O juiz Rodrigo Cesar Fernandes Marinho, da 8ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, extinguiu uma disputa judicial sobre fabricação de anticorpos imunoterápicos entre a Recepta Biopharma (ReceptaBio) e a Agenus por falta de jurisdição brasileira. O contrato entre as partes é regido pela lei de Nova York, com pagamento em moeda estrangeira.
Tratava-se de um pedido da ReceptaBio para dissolver um acordo de cooperação para desenvolver anticorpos imunoterápicos por inadimplemento da Agenus. O magistrado entendeu que, pelo princípio da efetividade, a ação deveria ser julgada nos Estados Unidos, onde fica a sede da companhia, e não no Brasil.
Ao ingressar com a ação, a empresa de biotecnologia brasileira argumentou que a companhia não cumpriu a obrigação, prevista em contrato, de fornecer dados detalhados sobre ensaios clínicos, protocolos regulatórios e processos de produção dos imunoterápicos em outros países. Também apontou pressão para que desistisse de direitos econômicos.
Cabia à Agenus a responsabilidade de gerar esforços comercialmente razoáveis para desenvolver, fabricar e vender os fármacos e enviar à ReceptaBio os dados para registro e fornecimento deles no Brasil e em cinco países da América Latina. A empresa brasileira deveria bancar os estudos clínicos no país.
A empresa brasileira assegura ainda que cumpriu sua parte no acordo, enquanto a Agenus teria redirecionado recursos e esforços, que antes eram usados no projeto, no desenvolvimento de compostos substitutos, de idêntica função, mas que não estava no contrato. Por isso, solicitava que a Justiça declarasse que ela cumpriu sua parte e que o contrato fosse desfeito por inadimplemento substancial.
Em sua defesa, a Agenus alegou que a aprovação anterior de droga desenvolvida para a mesma finalidade pela empresa concorrente tornou inviável prosseguir com a tentativa de registro na agência reguladora do seu país e na Anvisa. Também dizia que moveu o processo contra a Recepta pela Justiça de Nova York e argumentava ausência de jurisdição da Justiça Brasileira na causa.
Análise do caso
Ao julgar o caso, o juiz entendeu que, mesmo que fosse reconhecida a jurisdição brasileira, isso “não resistiria à análise da conveniência para as partes envolvidas, incluindo a maior facilidade à produção de provas e, sobretudo, a efetividade e executoriedade”.
E acrescenta: “Ora, o contrato foi celebrado em idioma estrangeiro, envolve um número maior de partes estrangeiras e é regido pela lei de Nova York. Prevê, ainda, o pagamento em moeda estrangeira, sendo que eventual condenação ao pagamento de indenização e transferência de tecnologia somente poderia ser executada em outro Estado soberano”.
Marinho cita o artigo 21 do Código de Processo Civil, que estabelece que é de competência da Justiça brasileira julgar os casos em que a empresa condenada tiver residência no Brasil, quando as obrigações terão de ser cumpridas no país ou quando o ato praticado aconteceu no Brasil.
Em entrevista ao JOTA, André Abbud, responsável pela defesa da Agenus e sócio da área de Solução de Conflitos do BMA Advogados, destaca que a decisão é importante, porque, apesar de existirem doutrinas e textos sobre o princípio da efetividade, é raro encontrar precedentes. “Há muito pouca jurisprudência no Brasil”, afirma. “Não se articula esse princípio da efetividade”.
Segundo o advogado, o melhor para as empresas é incluir uma regra de eleição de foro no contrato. “Se as partes tivessem estabelecido um foro no contrato, tanto a Justiça brasileira quanto a estrangeira reconheceriam o acordo”, observa.
Abbud explica ainda que, durante a escolha de um foro, o melhor critério seria usar elementos de conexão entre o contrato e o foro. “Se a maior parte das obrigações devem ser cumpridas nos EUA, faria sentido eleger o foro dos EUA para a resolução”, afirma. “Quando as partes não confiam no Judiciário de nenhum dos dois países, o comum em contrato internacional é a arbitragem“, acrescenta.
O advogado observa que o caso é prova do risco de não se escolher um foro no contrato. “Tiveram que enfrentar uma discussão onerosa e custosa em dois países diferentes porque deixaram de prever uma regra sobre isso no contrato”, conclui.
O JOTA tentou o contato com a defesa da ReceptaBio, mas não teve sucesso.