Abinoan Santiago
Repórter freelancer
Conselheiro entende que colegiado deve tratar cada processo da mesma forma, sem privilégios
O curitibano Jeferson Teodorovicz tomou posse como novo membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em um momento atípico do tribunal, em meio às sessões online devido à pandemia do novo coronavírus.
Apesar disso, com pouco mais de um ano no cargo, Teodorovicz diz já entender que cada processo tem a sua própria relevância para o contribuinte, mesmo que às vezes camuflada pelas letras frias dos autos.
“Não podemos esquecer que mesmo casos teoricamente menos complexos, como algumas situações de exclusão do Simples Nacional ou não homologação de saldo negativo em compensações de baixo valor, têm impacto grande – proporcionalmente falando – em contribuintes, muitas vezes maior do que é possível identificar nos autos dos processos”, comentou o conselheiro.
O conselheiro fez doutorado em Direito Econômico e Financeiro na Universidade de São Paulo (USP), tornando-se referência do campo no aspecto técnico e conjuntural, pois defendeu uma tese sobre história do direito tributário do Brasil, pesquisa que posteriormente virou livro.
Indicado ao cargo pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Jeferson Teodorovicz analisa que, em pouco tempo, concluiu que o tribunal não privilegia um processo em detrimento de outro, independentemente das partes envolvidas, valores contestados ou temas debatidos.
“Mesmo que o caso seja de simples resolução ou de discussão diante de uma sessão de julgamento, é premissa do Carf em conferir igual atenção ou espaço ao julgamento de cada processo”, afirmou.
Formação: Direito
Alma matter: Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Vida acadêmica: Doutorado em Direito Econômico e Financeiro pela USP (2015). Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR (2009). Especialização (MBA) em Gestão Contábil e Tributária pela UFPR (2018). Estágio de Pós-Doutorado em Direito em andamento pela UNB. Atualmente, é professor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de Brasília.
Origem da indicação: Contribuinte (Confederação Nacional das Indústrias - CNI).
Time do coração ou hobby: Já fui torcedor apaixonado por futebol na infância e na adolescência. Sempre ia com meu pai e com meu irmão aos jogos na minha cidade natal (Curitiba-PR). Com a idade, não que tenha perdido o interesse pelos campeonatos, mas fui perdendo o hábito de acompanhar com regularidade os times que costumava torcer. No entanto, ainda conservo a paixão pelo futebol e sempre que posso acompanhar alguma partida importante, tento assistir. Hoje em dia, porém, meu hobby maior é a leitura e a prática de outros esportes, assim como aproveitar o tempo livre com minha família.
Qual foi o voto mais inovador que proferiu?
Bom, primeiramente, antes de responder a essa pergunta, o leitor deve atentar a três fatos: primeiro, que o Carf, a partir da pandemia, adotou o sistema online (teleconferência) para realização de sessões de julgamento, desde 2020; segundo, tomei posse no cargo como conselheiro há cerca de um ano (em agosto de 2020), já na vigência das sessões de julgamento online; terceiro, que, a partir da realização das sessões online, foi estipulado limite de alçada para realização de julgamentos.
Assim, os processos cujo valor de alçada superasse esses limites (que variaram no decorrer do ano) foram suspensos para que fossem julgados posteriormente, no retorno das sessões presenciais. Logo, as causas de maior valor de alçada ainda não foram julgadas, desde a mudança para o sistema de teleconferência das sessões.
Por isso, as ações mais complexas ainda serão julgadas pelo CARF no retorno das atividades presenciais. A maioria das questões que estão sob julgamento do Carf nesse momento de transição decorrente da pandemia são geralmente casos que o Carf ordinariamente enfrenta, sobretudo pelo limite do valor de alçada estipulado.
Nesse sentido, entendo que seria exagerado de minha parte falar em completa inovação no tocante aos meus votos até o presente momento, ainda que cada um possa apresentar uma característica própria ou um elemento diferencial de outros casos já julgados. De qualquer forma, tento imprimir minha abordagem particular, a partir de minha experiência no campo tributário, na análise, no relatório e no voto dos casos que me são demandados.
Qual foi o caso mais importante em que seu posicionamento se tornou o entendimento do colegiado?
Em minha visão, todos os casos que chegam ao CARF são importantes e demandam idêntica atenção na busca de resolução, pois se referem a contribuintes que entendem – certos ou não – estarem acobertados pelo direito tributário em face da Fazenda Nacional.
O outro lado da mesma moeda é o interesse pela Fazenda, que se conecta diretamente com as necessidades financeiras do Estado brasileiro. Assim, os dois interesses (do contribuinte e do fisco) enfrentam-se, inaugurando a etapa contenciosa da relação tributária (contencioso administrativo) e resta ao Carf a missão de decidir, na esfera administrativa, a quem cabe o direito.
Não obstante, mesmo que o caso seja de simples resolução ou de discussão diante de uma sessão de julgamento, é premissa do Carf em conferir igual atenção ou espaço ao julgamento de cada processo.
Não podemos esquecer que mesmo casos teoricamente menos complexos como algumas situações de exclusão do Simples Nacional, ou não homologação de saldo negativo em compensações de baixo valor, têm impacto grande – proporcionalmente falando – em contribuintes, muitas vezes maior do que é possível identificar nos autos dos processos.
Não estou realizando um raciocínio consequencialista, reforço, mas considero importante reconhecer que cada caso possui sua própria relevância e, não raramente, apresenta particularidades.
Lembro-me que alguns julgados sobre omissão de receita e a perquirição sobre a identificação da existência de dolo específico para autorizar a qualificação da multa de ofício se destacaram dentre alguns dos casos que me demandaram reflexão maior para fundamentar eventual inclusão ou exclusão da qualificação da multa de ofício.
Qual foi o caso mais difícil de formar sua convicção?
Antes de tentar responder essa pergunta, preciso fazer um esclarecimento sobre minha visão acerca do Carf. Entendo que o Carf, em muitos aspectos, diferencia-se do Poder Judiciário pela especialidade temática (tributária) ao qual se dedica, assim como pela origem e pela forma de seleção dos seus julgadores (conselheiros), que são sempre experts em matéria tributária, sejam indicados pela Fazenda sejam indicados pelo contribuinte.
Claro que existem outras diferenças importantes, mas queria destacar essas, a princípio. Digo isso porque a minha impressão, atuando no Carf nesse período, é que seus julgadores possuem especial atenção à valoração probatória, sobretudo pela análise de documentos comerciais, contábeis e fiscais, e os analisam com particular eficiência e expertise.
Não é exagero afirmar que o Carf é um grande cultor da prova no âmbito do processo administrativo tributário. Geralmente, os casos em que a apreciação probatória é mais complexa, há maior reflexão e debates por parte da Turma. Muitos casos necessitam de uma atenção particular, por peculiaridades que não são observáveis em outros.
Assim, desde que passei a atuar como conselheiro, alguns casos de compensação demandaram maior atenção à questão da comprovação do direito líquido e certo do contribuinte. Há uma tênue linha entre o reconhecimento desses, e por vezes, há convencimento pelo reconhecimento do direito creditório e – em alguns casos – há dúvidas sobre a necessidade/conveniência/possibilidade de converter o julgamento em diligência para obter maior informação útil ao deslinde do caso.
Nessas situações, geralmente tenho identificado maior dificuldade para demarcação do limite entre o julgamento e a conversão em diligência, o que sempre depende do material probante trazido aos autos – mas também à interpretação dos mesmos enquanto suficientes ou não para provar o direito creditório diante do Carf.
Outros casos de exclusão do Simples Nacional em face de atividades proibidas também demandaram maior reflexão e debates. Assim, usualmente, esses têm sido os casos de maior discussão são as “zonas cinzentas” e que demandam reflexão e debates caso a caso nos julgamentos do Carf.
O que posso antecipar é que sempre há uma diligência e cuidado muito grande por parte da Turma da qual participo com a apreciação da prova – seja para confirmar ou não o crédito tributário em favor do contribuinte.
Qual foi o caso em que a decisão teve mais força para pacificar uma discussão?
Creio que alguns casos geralmente ligados à questão probatória apresentaram maior discussão. Ainda, recordo de algumas situações acerca da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio e a apreciação probatória dos mesmos, que foram precedidas por uma apreciação muito diligente do conteúdo probante antes de formar convicção favorável por parte da Turma.
Outros casos também foram interessantes e poderiam ser mencionados, por exemplo, sobre a exclusão ou não de sócio por responsabilidade solidária em situações como omissão de receitas, entre outros similares.
Por fim, lembro também de uma posição que tenho mantido sobre a possibilidade da compensação como meio de denúncia espontânea, que não é matéria pacífica na Turma, já que o tema ainda insurge muitas reflexões e interessantes debates (prova disso é que o tema chegou até mesmo a ser proposta de súmula recente para afastar a possibilidade de utilização de compensação para denúncia espontânea, mas que acabou rejeitada).
Qual foi o caso mais marcante em que você foi voto vencido?
Penso que os casos em que há a “zona cinzenta” relativa à apreciação probatória é que foram especialmente impactantes para mim, justamente por demandarem especial reflexão e debates e, por vezes, mantenho convicção com a maioria e, por vezes, não.
Geralmente, algumas situações em que votei inicialmente pela diligência quando a maioria votou pelo julgamento da lide, por exemplo, para verificação do direito creditório, estão entre alguns casos que até o presente momento me instigam à reflexão e ao aprendizado nos trabalhos do Carf.
Qual é a discussão que adoraria ter a oportunidade de participar como julgador?
Gostaria de participar de mais casos a respeito da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, pois tem sido um tema de estudo ao qual me dediquei há alguns anos e sigo interessado no tema. A visão prática trazida pelo julgamento, e os debates que se desenvolvem através dele, em minha opinião, são muito enriquecedores para formar minha posição acerca desse tema. Por isso gostaria de participar de mais julgamentos sobre o tema, o que certamente acontecerá no futuro próximo.
Espero também que, com o retorno dos julgamentos presenciais e o futuro fim do limite do valor de alçada, mais novos casos de maior complexidade possam ser apreciados, debatidos e julgados pelo Carf.
Também tenho interesse em casos de planejamento tributário – e evasão tributária – por serem temas que estudo há alguns anos. Enfim, casos ligados à tributação da renda (IRPJ e CSLL) sempre tem o potencial de apresentar novas questões ou problemas instigantes que nos motivam a continuar estudando.
Qual é o papel do Estado e do seu trabalho como conselheiro no desenvolvimento da nação?
Entendo que o papel do Estado, considerando sua própria organização administrativa e política, serve ao povo, pois dele advém suas prerrogativas. Logo, o Estado tem a missão de especialmente promover o bem-estar geral e garantir direitos fundamentais, como saúde, educação, etc.
De forma geral, penso que o Estado deve atuar dentro dos objetivos e fundamentos constitucionais, estabelecidos nos primeiros artigos da Carta Magna, assim como na busca pelo melhor resguardo dos direitos fundamentais, em suas diferentes dimensões, pois naturais termômetros para medir o quão desenvolvido um país pode ser.
Enquanto conselheiro, entendo que meu papel é importante para possibilitar um julgamento técnico, objetivo e de acordo com o direito tributário atualmente vigente e, não raras vezes, evitando que um processo tributário alcance a esfera judicial gerando custos e despesas para ambos os lados do litígio. Em síntese, atuar com eficiência, qualidade e probidade no julgamento de lides administrativas.
A importância da atuação do Carf – e de seus conselheiros – tem sido refletida inclusive em decisões judiciais que não raramente atentam para a decisão administrativa anterior dada pelo Conselho sobre o mesmo caso.
No Brasil, diferente de outros países, nunca houve um Tribunal Tributário Judicial, isto é, uma “vara tributária”. Quase tivemos um vislumbre de um Tribunal Judicial Tributário nos debates da Constituinte que levou à promulgação da Constituição de 1988, mas que nunca se concretizou, infelizmente.
Por outro lado, na esfera administrativa, o Brasil possui importante e reconhecida tradição histórica em diferentes níveis federativos, nos quais os “tribunais ou conselhos administrativos” sempre se destacaram por contribuir para o aperfeiçoamento das relações tributárias e à busca pela justiça tributária.
Nesse sentido, entendo que o Carf mantém esse legado de serviço público eficiente em prol do país de forma muito sólida, seja pela atuação dos servidores que compõem a organização administrativa e institucional do Carf, seja pelos seus próprios conselheiros, advindos dos quadros da Receita assim como de diversos setores da sociedade, enquanto representantes dos contribuintes.
Quais julgamentos e decisões de que você não participou como julgador marcaram sua vida profissional até hoje?
Ainda considero cedo para afirmar se alguma decisão de que eu deveria participar e não pude marcaram minha vida profissional. No momento, participei de todas as sessões – ordinárias e extraordinárias – desde minha posse enquanto conselheiro. Somando o fato de que exerço mandato há cerca de um ano, concluo que eu teria dificuldades para fazer essa avaliação neste momento.
Quem são as pessoas que te inspiram (pessoalmente e profissionalmente)?
Pessoalmente, meu pai e minha mãe. Acho que herdei um pouco das características de ambos. Da minha mãe, professora por vocação, herdei a paixão pelo magistério no ensino superior e, do meu pai, o hábito e a dedicação aos estudos contínuos. Assim, cada um deles foi essencial para minha postura acadêmica, ética e profissional atual.
Já na vida acadêmica e profissional, foram várias as minhas referências, seja enquanto advogados, pesquisadores, julgadores, colegas ou professores, de modo que não poderia citá-los todos para não correr o risco de ser injusto com algum deles.
Penso que a célebre expressão difundida por Isaac Newton, muito usada em trabalhos acadêmicos, aliás, cabe bem nessa passagem, aqui com algumas pontuais adaptações: se eu cheguei até aqui é porque me apoiei no ombro de gigantes.
É uma questão de ética e de humildade exercer a gratidão a quem nos apoiou e nos ajudou em algum momento de nossa trajetória. Por isso, exerço minha gratidão para com meus professores, orientadores, supervisores, coordenadores de grupos de estudo e de pesquisa dos quais participei, ex-chefes e colegas de trabalho, entre outros, pois cada qual contribuiu para meu crescimento acadêmico e profissional de alguma forma.
Quais são os livros e referências que não saem de cima da sua mesa?
No campo do direito tributário, que é o que mais nos interessa, existem várias obras e referências que considero importantes para o labor do tributarista. São vários livros, capítulos de livros, prefácios, artigos ou outros trabalhos que influenciaram minha formação, mesmo que pela crítica ou discordância aos fundamentos adotados em algumas dessas obras.
Nesse sentido, poderia citar como algumas importantes referências de estudo: Enno Becker, Kurt Ball, Hans Nawiasky, Ernst Blumenstein, Achille Donato Giannini, Enrico Allorio, Benvenuto Griziotti, Ezio Vanoni, Albert Hensel, Mario Puglièse, Giorgio Tesoro, Tullio Ascarelli, Louis Trotabas, François Geny, Fritz Neumark, Maurice Lauré, Carl Shoup, Dino Jarach, Giuliani Fonrouge, Antonio Berliri, Victor Uckmar, Ramón Valdés Costa, Fernando Sainz de Bujanda, Rubens Gomes de Sousa, João Martins de Oliveira, Gerson Augusto da Silva, Fábio Fanucchi, Tito Rezende, Gilberto Ulhôa Canto, Amílcar de Araújo Falcão, Aliomar Baleeiro, Ruy Barbosa Nogueira, Alfredo Augusto Becker, Brandão Machado, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Wilhelm Kruse, Klaus Tipke, Roque Antonio Carrazza, Ricardo Lobo Torres, Bernardo Ribeiro de Moraes, Marco Aurélio Greco, Klaus Vogel, Antonio R. Sampaio Dória, Carlos Alberto A. Carvalho Pinto, Hugo de Brito Machado, Aires Barreto, Dejalma Campos, Marçal Justen Filho, José Eduardo Soares de Melo, José Souto Maior Borges, Luciano Amaro, Ives Gandra Martins, Misabel Derzi, Sacha Calmon Navarro Coelho, Eduardo M. Ferreira Jardim, Bulhões Pedreira, Henry Tilbery, Edvaldo Brito, Gerd Willi Rothmann, Paulo Celso Bergstrom Bonilha, Raimundo Bezerra Falcão, Johnson Barbosa Nogueira, Adilson Rodrigues Pires, Flávio Bauer Novelli, Alcides Jorge Costa e Ricardo Mariz de Oliveira.
Encerro por aqui, mas ciente de que, com certeza, faltaram nomes importantes nessa lista, motivo pelo qual já me desculpo de antemão. Assim como outros grandes autores e professores com atuação inicial relativamente mais recente, isto é, com produção ou atuação inicial nos últimos trinta anos nos principais centros de estudos jurídicos tributários no Brasil e no exterior.