Era previsível que o tema da revisão das metas de inflação viesse à tona no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Boa parte dos economistas ligados ao chefe do Planalto torce o nariz para os “ambiciosos” alvos estabelecidos nos últimos anos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), mas surpreendeu o surgimento do tema tão rapidamente e provocado diretamente por Lula, na entrevista à “Globonews”.
Isso quer dizer que uma decisão é iminente? Não necessariamente. Duas fontes do governo disseram ao JOTA que não há estudos sobre o assunto neste momento. A expressão “neste momento” importa, porque, em Brasília, os ventos podem mudar rapidamente. E a postura belicosa de Lula, aliada às críticas de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aos juros praticados no Brasil, são elementos que aumentam a incerteza sobre esse tópico.
Por outro lado, também é importante considerar que Lula ainda está no modo palanque e preocupado prioritariamente em manter animada sua base política em um país particularmente dividido, como pontuou o analista-chefe em São Paulo do JOTA, Fábio Zambeli, em comentário enviado aos assinantes pela manhã. E que Haddad indica ter outras prioridades, como o novo marco fiscal e a reforma tributária.
Formalmente, a definição da meta depende de três votos: de Haddad; do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; e da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
O Banco Central não acha boa ideia alterar seus alvos para o IPCA. A posição de Haddad é uma incógnita, embora em seu entorno haja diferentes opiniões sobre o assunto e o ministro seja bastante sensível ao que diz o seu chefe. A visão de Tebet também não é conhecida —esse tema não foi abordado em sua campanha presidencial—, mas sua equipe tem um grau de ortodoxia maior do que a da Fazenda, o que pode fazer pender a balança para o lado do BC. Por outro lado, ela é política e não se sabe como lidaria com um eventual comando de Lula.
Projeções de inflação
Atualmente, as projeções de inflação capturadas na pesquisa Focus para os próximos anos e também as embutidas nos preços de mercado estão todas acima das metas de 3,25% para este ano e 3% para os próximos dois anos. O CMN, pelo calendário normal, definiria a meta de 2026 em junho, mas a qualquer tempo o colegiado, em tese, pode fazer mudanças nos objetivos atualmente definidos.
Ex-diretor do Banco Central e chefe de macroeconomia da ASA Investments, Fabio Kanczuk, vê riscos, sim, de uma elevação da meta, mas não acredita que a probabilidade disso ocorrer seja alta. Ele aponta problemas para uma estratégia dessa natureza.
“Uma elevação da meta causaria automaticamente alta de magnitude similar nas expectativas de inflação. Nesse contexto, o Banco Central teria que reagir, elevando os juros nominais. Com isso, os ganhos para atividade econômica, que é a provável motivação do governo, desapareceriam”, disse. “Na prática terminaríamos em um mundo sem ganhos na atividade econômica e com inflação e juros maiores”, completou.
Ele destaca ainda que aumentariam os riscos de perda de credibilidade do Banco Central por uma eventual derrota na negociação dentro do CMN.
A economista Elena Landau, que coordenou a parte econômica da campanha presidencial de Simone Tebet, comenta que não vê como uma mudança de meta faria com que o BC reduzisse os juros em meio às pressões por mais gastos vindas das falas do próprio presidente da República.
“As taxas de juros não baixam por conta de incertezas sobre as contas públicas, que pioram a cada fala de Lula”, salientou. “Nem reoneração [tributária] ele permitiu, criou um ambiente de hostilidade com o BC, que deve ser independente, promete gastos que não cabem no orçamento, não permite cortar outros… o mais importante para baixar juros seria Lula mudar o discurso e deixar a Fazenda e o Planejamento trabalharem. Ele já ganhou de presente uma PEC de Transição, não ajuda ficar colocando lenha na fogueira”, completou Elena.
Estudo sobre o tema
Para o economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador associado do FGV Ibre, Braulio Borges, mudar a meta no atual contexto não seria uma “barbeiragem” como a animosidade de parte do mercado em torno do tema indicaria. Para ele, o erro foi o processo de redução de metas iniciado em 2019, colocando objetivos que não fazem sentido para a realidade brasileira. “A gente estaria corrigindo uma barbeiragem que foi feita lá em 2018”, comentou.
Borges também lembra que o mandato do BC, quando foi dado autonomia à autoridade monetária, não é só cumprir a meta de inflação, mas também tentar aproximar a economia do pleno emprego. “O mandato ampliado, ainda que secundário, significa que a calibragem da meta de inflação que consegue viabilizar a maior parte do tempo o BC consiga entregar a inflação na meta e manter a economia no pleno emprego”, salientou Borges, defendendo que quanto mais rápido uma decisão pelo CMN, melhor, pela redução da incerteza.
Borges cita outros economistas de corte mais ortodoxo, como Sergio Werlang e Aloísio Araújo, entre os defensores de uma meta mais elevada do que as atualmente definidas. Ele também menciona um estudo da MCM que aponta qual o nível a partir do qual a inflação começa a chamar a atenção da sociedade, apontando para um número que está acima das metas atuais.
“Nosso exercício sugere que o patamar de inflação a partir do qual aumenta o interesse dos agentes econômicos em geral é 3,7%, o que, interessantemente, não está muito distante da meta atual de inflação no Brasil nem das metas para o médio prazo. Patamares superiores a esse podem tornar a inflação mais resistente e dificultar o trabalho da política monetária, em particular se as taxas de inflação ficarem acima de 8,1%”, diz o estudo da MCM. “Desse ponto de vista, não surpreende que o atual processo inflacionário se apresente como de difícil combate, ainda mais se considerarmos que ele tem sido acompanhado do crescimento do risco fiscal”, aponta a consultoria.
Querendo ou não, Lula esquentou o debate sobre a meta de inflação. Até o momento, o ministro da Fazenda não se manifestou sobre o assunto, mantendo a incerteza no ar, que é o pior dos mundos para a economia. A ver os próximos passos do governo.