O progresso resultante da luta pela igualdade de gênero nas últimas décadas é revelado por dados concretos: de acordo com relatório publicado pelo Banco Mundial sobre o Desenvolvimento Mundial de 2012, mais de 40% da força de trabalho à época era de mulheres. Além disso, em um terço dos países em desenvolvimento havia mais meninas matriculadas na escola do que meninos, o que representava fato inédito nos índices sobre o tema.
A despeito dos avanços, os desafios ainda estão longe de acabar. A taxa global da participação feminina na força de trabalho ainda é 26,5% menor do que a masculina. O índice de desemprego, por sua vez, é 0,8% superior ao dos homens, o que significa que, para cada dez homens empregados, há seis mulheres empregadas no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Esses indicadores são agravados quando vislumbramos os resultados dos países emergentes. O Brasil ocupa a 95ª posição no ranking de disparidade por gênero envolvendo 149 países, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em 2018. Estudos realizados pelo IBGE e pela OIT em inciativa conjunta com o Ministério Público do Trabalho apuraram que as brasileiras estudam mais, trabalham mais e ganham 23,5% menos do que os homens, além de serem subrepresentadas em cargos de diretoria .
A maternidade é forte elemento catalisador da desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
A noção intuitiva de que a gravidez gera uma penalidade profissional foi atestada em 2016 pela OIT, que com base em diversos estudos identificou não apenas a diferença salarial entre mães e mulheres sem filhos, como em maior grau entre mães e pais em similares estruturas familiares e profissionais.
Essa disparidade é ainda mais impactante quando se verifica que na contramão da diferença salarial registrada para a maternidade, a contrapartida à paternidade é um bônus, representado pelo aumento da remuneração dos homens quando se tornam pais.
Caso mantido o (lento) ritmo de progresso na redução da lacuna de gênero no mercado de trabalho dos últimos 27 anos, a OIT estima serem necessários mais de 70 anos para o fim da desigualdade salarial de gênero em termos globais. O Fórum Econômico Mundial, por sua vez, estima esse prazo em 202 anos.
Buscando superar esse cenário nada promissor, a ONU elaborou a Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030, da qual o Brasil é signatário, estipulando um plano de ação para alcançar, dentre outros objetivos, a igualdade de gênero, tendo como meta adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis.
No Brasil, para além do compromisso firmado na ONU, a busca pela equalização da participação e proteção da mulher no mercado de trabalho e à maternidade é uma preocupação desde a edição da Constituição Federal de 1988, quando foi promovido significativo fortalecimento dessas garantias.
É o que verifica dos artigos 7º, incisos XVIII, XX e XXX, 6º e 5º, inciso I da Constituição e do artigo 10, inciso II, alínea ‘b’, do ADCT, que asseguram a igualdade de direitos entre homens e mulheres no mercado de trabalho, impondo a criação de incentivos específicos para que a proteção à mulher não sofra restrições e seja alcançada em sua máxima extensão.
Na mesma linha, o texto constitucional assegura a proteção à maternidade mediante a concessão de licença-maternidade sem prejuízo do emprego e do salário. Os anais da Constituição revelam o prestígio dessas garantias na tônica dos debates e das propostas que permearam a inclusão desse direito no texto constitucional.
Ao longo de 11 passagens registradas nas atas das comissões e subcomissões instituídas pela Assembleia Nacional Constituinte e das sugestões apresentadas ao texto da Constituição, o benefício é apontado como forma de equacionar a desigualdade desencadeada pelas práticas discriminatórias que afastam a mulher do mercado de trabalho em razão da maternidade.
O salário-maternidade foi criado em um contexto de reconhecimento e proteção à função social da maternidade, incentivando a mudança da percepção da gravidez como um ônus para as mulheres no campo profissional para (ao menos tentar) garantir que emprego, estabilidade, remuneração e condições de trabalho não sejam por ela influenciadas.
A natureza de garantia previdenciária e assistencial foi chancelada pelos artigos 201, inciso II e 203, inciso I, da Constituição Federal, ao preverem que a Previdência e a Assistência Sociais atenderão à proteção da maternidade. Assim, e nos termos da legislação, fica a cargo e ônus da Previdência Social o pagamento do salário-maternidade, traduzindo-se em verdadeiro benefício previdenciário.
A despeito de sua natureza, o artigo 28, §§2º e 9º, alínea ‘a’, parte final, da Lei nº 8.212/91, autoriza a incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, o que é incompatível com as garantias constitucionais acima mencionadas e com a grandeza prevista pelo artigo 195, I, ‘a’, da Constituição para a incidência destas contribuições.
O pagamento do salário-maternidade não representa uma transferência de riqueza à mulher durante os primeiros meses da maternidade. Não há elemento que denote capacidade contributiva, mas sim situação que demanda a sua assistência por meio de benefício previdenciário.
A legislação infraconstitucional está em confronto também com a Convenção 103 da OIT, da qual o Brasil é signatário, determinou claramente que “Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega”.
Ao afetar o equilíbrio pretendido pelas garantias constitucionais e pela Convenção, as previsões da Lei nº 8.212/91 intensificam a desvantagem competitiva da mulher no mercado de trabalho. Isso porque o ônus tributário da maternidade recai inteiramente sobre o empregador, contribuindo para o aumento do custo da mão-de-obra feminina, comparativamente à masculina.
Passados mais de 30 anos desde a promulgação da Constituição Federal, a discussão permanece atual. No Supremo Tribunal Federal estão pendentes de julgamento o Recurso Extraordinário nº 576.967, com repercussão geral reconhecida e sob relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.626, relatada pelo Ministro Celso de Mello, que discutem a constitucionalidade da tributação do salário-maternidade.
Em que pesem as garantias e proteções asseguradas às mulheres, a tributação da maternidade pelas contribuições previdenciárias constitui fator discriminatório e inibidor da contratação de mulheres no país.
E as consequências da desigualdade salarial de gênero não são gravosas apenas àquelas que as sofrem, mas também ao próprio desenvolvimento do país. Segundo o Instituto McKinsey Global, a melhora da igualdade salarial e do potencial econômico feminino - que representa metade da população produtiva do mundo - equivaleria até 2025 a US$12 trilhões no crescimento global. Seu alcance pleno, por sua vez, acresceria 26% ao PIB global, o correspondente a US$28 trilhões.
As projeções representam o que, certamente, queremos alcançar como sociedade. Adotando essa visão como norte, diversas iniciativas em defesa da causa, tais como Unstereotype Alliance (vinculada à ONU Mulheres), Maternidade Sem Tributo, Grupo M.Ã.E. e Mulher 360, têm promovido a igualdade e a neutralização das práticas discriminatórias às mulheres e mães no mercado de trabalho.
Um importante passo na direção da concretização desses ideais é que a maternidade passe a ser genuinamente compreendida em sua função social, impedindo-se que a tributação continue anulando as garantias constitucionais e as conquistas já alcançadas por cada um de nós na qualidade de agentes de mudança, reforçadas nas ações intentadas por organizações como as acima citadas.
Apesar da lógica constitucional de promoção da igualdade e neutralização das práticas discriminatórias às mulheres no mercado de trabalho, a tributação do salário-maternidade transforma o benefício em ônus. O incentivo da Constituição é claro e direto: o equilíbrio salarial entre homens e mulheres deve ser conquistado e protegido com a maternidade. E não o seu avesso.
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