O Ministério da Saúde deve publicar nesta semana semana uma portaria para regulamentar a telemedicina no país, de acordo com informações obtidas pelo JOTA.
A saída do Brasil da situação de emergência sanitária da Covid-19, oficializada pelo Ministério da Saúde no fim de abril, deixou uma lacuna para a telessaúde – a lei que a autorizava em caráter excepcional enquanto durasse a pandemia deixa de valer no fim deste mês, quando termina o prazo de transição para o fim da crise.
Com uma legislação definitiva ainda pendente de aprovação no Senado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou uma nova resolução sobre o tema – válida apenas para a conduta médica, evidentemente. Para suprir a lacuna, o Ministério prepara uma portaria que deve incluir outras categorias e o sistema como um todo. Esse texto já existe e deve ser publicado nesta semana.
Divulgada há duas semanas, a Resolução CFM 2.314/2022 substituiu a normativa anterior, de 2002, que vedava a telemedicina. Na prática, ela dá ao médico autonomia para decidir se optará pelo atendimento presencial ou à distância – incluindo consulta, diagnóstico e cirurgia robótica, entre outras modalidades.
O texto deixa claro que a consulta presencial é o “padrão ouro de referência para as consultas médicas, sendo a telemedicina ato complementar”. Alvo de embates quando o CFM tentou disciplinar o tema pela primeira vez, em 2018, a obrigação de que a primeira consulta seja presencial foi flexibilizada: o primeiro contato poderá ser virtual.
“Nesse aspecto, o texto ainda não é bom ao prever que se deve dar seguimento ao acompanhamento com consulta médica presencial. Em paciente com doença de baixa complexidade, tratada de forma remota, será preciso ter contato pessoal sem necessidade apenas para cumprir esse trecho. Ele próprio não vai comparecer. Em muitos casos, será uma exigência inócua”, avalia Antonio Carlos Endrigo, diretor da Associação Paulista de Medicina (APM).
Na perspectiva dele, também retiraria a autonomia médica sobre a avaliação da modalidade mais adequada a previsão de que, nos atendimentos de doenças crônicas, deve ser realizada consulta presencial com intervalo máximo de 180 dias. “O texto já é bem claro em responsabilizar o médico pela avaliação de riscos, então deve dar autonomia para decidir sobre essa frequência”, afirma Endrigo.
As empresas que prestam serviço de telemedicina devem ter sede no Brasil, inscritas no Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado onde estão – isto é, para atender pacientes que morem em outro local, o médico poderá ter o registro apenas onde é baseado e só comunicar à entidade que opta pela telemedicina. A apuração de infrações éticas será feita pelo CRM do estado do paciente, mas julgada pelo do médico.
Apesar de publicada antes da lei, a resolução buscou se adequar ao PL aprovado na Câmara. “A resolução está pronta há certo tempo, mas esperamos para resolver os principais pontos, como a primeira consulta e a territorialidade, de acordo com o que deve ser a lei”, diz Donizetti Dimer Giamberardino, relator da resolução no CFM.
“Tem que entender que é uma coisa dinâmica. Liberamos a primeira consulta, mas a mensagem da resolução é que precisa haver cautela, porque o médico responderá da mesma forma nos casos de atendimento presencial ou à distância”, afirma. O prazo de 180 dias no caso de doenças crônicas seria uma forma de evitar que não haja acompanhamento presencial em nenhum momento.
No evento em que colocou um ponto final na emergência de saúde, o ministro Marcelo Queiroga afirmou que poderia editar uma nova portaria sobre a telemedicina, uma vez que o Projeto de Lei 1998/2020 fosse aprovado pela Câmara dos Deputados e enquanto o Senado analisasse a proposta.
Dias mais tarde, o substitutivo do PL foi aprovado, abrangendo todas as profissões da área da saúde regulamentadas. Assim como na resolução do CFM, é garantida a dispensa de inscrição secundária ou complementar do profissional de saúde que atuar em outra jurisdição por meio da telemedicina. E é obrigatório o registro nos CRMs de empresas intermediadoras desse serviço.
A proposta seguiu para análise do Senado, mas ainda não foi atribuído relator ou relatora. Aprovado com amplo acordo na Câmara, após o relator, deputado Pedro Vilela (PSDB-AL), acolher diversas das emendas apresentadas, o texto não desperta grandes divergências que poderiam estender as discussões. Mas a possibilidade de que o tema possa demorar a ser pautado mobilizou a resolução médica e, agora, a edição de portaria pelo governo.
“Temos a expectativa de que o Senado mantenha o texto da Câmara, principalmente no que diz respeito à primeira consulta e territorialidade. Nas discussões na Câmara conseguimos acordo com o CFM, Ministério da Saúde e parte da oposição quanto a esses temas. Por isso, a tendência é que o texto seja mantido”, afirma a deputada Adriana Ventura (Novo)
Segundo proposta de portaria que circula no Ministério, e que o JOTA PRO Saúde teve acesso, a portaria deve falar em telessaúde – em linha com o PL e que gera preocupação do CFM por não delimitar as competências legais de cada profissão.
Pela portaria, a interação à distância pode contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, de monitoramento, de diagnóstico e de cirurgia no âmbito do SUS e da saúde suplementar. No caso dessa última, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) poderá estabelecer diretrizes complementares.
Entrou em debate a possibilidade de que os profissionais estejam inscritos em conselhos da jurisdição em que atendem, mas a versão mais recente é de que será dispensada a inscrição secundário para o atendimento exclusivo de telessaúde, no mesmo sentido do PL e da resolução médica.
Também é discutida a inclusão de trecho para prever a liberdade e a independência médicas sobre telessaúde desde a primeira consulta, atendimento ou procedimento, nos moldes do PL aprovado na Câmara e diferentemente da resolução do CFM, que fala na continuidade com acompanhamento presencial. Outro trecho replicado do projeto é a necessidade de haver consentimento do paciente para tratamento remoto.
Além dos pontos em comum com o PL, a portaria que é gestada pode disciplinar sobre a observação de normas do Ministério da Saúde relativas à notificação compulsória de doenças e outros agravos à saúde, e a necessidade de cadastros dos estabelecimentos de saúde que praticam telessaúde nos sistemas da pasta.
O Ministério informou, via assessoria de imprensa, que ainda não tem previsão de publicação para a portaria. Ainda, na eventualidade da aprovação do PL no Senado com mudanças, o texto ministerial poderá ser atualizado no futuro, sobretudo se houver na lei a condicionante de regulamentação por portaria específica.