador deve distingui-lo e afastar a aplicação da decisão paradigma.</blockquote>
É nesse ponto que reside uma questão bastante polêmica que, inclusive, ganhou bastante destaque nas últimas semanas com o episódio de um eventual descontentamento do presidente da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) com os votos proferidos pelos demais conselheiros no julgamento, na medida em que estes estariam violando enunciado de súmula do Carf.
Nessa situação, todavia, os conselheiros se manifestaram no sentido de que não estariam violando súmula, mas sim votando por fazer um distinguishing ou distinção no caso concreto, isto é, no entendimento deles a súmula não se aplicava ao caso em analisa.
Essa polêmica acabou dando combustível a uma grande discussão existente na aplicação da teoria dos precedentes ao processo administrativo no sentido de que poderia o julgador de órgão administrativo afastar a aplicação de uma decisão judicial vinculante por qualquer motivo que fosse, utilizando-se das técnicas do overruling ou do distinguishing.
De fato, é indiscutível que o overruling não poderia ser utilizado pelos órgãos julgadores administrativos para superar uma decisão vinculante, em razão de que o órgão não teria competência para tanto, mas isso não significa que houve proibição de que o julgador analisasse o caso e utilizasse da técnica do distinguishing. 
Isso porque, diferentemente da overruling, o distinguishing não indica e, tampouco significa, a superação da decisão proferida no precedente paradigma trazida ao caso concreto, mas tão somente a impossibilidade de aplicá-lo naquela situação.
Logo, tendo em vista que o distinguishing não significa que o precedente estaria sendo superado pelo julgador do Carf, não existe vedação para a utilização dessa técnica na via administrativa, tampouco seria violação ao disposto no precedente.
Em outras palavras, se o julgador concluir pela distinção entre a decisão paradigma e o caso concreto, após realizar o cotejo do conjunto probatório e comparação dos argumentos das partes trazidos ao julgamento, não estará violando enunciado de súmula ou entendimentos do órgão administrativo, mas apenas aplicando o distinguishing no âmbito administrativo.
Portanto, eventuais restrições imotivadas à aplicação do distinguishing no âmbito administrativo não parecem razoáveis, na medida em que o referido instituto se mostra extremamente necessário para o desenvolvimento da teoria dos precedentes, inclusive, no âmbito administrativo fiscal, sob pena de esvaziar a função e a razão de ser da adoção dos precedentes vinculantes pelo ordenamento jurídico e, consequentemente, ao invés de promover segurança jurídica, na verdade, provocar insegurança jurídica. Cabe, assim, ao contribuinte aguardar para ver como o Carf enfrentará esse tipo de questão.
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JOTA

É possível a utilização do instrumento do distinguishing nas decisões dos processos administrativos tributários

A jurisprudência do Carf e a aplicação dos precedentes no âmbito administrativo

É possível a utilização do instrumento do distinguishing nas decisões dos processos administrativos tributários