Flávia Maia
Analista de Judiciário do JOTA em Brasília. Antes foi repórter dos jornais Correio Braziliense e Valor Econômico e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). É graduada em Direito no IDP
Para ministro, é preciso 'conscientizar governos, plataformas e a sociedade civil' sobre a urgência de medidas
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta quinta-feira (23/2), em Paris, que a internet necessita ser regulamentada. O magistrado disse ainda que é preciso “conscientizar governos, plataformas e a sociedade civil” sobre a urgência de medidas em relação à desinformação, discurso de ódio, assassinato de reputações e teorias da conspiração que estão na internet e acrescentou: “lá no fundo, estamos enfrentando uma guerra da verdade contra a falsidade, da confiança contra o descrédito, do bem contra o mal”.
A manifestação de Barroso foi feita durante a participação do ministro na Conferência Global da Unesco chamada “Internet for Trust”, na França. Em seu discurso, Barroso afirmou que em nome da liberdade de expressão arbitrariedades podem ser cometidas. “O maior problema é que o mal às vezes se disfarça de bem – fingindo ser liberdade de expressão – e o bem correrá o risco de ser pervertido se ele se transformar em arbitrariedade. O equilíbrio adequado aqui é vital para que a proteção necessária da liberdade de expressão contra os males da desinformação e o ódio não abre porta para a censura”.
Em sua fala, o ministro afirmou que a internet precisa de regulamentação por motivos econômicos – a criação de normas vai permitir tributação, melhoria na lei antitruste e proteção de direitos autorais, por exemplo –; para proteger a privacidade e evitar o uso indevido dos dados que as plataformas digitais recolhem sobre todos os usuários e o combate ao conteúdo ilícito, desinformação e ao “comportamento inautêntico coordenado”, que consiste no uso bots, perfis falsos e provocadores para espalhar desinformação.
Barroso detalhou que, em sua visão, a regulação deve ser feita em três níveis diferentes. O primeiro seria a nível governamental, com um quadro geral contendo princípios e regras básicas. O segundo seria feito via autorregulação das plataformas e usuários, com termos claros de uso e normas comunitárias, a serem cumpridas com transparência, devido processo legal, justiça e auditoria. E, por fim, o que ele chamou de autorregulação regulada, “transferindo para as plataformas boa parte da responsabilidade pelo cumprimento das a regulamentação aplicável, minimizando a interferência governamental”.
De acordo com o ministro, grandes plataformas devem ter órgãos independentes de controle interno – como o Conselho de Supervisão do Facebook –, assim como deve haver um órgão independente de monitoramento e controle externo, composto por representantes do governo, plataformas, sociedade civil e academia.
Barroso ponderou que a responsabilidade da plataforma pelo conteúdo de terceiros deve ser razoável e proporcional e propôs algumas regras a serem consideradas:
1 - No caso de comportamento criminoso claro, como pornografia infantil, terrorismo e incitação a crimes, as plataformas devem ter o dever de diligência para usar todos os meios possível identificar e remover tal conteúdo independentemente de provocação;
2- Em casos de clara violação de direitos de terceiros, como compartilhamento fotos íntimas sem autorização e violação de direitos autorais, entre outros, as plataformas devem remover o conteúdo após serem notificadas pelo interessado;
3 - Porém, em casos duvidosos, em que possa haver dúvida, o afastamento deverá ocorrer após a primeira ordem judicial.
Por fim, Barroso defendeu a educação para a mídia e a conscientização das pessoas, uma vez que a circulação de notícias falsas muitas vezes é conduzida de forma não intencional, por usuários de plataformas transmitindo as mensagens recebidas sem uma postura crítica sobre o conteúdo.
“Algumas pessoas subestimam a educação para a mídia, mas acho que, junto com a regulamentação necessária, ela é indispensável. Na minha primeira juventude, nos anos 70, víamos sinais nas ruas e nas estradas que diziam ‘Proibido jogar lixo’. Naquela época, as pessoas tinham que ser educadas para não jogar lixo nas ruas e estradas. Hoje em dia, não vemos esses cantos mais e a maioria das pessoas não joga lixo. Jogar lixo é um comportamento residual”, complementou.