Mateus Vargas

A Procuradoria da República no Distrito Federal considera que o Ministério da Saúde mudou as regras de processos de compra de medicamentos para doenças raras, com eles em pleno andamento. A procuradora Luciana Loureiro Oliveira busca elementos para oferecer uma ação por improbidade administrativa sobre estes casos.
Há no ministério um imbróglio envolvendo fabricantes e distribuidoras para a venda de medicamentos usados para tratamento de doenças raras. O fornecimento destas drogas, que não são disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é determinado pela Justiça.
O governo selecionou, em editais abertos a partir de outubro, empresas que não cumpriram exigências sanitárias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por este motivo, alguns processos de distribuição estão suspensos.
Em um dos casos, a empresa Tuttopharma LLC, que acumula contratos (<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/03/extratos_tuttopharma_atualizacao-3.pdf">extratos</a>) de mais de R$ 87 milhões, <a href="https://www.jota.info/saude/saude-faz-compra-emergencial-mas-mantem-contrato-com-tuttopharma-27032018">teria apresentado documentos falsos à Anvisa</a> no pedido de licença de importação.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), <a href="https://www.jota.info/saude/ministro-da-saude-reconhece-incoerencia-em-editais-de-compra-de-medicamentos-21032018">pressiona</a> a Anvisa para dispensar as exigências e fornecer a licença de importação à empresa.  A agência reguladora <a href="https://www.jota.info/saude/jeitinho-para-compra-de-medicamentos-coloca-anvisa-em-risco-diz-presidente-21032018">afirma</a> que os documentos são essenciais para evitar a entrada de lotes falsos das drogas.
Luciana declara, no entanto, que os editais de tomada de preços já faziam exigências sanitárias <a href="https://www.jota.info/saude/ricardo-barros-faz-cruzada-contra-exigencia-do-proprio-ministerio-da-saude-13032018">que o ministro agora quer derrubar</a>. A cobrança que causa maior polêmica é a Declaração do Detentor do Registro (DDR). Trata-se de aval concedido por empresas que possuem o registro de uma droga a importadoras.
MP faz novas recomendações
Luciana Oliveira instaurou dois novos procedimentos preparatórios sobre sobre a distribuição de medicamentos de alto custo. Ela pede que o governo anule contratos com a Tuttopharma LLC e Global Gestão e Saúde S. A. Leia as recomendações:
<ul>
<li><a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/03/recomendacao-09-2018-dlog_minis-da-saude-global-e-shire-elaprase-pp-591_2018-37.pdf">distribuição de Elaprase</a></li>
<li><a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/03/recomendacao-10-2018-dlog_minis-da-saude-tuttopharma-e-alexion-soliris-pp-594_2018-71.pdf">distribuição de Soliris</a></li>
</ul>
Ação civil 
A procuradora também disse ao JOTA que irá retirar a <a href="http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acp-ms-e-global" target="_blank" rel="noopener">proposta de ação civil pública</a> que tinha como objetivo desclassificar a Global Gestão e Saúde S/A de contratos para garantir a distribuição imediata dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme. Luciana declara ter sido surpreendida com <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2018/03/medicamentos-alto-custo-desabastecimento-pje-1.pdf" target="_blank" rel="noopener">decisão</a> do juiz federal substituto Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara Federal do Distrito Federal - que recusou desclassificar a Global de editais com o Ministério da Saúde para compra de medicamentos com base na proposta de ação civil da procuradora.
Além de manter o contrato, Spanholo determinou a liberação da licença de importação ao Ministério da Saúde e à Global. Também concedeu 15 dias para o MP ampliar o objeto da ação, “para abarcar também todos os demais medicamentos órfãos”, segundo o juiz.
Luciana afirma que ampliar a ação seria um “tiro no pé”, pois poderia levar à liberação de licenças de importação de outras empresas sem registros. Os casos,<a href="https://www.jota.info/saude/ministro-da-saude-reconhece-incoerencia-em-editais-de-compra-de-medicamentos-21032018"> resumidos neste texto</a>, somam pelo menos R$ 250 milhões em contratos.
A decisão do juiz, segundo Luciana, “é exatamente o contrário do que a gente quer”.
Outras ações
Luciana já pediu ingresso em outras ações para defender as exigências sanitárias da Anvisa, como a DDR. Na Justiça, a Shire disputa com a Global o contrato de R$ 38,2 milhões pela distribuição do Elaprase.
A procuradora também deve intervir no<a href="https://www.jota.info/saude/sob-risco-de-prisao-anvisa-vai-liberar-importacao-de-r-20-mi-em-medicamentos-19032018"> processo</a> em que o desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), determinou pena de prisão a Jarbas Barbosa, caso não fosse liberada a licença de importação à Global. Após a decisão, a Anvisa liberou as licenças à empresa.
Pagamento antecipado à Global
A procuradora afirma que é injustificável o pagamento antecipado de R$ 20 milhões à Global na compra de Aldurazyme, Fabrazyme, Myozyme. Segundo Luciana, esta modalidade de pagamento só deve ocorrer quando for a única alternativa para obtenção do medicamento, segundo interpretação do Tribunal de Contas da União (TCU).
A Global alega que esta forma de pagamento desonera custos. Também ressalta que o valor antecipado estava na proposta aceita pelo ao governo.
O Ministério da Saúde diz, em nota, que a base para justificar o pagamento antecipado é o art. 26 da Lei de Licitações (8.666/1993), “onde o adiantamento de recursos é feito por caracterizar situação de emergência”.
A pasta também cita o Acórdão 276/2012 (1º Câmara) e o Acórdão 158/2015 (Plenário), ambos do TCU, em interpretação distinta daquela apresentada pela procuradora.
Representantes da indústria disseram ao JOTA que causa estranheza o pagamento antes de a empresa apresentar a licença de importação.
Modelo de negócio
A Global alega que não é uma distribuidora. Assim, não precisaria de documentos como a Autorização de Funcionamento (AFE), concedida pela Anvisa, além da DDR. A empresa justifica que atua no mercado de PBM (Pharmacy Benefit Management). E diz que controla empresas que apresentam exigências sanitárias.
O argumento não convenceu a procuradora Luciana. “O modelo pode funcionar em outras áreas, na nossa visão. Mas não para a saúde. A empresa tem de cumprir exigências da Anvisa”, afirmou a procuradora.
O presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, disse que a Global “pode ser o que quiser”, desde que apresente documentos que comprovem a segurança na carga que será distribuída. “Senão eu abro um bar e venço uma licitação para distribuir medicamentos”, disse Jarbas.
Resumo do imbróglio
Abaixo, resumo dos principais casos de disputas envolvendo fabricantes e distribuidoras em contratos com o Ministério da Saúde para a liberação de medicamentos usados por pacientes de doenças raras:
<ul>
<li>Soliris: a Tuttopharma LLC, contratada por R$ 84,08 milhões, pode ter apresentado <a href="https://www.jota.info/saude/anvisa-contratada-por-r-84-mi-pela-saude-pode-ter-apresentado-registro-falso-01032018">documento falso</a>. Com a compra travada, o ministério escolheu a Multicare, credenciada pela fabricante Alexion, para distribuir o mesmo número de frascos por R$ 87,45 milhões. A Tuttopharma pediu anulação da nova compra, <a href="https://www.jota.info/saude/saude-faz-compra-emergencial-mas-mantem-contrato-com-tuttopharma-27032018">mas o recurso foi negado</a>. O desabastecimento da droga se agravou em meados de 2017. O MP recomenda anulação dos contratos com a empresa Tuttopharma.</li>
<li>Aldurazyme, Fabrazyme, Myozyme: a Global Gestão em Saúde S. A. já recebeu R$ 20 milhões para a compra dos três medicamentos, conforme proposta aceita pelo ministério. A Anvisa decidiu em 19 de março liberar a importação sem apresentação da DDR, após desembargador do TRF1 <a href="https://www.jota.info/saude/sob-risco-de-prisao-anvisa-vai-liberar-importacao-de-r-20-mi-em-medicamentos-19032018">citar possível prisão do presidente da autarquia</a>. Assim como no caso do Soliris, o governo fez compra complementar das drogas, desta vez com a Sanofi Genzyme. A Global pediu a suspensão, mas os medicamentos já haviam sido entregues ao governo pela fabricante.</li>
<li> Elaprase: o governo fez uma compra de R$ 38,2 milhões do medicamento com a Global. O valor deveria ter sido adiantado à empresa, medida que está sendo cobrada do ministério pela contratada. A fabricante Shire pede na Justiça anulação do contrato. A compra está pendente por falta do documento de aval da fabricante à Global. O MP recomenda rompimento do contrato com a Global.</li>
</ul>
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JOTA

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