Relações governamentais

Regulamentação do lobby traria legitimidade à profissão, diz presidente da Abrig

Segundo Carolina Venuto, houve desmistificação da profissão após a pandemia. ‘A atividade foi difundida’, disse

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Presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Carolina Venuto / Crédito: Divulgação

A pandemia de covid-19 deixou marcas para além da saúde pública no Brasil. Um dos setores que sentiu esse impacto foi o de relações institucionais e governamentais, também conhecido como lobby. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Carolina Venuto, o período deixou claro a relevância desse profissional.

“A atividade foi difundida. Quem não queria se relacionar com o poder não teve outra alternativa, e o próprio poder público passou a nos procurar e a nos ver com outro olhar, com esse olhar realmente de facilitador. Um olhar de conhecedor da política pública, um olhar de o agente capaz de construir pontes”, diz.

Ao fim de seu segundo mandato consecutivo na presidência da entidade, Venuto avalia a evolução da profissão desde que iniciou na carreira, há 15 anos. Para ela, especialmente após a pandemia, houve um pouco da desmistificação desse profissional. “Na pandemia, ficou bem claro que sem esse profissional, conhecer o Estado brasileiro era algo extremamente complexo e esse profissional foi fundamental para desmistificar.”

Ao JOTA, ela também falou sobre a necessidade de regulamentação da profissão e sobre como é ser mulher em um ambiente majoritariamente masculino. “Tenho convicção de que se a gente tivesse uma lei que dispusesse de formas claras quais são as prerrogativas, isso me traria um conforto e uma legitimidade maior”, diz. A entidade defende uma regulamentação que preserve o acesso aos locais de tomada de decisão, mas também preserve a pluralidade de participação e não imponha burocracias que tornem a atividade excessivamente onerosa.

Leia trechos da entrevista.

Há 15 anos não era tão comum especialização em relações institucionais. Como iniciou a sua trajetória?

Fiz Direito, mas sempre me senti um pouco deslocada porque eu nunca fui do contencioso, sou uma pessoa do consenso. Comecei a procurar o que eu poderia fazer com o Direito, que poderia ser interessante. Naquela época, isso há quase 15 anos, não tínhamos os braços do Direito que já são bem estabelecidos, de conciliação, de arbitragem, métodos extrajudiciais de resolução de conflitos. E aí, foi quase que naturalmente morando em Brasília, entendi que o Legislativo e o Executivo eram outros braços importantes de atuação para um advogado. Entrei no Ministério da Justiça, fui assessora parlamentar à época e aí conheci o que era essa formulação de interesses para políticas públicas. E me apaixonei pela área. Ali, eu conseguia aproveitar o conhecimento que eu tinha do mundo do Direito e construir consensos. A partir daí, eu, como boa advogada que sou, logo fui procurar uma associação, uma entidade de classe que me reconhecesse e garantisse as prerrogativas desses profissionais que atuam na área. Foi por isso que entrei na Abrig. Sempre busquei me engajar muito, então fui diretora de capacitação, coordenadora do Comitê Jovens, depois fui coordenadora do Comitê de Mulheres e, há quatro anos, me tornei presidente e estou encerrando os dois mandatos consecutivos como presidente neste final de ano.

Quais os principais desafios da carreira?

Recebo bastante essa pergunta. Primeiro, a falta de uma regulamentação da atuação é um grande desafio porque você fica sem moldura. É diferente, por exemplo, da advocacia que tem todo um estatuto que diz o que pode, o que não pode ser feito, quais são as prerrogativas e até onde eu posso ir. Hoje, a gente não tem, no país, uma lei que regulamenta essa atividade. Existem algumas leis que tocam os agentes que participam dessas atividades, em especial em matéria penal, e também na lei da administração pública. Esse é o principal desafio que vamos ter em desdobramentos como dificuldade de acesso às Casas e aos espaços de decisão. Hoje, a gente vive um novo momento dessa atuação. Eu tenho 38 anos e sou mulher, tenho um perfil bem diferente do que um cidadão comum imagina quando se fala num profissional de lobby, digamos assim, que é a palavra ainda reconhecida pela sociedade. Esse novo momento da atuação é muito importante, e essa profissionalização da área contribui muito para a ampliação do acesso.

O momento pós-pandemia também foi muito relevante, porque a atividade foi difundida. Quem não queria se relacionar com o poder não teve outra alternativa, e o próprio poder público passou a nos procurar e a nos ver com outro olhar, com esse olhar realmente de facilitador. Um olhar de conhecedor da política pública, um olhar de o agente capaz de construir pontes. E eu não poderia deixar de falar que um dos desafios, sem dúvida, por ser mulher é essa disparidade da ocupação dos espaços públicos por mulheres. Então, claro que quanto menos deputada mulher, ministra mulher, assessoras de alto calibre mulher, dificulta esse nosso convívio.

Eu ia perguntar justamente como é ser mulher nesse ambiente majoritariamente masculino…

Essa, inclusive, é uma das razões que a gente trabalha tanto pela regulamentação. Tenho convicção de que se a gente tivesse uma lei que dispusesse de formas claras quais são as prerrogativas, isso me traria um conforto e uma legitimidade maior quando eu estou no Congresso, ou estou solicitando uma reunião, ou quando eu estou no Executivo. Levamos bastante tempo para conquistar e ocupar esses espaços.

Como você vê a evolução da profissão nesse período?

O principal ganho, acho que não só para nós, profissionais, mas também para a sociedade, e para as matérias de decisão, foi a profissionalização da área. Posso dizer isso com conhecimento de causa, porque eu me formei em Direito em 2008, e só fui conseguir fazer um curso voltado especificamente para a área em 2015. É muito recente. Hoje, todas as grandes instituições de ensino possuem uma cadeira de capacitação na área. Inclusive, a Abrig incentiva e faz parceria com todas essas instituições. Não só para os nossos associados, mas para todos que investem nessa atividade possam e consigam se capacitar. Isso é um grande divisor de águas. Também temos cursos dentro da entidade. Ministramos cursos rápidos e fazemos certificações, que é o modo mais seguro de você fazer essa atividade. Então, acho que esse é o principal ganho, e eu atribuo esse ganho ao reconhecimento estatal dessa atividade.

Em 2016, o então Ministério do Trabalho reconheceu a atividade para nos incluir na classificação brasileira de ocupações. E depois da pandemia, houve um pouco da desmistificação desse profissional. Existia uma impressão falsa de que apenas grandes empresas exercem a atividade, ou aquela impressão de que o lobista é um homem que está cometendo uma infração. Na pandemia, ficou bem claro que sem esse profissional, conhecer o Estado brasileiro era algo extremamente complexo e esse profissional foi fundamental para desmistificar.

Qual modelo de regulamentação a Abrig defende?

Temos um estudo comparado de todos os modelos já apresentados nas democracias que realizaram a regulamentação, onde a gente destaca em especial o modelo norte-americano, o modelo chileno e o modelo europeu. E o modelo norte-americano, que é esse do cadastro obrigatório, já mostrou que, trazendo uma série de burocracias e de regras, é um modelo que leva as pessoas a atuarem à sombra, então o número de registrados diminuiu muito nos Estados Unidos com a burocratização dessa atividade e também você dificulta ainda mais o acesso. Agora, é importante pensar também que os Estados Unidos foram o primeiro país a ter uma regulamentação, então eles estão num momento muito mais avançado do que nós.

Diferentemente dos Estados Unidos, a União Europeia optou por um modelo em que ela incentiva os profissionais a serem transparentes, a emitirem manifestações e com incentivos que auxiliam na execução do trabalho. Isso se demonstrou muito positivo. E do outro lado, o Chile, que do nosso ponto de vista é um modelo, além de mais recente, mais próximo da nossa realidade. Eles fizeram uma coisa que foi muito interessante, que foi inverter o ônus da transparência. Ou seja, ao invés de eu, pessoa jurídica do setor privado, ter que montar um site, abastecer esse site com essas informações, ele inverte colocando a atribuição e a obrigação de fazer isso no poder público. Então é o poder público que tem que pedir ao profissional de mídia as informações necessárias para preencher o lugar onde vai ser colocada essas informações. No âmbito do Executivo já existe o E-Agenda, que a rigor é a plataforma do governo federal onde toda a sociedade deve solicitar reuniões e fornecer as informações necessárias. No âmbito do Legislativo, caso aprovado, o projeto se criará também, ou dentro do próprio site da Câmara do Senado, ou em novo site separado. Mas a responsabilidade de manter essas informações, tanto no custo operacional disso como na completude dessas informações, é do poder público.

A gente acredita que esse modelo é o mais compatível, não só para uma primeira regulamentação, que pode, claro, ser revisada paulatinamente, mas também para um país de uma proporção do nosso tamanho, de um país que precisa ter cada vez mais ampliado o seu acesso à democracia. Por isso, a gente entende que uma boa regulamentação preserva o acesso, mas também preserva a pluralidade de participação e não impõe burocracias que tornem essa atividade excessivamente onerosa.