Os ministros André Mendonça e Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram contra a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que suspende o piso da enfermagem baseados, fundamentalmente, no princípio da separação de poderes. O placar, na manhã desta segunda-feira (12/9), está 5 a 2 pela manutenção da liminar.
Pela lei do piso da enfermagem, enfermeiros passariam a receber salário de no mínimo R$ 4.750,00. Técnicos em enfermagem receberiam no mínimo 70% desse valor e auxiliares de enfermagem receberia pelo menos 50% desse piso.
Mendonça rememorou argumento do ex-ministro Paulo Brossard, que defendia que leis têm presunção de constitucionalidade “porque elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, isto é, por dois dos três poderes, situados no mesmo plano que o Judiciário”. Leia o voto completo de André Mendonça na ADI 7.222.
Nesse sentido, diz o ministro, é preciso que o Supremo tenha mais rigor ao apreciar medidas cautelares, a fim de não invadir as escolhas dos poderes Legislativo e Executivo.
“O cuidado em preservar, tanto quanto possível, as escolhas legitimamente feitas pelos Poderes democraticamente eleitos, dentro do espaço de conformação legislativa outorgado pelo Constituinte Originário, ao desenharem determinada política pública , com o inevitável sopesamento entre os valores constitucionais em disputa, deve nortear a atuação da Corte Constitucional – não apenas quando do julgamento mais percuciente e aprofundado do próprio mérito da demanda, mas – com ainda mais ênfase e rigor por ocasião da apreciação das medidas cautelares”.
Mendonça também demonstrou preocupação com a “conveniência política” da suspensão da eficácia da lei do piso da enfermagem. “É preciso que se verifique, no caso concreto, para além dos convencionais requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a “ conveniência política da suspensão da eficácia” do ato normativo questionado, considerando, sobretudo, a deferência que a Corte Constitucional deve ter, em regra, perante as escolhas e sopesamentos feitos pelos Poderes Legislativo e Executivo”.
O ministro defende que, diante da complexidade do caso em análise, o ônus argumentativo para a suspensão de eficácia da lei que definiu o piso nacional da enfermagem deve ser maior. Na visão dele, em relação à norma que institui o piso da enfermagem, não há elementos necessários que evidenciem a necessidade de medida cautelar.
“Nessa perspectiva, vale rememorar, mais uma vez, abordagem doutrinária do Ministro Roberto Barroso. Bem pontua Sua Excelência que, sob o risco de asfixiar o exercício democrático, não se deve pretender que a normatividade constitucional seja responsável pela direção de todos os espaços estatais. Em outras palavras, “não é possível pretender derrotar a vontade majoritária, em espaço no qual ela deva prevalecer, pela via oblíqua de uma interpretação jurídica sem lastro constitucional. Ao agir assim, o intérprete estaria usurpando tanto o papel do constituinte quanto do legislador”, argumentou Mendonça.
Já o ministro Nunes Marques primeiro combateu a alegação de vício formal da lei do piso da enfermagem, feita pela parte autora da ação, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), segundo a qual leis que tratem de aumento de remuneração de servidores devem ser de iniciativa exclusiva do presidente da República. Leia o voto completo de Nunes Marques.
Em seguida, o ministro ressaltou que a principal questão que fundamentou a concessão da liminar – o risco orçamentário e possíveis impactos financeiros – foi objeto de análise na Câmara e no Senado, o que deve ser respeitado pelo Supremo.
“Acerca da questão orçamentária e possíveis impactos, houve expressa deliberação pela Câmara dos Deputados, que votou contra requerimento de retirada de pauta do projeto, por expressiva maioria de 430 votos contrários e 14 votos favoráveis: ‘O Partido Novo apresentou requerimento de retirada de pauta. Na ocasião, Sua Excelência, o Deputado TIAGO MITRAUD, sustentou, em sentido similar a que agora faz a autora da presente ação, a perspectiva de fechamento de leitos, hospitais e de derrocada de empregos em virtude da proposta. O requerimento foi derrotado pela expressiva votação de 430 votos contrários e 14 votos favoráveis’”, sustentou Nunes Marques.
Segundo o ministro, a discussão sobre a controvérsia também foi feita, visto que a proposta inicial previa piso de R$ 7.315 e, após amplo debate, o valor foi reduzido para R$ 4.750.
Nunes Marques considerou que, como a lei do piso da enfermagem ainda não provocou efeitos, não é possível saber se os impactos supostos pela autora da ação existirão, de fato.
“Além disso, a lei, em termos práticos, ainda não chegou a viger, pois a concessão da liminar importou na suspensão de sua eficácia. E aí, reputo que esta Corte não possui todas as variáveis desta delicada equação, ao menos neste momento. Isto é, não se sabe ao certo se haverá mesmo demissões em massa ou não, bem como se haverá falta de leitos hospitalares. Aliás, na medida em que o Relator solicita maiores informações a diversas entidades, aponta-se também a ausência de indícios claros e aprofundados que corroborem as alegações trazidas na inicial”, disse o ministro.
Na mesma linha de André Mendonça, Nunes Marques defendeu que a Corte se autocontenha. “Tenho como prudente que esta Suprema Corte deve agir em autocontenção e respeito ao Princípio da Separação dos Poderes, no harmônico sistema de checks and balances, e, assim, em deferência ao amplo debate realizado pelo Congresso Nacional, empreste às normas impugnadas, ao menos em cognição sumária, respectiva presunção de constitucionalidade”.
O julgamento do piso da enfermagem
Os ministros julgam, desde a sexta-feira (9/9), a liminar concedida monocraticamente pelo ministro Luís Roberto Barroso para suspender a lei que institui o piso nacional da enfermagem. A cautelar foi assinada na véspera do dia do pagamento. Leia a íntegra da decisão.
Até o momento, o placar está em 5 a 2 a favor da suspensão do piso e, portanto, no mesmo sentido da liminar de Barroso. O julgamento, realizado de forma virtual, se encerra na sexta-feira (16/9).
Pela lei, enfermeiros passariam a receber salário de no mínimo R$ 4.750,00. Técnicos em enfermagem receberiam no mínimo 70% desse valor e auxiliares de enfermagem receberia pelo menos 50% desse piso.
Na decisão, o ministro estabeleceu prazo de 60 dias para que entes públicos e privados da área da saúde esclareçam as dúvidas que levaram o ministro a suspender o piso da enfermagem: quais impactos financeiros da lei, se haveria riscos de demissão nos hospitais e possível redução na qualidade dos serviços – com o fechamento de leitos, por exemplo.
Barroso citou dados levados aos autos que demonstrariam os riscos de impacto negativo do piso da enfermagem para o setor de saúde. Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços com dados de 2.511 instituições hospitalares privadas, entre 19 e 23 de agosto, mostrou que “77% delas responderam que precisarão reduzir o corpo de enfermagem; 65% terão que reduzir pessoal em outras áreas e 51% disseram que reduzirão o número de leitos. A partir das informações coletadas, estima se que 80 mil profissionais de enfermagem serão demitidos e 20 mil leitos serão fechados em todo país, como decorrência do impacto financeiro dos novos pisos salariais”.