A 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3) condenou uma empresa do agronegócio a indenizar um ex-funcionário por assédio eleitoral. Após as eleições de 2022, o dono da empresa, que é apoiador de Jair Bolsonaro, abriu uma live e afirmou que “os empresários teriam que se unir para resolver a situação” e que “ia destruir a vida dos petistas”. Segundo testemunhas, após o ocorrido, tiveram demissões focadas nos funcionários “que haviam se manifestado favoravelmente ao PT”.
O funcionário solicitou à Justiça indenização por danos morais após ter sido dispensado da empresa Agro10x, ao final das eleições de 2022, por motivo supostamente político. Testemunhas do ex-empregado afirmaram que se sentiram coagidas a votar em Bolsonaro, que era necessário que os empregados defendessem o “agro” e que, se falassem alguma coisa relacionada ao PT, sofriam discriminação e rebaixamento.
Segundo depoimentos, os gestores defendiam a candidatura de Bolsonaro “porque ele iria manter a situação favorável para o agronegócio, dizendo que a empresa estava ameaçada caso o PT ganhasse, porque aí viria o MST, que atingiria diretamente as fazendas clientes”.
As testemunhas narraram que, após o resultado das eleições, o empresário fez uma live em que afirmou que “ia destruir a vida dos petistas” e que iria chegar na empresa e falar “quem estiver comigo, vai estar comigo, quem não estiver, iria dar tchau e obrigado”. Explicaram que o perfil do empresário era pessoal, mas muito vinculado à empresa. Ele ainda teria afirmado que o resultado seria uma tragédia e que “os empresários teriam que se unir para resolver a situação” e “teriam que se juntar para acabar com a vida dos petistas”.
No depoimento, um trabalhador relatou que estava em uma sala com o empresário quando foi questionado se já havia escolhido um candidato. Afirmou que se sentiu reprimido com a pergunta e respondeu que não iria votar porque não teria transferido o título para a cidade em que estava. Então o empresário sugeriu que ele votasse em Bolsonaro e se ofereceu para levar o empregado até a outra cidade, a 200 km de distância, para que ele não deixasse de votar.
As testemunhas afirmaram que, após as eleições, “começou a haver demissões focadas nas pessoas que haviam se manifestado favoravelmente ao PT”.
Uma das testemunhas da empresa declarou que o empresário nunca pediu, em grupos do WhatsApp, votos para Bolsonaro. Afirmou que as pessoas que foram desligadas “não tinham boa performance”. Outra testemunha ouvida disse no depoimento que não se sentiu ofendida com a live, mas que ficou preocupada com sua permanência na empresa.
“Frustração com resultado”
Em 1ª instância, não foi concedida a indenização ao ex-empregado. O juiz Celso Alves Magalhães, da 5ª Vara do Trabalho de Uberlândia, entendeu que a live e outras mensagens foram postadas na página pessoal do empresário “para todas as pessoas do convívio social e não direcionadas de maneira específica aos empregados”.
Para o magistrado, “a live realizada no perfil pessoal do proprietário da reclamada, na verdade, demonstra a sua frustração com o resultado eleitoral e foi realizada de forma momentânea no desenrolar dos acontecimentos, tendo inclusive posteriormente pedido desculpa ao seu time de visão política contrária”.
O ex-funcionário, no entanto, entrou com recurso.
Assédio eleitoral
Ao analisar o caso, o relator, Ricardo Marcelo Silva, afirmou que manteria a sentença, porém a maioria da 10ª Turma TRT3 divergiu e entendeu que foi configurado o assédio eleitoral. Para os desembargadores Marcus Moura Ferreira e Taísa Maria Macena de Lima, foi “sobejamente comprovado o assédio, já que até mesmo a 2ª testemunha da reclamada relata um ambiente de intimidação e a preocupação de perder o emprego em virtude de seu posicionamento político”.
A maioria da Turma concordou que, mesmo que a testemunha do empresário não tenha sido dispensada, para a configuração do assédio eleitoral basta “a conduta sistemática de induzir o trabalhador a votar e determinado candidato e promover, assim, um ambiente pautado pela ameaça do desemprego”.
Com relação à live, os desembargadores entenderam que há confusão entre a vida profissional e pessoal no perfil do empresário na rede social, um indicativo disso seria o “nome de usuário por ele escolhido, que mistura seu nome próprio ao da empresa”. “Além disso, a rede social permite amplo controle sobre quem pode ser admitido como seguidor. Logo, se o empregador admite funcionários como seguidores, ainda que em perfil privado, e nele posta mensagens de teor político, ele sabe que atingirá também essas pessoas, e não somente aquelas do seu convívio pessoal mais estrito”, observaram.
Para os magistrados, “se o meio de comunicação eleito foi eficiente para fazer chegar tal mensagem aos funcionários da empresa, o recado, como se diz popularmente, está dado, importando mais o teor intimidatório da publicação que o veículo de transmissão propriamente dito”. A empresa foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil.
Em nota, a defesa da empresa Agro10X, feita pela banca Cerizze, afirmou que outras reclamações ajuizadas contra a empresa “tiveram sentença de improcedência para o pedido de assédio eleitoral, por ausência de conduta que constitua abuso de direito praticado pela empresa, inexistindo, em nenhum dos processos, a utilização de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em candidato ou partido específico”.
Disse ainda que o “resultado do julgamento do caso em análise se deu por maioria, e não por unanimidade, o que revela a alta controvérsia sobre o tema”. “Desta feita, o presente julgamento não exprime o entendimento do Tribunal Regional da 3a Região, mas apenas de parte de uma Turma específica desta Corte”, concluiu.
O processo tramita com o número 0010194-36.2023.5.03.0134.