Roland M. Stein
Sócio do Blomstein. Advogado.
Alemanha investirá R$ 56 bi na produção, dos quais R$ 13 bi serão direcionados a projetos fora da UE
Da mesma forma que as discussões sobre crise climática e ESG saíram de grupos de nicho e dominaram o debate político e econômico de 2021, outro assunto está se tornando protagonistas de fóruns, debates e uma centena de O hidrogênio verde (H2V) é o novo garoto prodígio da revolução que é a transição energética, o necessário caminho a ser trilhado para sair da dependência de combustíveis fósseis.
O hidrogênio verde é alçado por muitos como o petróleo do futuro, a nova commodity mundial, sendo que seu diferencial depende, fundamentalmente, da utilização de energia renovável, o que permite que o Brasil venha a ser um dos principais produtores. Ao se analisar sua capacidade de transporte intercontinental, percebe-se que o H2V é, para além de diversas outras utilizações importantes, a forma pela qual o Brasil poderá exportar energia renovável para o mundo.
Atualmente, o hidrogênio largamente utilizado pela indústria é o chamado hidrogênio cinza, processo em que ocorre a queima de gás natural, altamente poluente. Já o H2V é produzido pela quebra da molécula da água por meio de um eletrolisador alimentado com energia renovável, ou seja, eólica, solar e, por enquanto, hidrelétrica. Não há, portanto, nenhuma emissão de CO2 na sua produção, nem mesmo na sua utilização, o que o torna ponto-chave da transição energética do mundo.
Os potenciais de uso do hidrogênio verde são extremamente variados, conforme se pode observar no gráfico abaixo:[1]
Um subproduto importante para o Brasil são os fertilizantes verdes, tais como o sulfato de amônio, fosfato de amônio, nitrato de amônio e ureia, todos produzidos a partir da amônia verde.
O Brasil depende do mercado externo no uso de fertilizantes, importando cerca de 85% do total utilizado. O interesse mundial na produção de hidrogênio verde e os recursos alocados pela Europa nesses projetos podem servir como catalisadores na estruturação de uma indústria brasileira de fertilizantes verdes, cumprindo tanto um papel de redução de emissões como o de reduzir a dependência externa deste insumo estratégico para o país.
O hidrogênio verde tem papel fundamental no Pacto Ecológico Europeu (comunicado da Comissão Europeia COM 2019/640), sendo objeto de uma política específica do bloco, a Estratégia do hidrogênio para a neutralidade climática na Europa (Estratégia Europeia, comunicado da Comissão Europeia para o Parlamento COM 2020/301). A Estratégia Europeia define a meta de instalação de eletrolisadores com capacidade de produção de 6 GW de H2V até 2024 e 40 GW até 2030.
Dentre as diversas ações da Estratégia Europeia, ressaltam-se as seguintes:
Uma importante iniciativa da Estratégia Europeia é a criação da Aliança Europeia de Hidrogênio Limpo, formada por indústria, governo, sociedade civil e outros stakeholders. Seu objetivo é o desenvolvimento de uma lista de projetos viáveis – o mais recente relatório de projetos conta 750 em toda a cadeia: produção (446), transmissão e distribuição (163) e uso, subdivido em mobilidade (240), indústria (172), setor elétrico (143) e construção civil (77).
Em outubro de 2021, a Aliança Europeia publicou o Relatório sobre as barreiras e medidas de mitigação do H2V, apresentando diversos desafios para a produção, transmissão e sua distribuição, entre eles a necessidade de aumento da demanda (e consequente incentivo à redução dos custos); e a estruturação de um quadro regulatório que defina um sistema harmonizado de garantia de origem e de certificações que viabilizem a sua comercialização internacional.
A Alemanha conta com sua própria Estratégia Nacional do Hidrogênio (Estratégia Alemã), que define como seus principais objetivos: estabelecer a tecnologia do hidrogênio como elemento-chave na transição energética do país; criar condições regulatórias propícias para o escalonamento do mercado; suporte à empresas alemãs em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia; e assegurar o suprimento de H2V e seus subprodutos para suprir a demanda a ser fomentada.
A Estratégia Alemã define 37 medidas concretas a serem tomadas, das quais se destaca: integração do hidrogênio verde nas parcerias de energia existentes e a criação de novas parcerias que permitam o uso de tecnologia alemã para a produção e exportação do H2V; estruturação de projetos pilotos de produção em países parceiros com empresas alemãs, tomando-se a cautela de que a importação alemã se desenvolva num adicional de energia renovável a ser criada no país produtor, para que esta nova cadeia não restrinja ou prejudique o fornecimento interno de energia.
Este é um dos pontos mais importantes para a produção no Brasil, que deve se estruturar em projetos que contemplem energia nova, para evitar discussões futuras sobre o impacto da produção de hidrogênio verde no sistema energético do Brasil.
A Alemanha planeja investir mais de R$ 56 bilhões no estímulo da produção do hidrogênio verde, dos quais quase R$ 13 bilhões serão direcionados a parcerias e projetos fora da União Europeia. O país projeta na Estratégia Alemã ter uma demanda em 2030 de 90 TWh a 110 TWh, e uma capacidade de produção de 14 TWh, o que demonstra a dependência expressa da Alemanha na importação do H2V.
Os alemães desenvolveram duas ferramentas importantes para a construção deste mercado global.
O primeiro é uma subvenção para projetos internacionais de empresas europeias com presença na Alemanha, somente em países que integrem de uma parceria no setor de energia com a Alemanha. O valor máximo concedido é de € 15 milhões por projeto, compondo entre 25% a 45% dos custos associados.
O segundo instrumento é a criação de uma fundação chamada H2Global, que terá uma estrutura de compra internacional de hidrogênio verde por meio de leilões que resultarão na assinatura de contratos de dez anos. O H2V adquirido será então vendido no curto prazo no mercado interno também por meio de leilões.
A fundação é composta de 18 empresas do setor – entre elas conhecidas do Brasil como a Siemens Energy e a Thyssenkrupp – e o governo alemão, que acaba de aportar € 900 milhões para suportar a diferença de preço entre o valor pago e aquele efetivamente obtido na venda do hidrogênio no mercado interno.
No Brasil, começam a se desenhar pelo menos três hubs para produção do H2V. Esses centros são os portos de Pecém, no Ceará, de Suape, em Pernambuco, e do Açu, no Rio de Janeiro. O ponto comum de cada hub é a combinação de potencial de produção de energia renovável e facilidade logística para a exportação. Diversas empresas internacionais estão no processo de assinatura de memorandos de intenção, mas as discussões estão em estágio inicial.
Em termos de políticas públicas, o Brasil publicou em julho de 2021 o Programa Nacional do Hidrogênio. O documento indica que o país irá considerar em suas diretrizes o hidrogênio proveniente de biocombustíveis como etanol e biogás. Não há metas de produção, nem de investimento, mas a definição de princípios[2] e a criação de seis eixos temáticos[3], cada qual com uma lista de objetos de estudo para avaliação. Trata-se de um plano de trabalho listando atividades e análises iniciais a serem cumpridas.
A assessora especial em assuntos regulatórios do Ministério de Minas e Energia, Agnes Costa, afirmou que não entende ser necessária a criação de ferramentas regulatórias para o fomento da exportação do H2V, já que o mercado se autorregularia.
A Alemanha e o Brasil contam com algumas iniciativas conjuntas, tais como o Portal Hidrogênio Verde, uma parceria das Câmaras de Comércio Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro e em São Paulo com a GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), bem como uma parceria geral do setor de energia, como a Parceria Energética Brasil-Alemanha, o que viabiliza ao Brasil receber projetos financiados pela ferramenta de subsídios da Alemanha.
Atualmente o H2V tem um custo médio de produção de US$ 5 a US$ 6 por quilo, tornando-se competitivo quando atingir o patamar de US$ 2 a US$ 3. Esta redução será possível apenas com a elaboração conjunta e articulada de estratégias de incentivo.
A viabilização do mercado do hidrogênio verde depende da redução dos custos de produção, influenciados em grande medida pelo custo da energia renovável utilizada. O aumento da demanda, incentivada pelas políticas públicas europeia e alemã, contribuirá também para a redução dos custos, já que permitirá o escalonamento necessário da cadeia de produção.
Comparado a outros países, o Brasil se encontra em posição privilegiada em razão de seu enorme potencial de geração de energia renovável a um baixo custo. Caberá ao país enfrentar as mesmas dificuldades de infraestrutura sobre as quais os europeus já se debruçam para que o Brasil também se valha do hidrogênio verde dentro de sua própria transição energética e não atue apenas como exportador.
E mesmo como exportador, alguns entraves deverão ser endereçados. Um deles é o alto custo de investimento, inclusive na geração de energia nova, buscando evitar discussões sobre eventual sobrecarga da produção de hidrogênio verde ao sistema elétrico nacional.
Além disso, será importante pensar em sistemas de certificação e controle para a produção e transporte de hidrogênio verde que tragam conforto aos países europeus compradores. Ainda que o Brasil tenha uma posição de destaque, não podemos deixar que o Chile, países do norte da África ou a Austrália saiam na frente nesta corrida.
[1] IRENA (2020), Green Hydrogen: A guide to policy making. p. 7.
[2] “Valorizar o potencial de recursos energéticos; ser abrangente; alinhar-se à descarbonização da economia; valorizar o desenvolvimento tecnológico nacional; almejar o desenvolvimento de um mercado competitivo; buscar sinergias com outros países; e reconhecer a contribuição da indústria nacional.”
[3] “Eixo 1: Fortalecimento das Bases Científico-Tecnológicas; Eixo 2: Capacitação de Recursos Humanos; Eixo 3: Planejamento Energético; Eixo 4: Arcabouço Legal e Regulatório-Normativo; Eixo 5: Abertura e Crescimento do Mercado e Competitividade; Eixo 6: Cooperação Internacional.”