Gazeta do Povo

STF decide extinguir série de ações de juízes e promotores do PR contra jornalistas

Magistrados e promotores processaram, de forma coordenada, repórteres da Gazeta do Povo em dezenas de juízos

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Ministra Rosa Weber durante sessão de despedida do ministro Luiz Fux da presidência do STF. Crédito: Carlos Moura/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu extinguir as 46 ações indenizatórias idênticas ajuizadas por juízes e promotores contra o jornal Gazeta do Povo e cinco então repórteres da empresa, em 2016.

O placar foi de 9 a 2 para a extinção das ações . Apenas os ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques divergiram da relatora, Rosa Weber. O julgamento ocorreu em plenário virtual, até as 23h59 desta sexta-feira (29/9).

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As ações por danos morais foram propostas depois que o jornal publicou uma série de reportagens que mostravam os salários acima do teto constitucional pagos pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público do Paraná.

Os valores se referiam a indenizações, acréscimos, abonos e adicionais de diversas naturezas, as quais “multiplicariam muitas vezes o limite de remuneração, justificando a discussão pública do tema”, segundo o jornal.

Na ocasião das reportagens, os jornalistas ofereceram à Associação Paranaense do Ministério Público (APMP) e à Associação de Magistrados do Paraná (Amapar) espaço para que as entidades exercessem o direito de resposta, tendo sido publicado texto integralmente subscrito por elas no jornal, com explicação para o recebimento de parcelas acima do teto constitucional.

Mesmo assim, o então presidente da Amapar enviou áudio em que incentivava os juízes a ingressarem com ações individuais idênticas, que já estavam sendo redigidas por “‘colegas” e seriam pulverizadas pelos juízos espalhados pelo Paraná, em retaliação ao jornal.

O voto da ministra Rosa Weber em prol da liberdade de imprensa

No Supremo, o caso foi relatado pela ministra Rosa Weber, na Reclamação 23.899. Ela considerou que, na tentativa de coagir os jornalistas, ficou caracterizado que os magistrados incorreram em abuso de direito, definido como “desvio de finalidade da conduta por meio de exercício excessivo, irresponsável e divorciado das finalidades sociais”, conforme o art. 187 do Código Civil de 2002.

“Como visto, o tão caro exercício do direito de ação encontra ressonância nos deveres éticos que permeiam a concretização da garantia de acesso à Justiça. Por esse motivo, não se pode utilizá-lo como estratagema para mascarar artifícios tendentes a coagir a imprensa a deixar de publicar determinadas opiniões, como se deu na espécie, em caracterização do abuso do direito”.

Para Rosa Weber, a divulgação de salários recebidos por servidores é de interesse público e, portanto, está protegida pela liberdade de imprensa. E, avalia a ministra, a tentativa de sujeitar os repórteres ao pagamento de indenizações, sem dano concreto, é censura.

“Sendo a imprensa produto humano, naturalmente imperfeita, estará submetida a censura se, em questões de interesse público, estiver sujeita ao pagamento de indenizações por todo e qualquer erro que não cause dano concreto e efetivo, mormente quando, ausente deliberada má-fé e não demonstrada a prévia ciência do caráter inverídico das afirmações ao tempo em que manifestadas, se mostram puramente subjetivas as supostas ofensas. Para além do tema da liberdade de imprensa, o Pleno deste Supremo Tribunal Federal já decidiu, inclusive sob a sistemática de repercussão geral, que a divulgação nominal e detalhada de salários recebidos por servidores não viola a intimidade ou a vida privada, uma vez que os dados são de interesse público”.

A ministra ressaltou que, para além de informar, a imprensa tem o papel – e o direito – de criticar, quando necessário.

“Consoante os precedentes paradigmáticos, o papel da imprensa não se reduz a aspecto meramente informativo e imparcial. Ou seja, o direito de crítica compõe o regular exercício do direito de informação. Além disso, é firme a orientação desta Suprema Corte, inclusive sob a sistemática da repercussão geral ( ARE nº 652.777-RG, Tema 483 ), no sentido de que legítima a divulgação de salários recebidos por servidores. Exercitado o direito de resposta pelas Associações APMP e AMAPAR, bem como publicado texto pelo próprio jornal para explicitar a questão – fatos não contestados pelos interessados nestes autos – , não há falar em imposição de indenização na espécie”.