O início de 2022 está sendo marcado pelo avanço da variante ômicron no mundo e pela persistência da pandemia. Os novos aumentos no número de casos, hospitalizações e óbitos têm levado governos a novamente adotar políticas mais restritivas e rever suas políticas de prevenção. Na contramão do que tem sido adotado por vários países, o Brasil se destaca pela ausência de uma política nacional universal e completa de enfrentamento da Covid-19. Pelo contrário, o governo federal continua insistindo em não adotar as múltiplas estratégias necessárias para uma resposta com maior eficácia para o controle da crise.
A atual administração do governo Bolsonaro baseia-se no argumento de que não há como adotar medidas mais rígidas que iriam impor custos econômicos significativos e que os governos locais são os principais responsáveis pelo controle efetivo da pandemia em seus territórios. Tal abordagem não é diferente do que o governo tem adotado desde o início da pandemia, porém o momento da chegada desta nova variante ao Brasil é particularmente sensível. Estamos na véspera das eleições presidenciais e de governadores dos 26 estados e do Distrito Federal.
Dado que estamos a menos de nove meses do primeiro turno das eleições, é importante analisar o impacto da pandemia sobre a maneira como os eleitores avaliam o desempenho do presidente Bolsonaro. Neste momento, o presidente e seus aliados devem estar ponderando os custos e benefícios da atual estratégia e suas possibilidades de aumentar as chances de reeleição.
Cientistas políticos costumam lançar mão de estudos comparativos para entender o impacto de um determinado fenômeno comparando seus efeitos em diferentes contextos e levando-se em conta as diferenças e semelhanças entre os casos. Neste sentido, para se entender o impacto da pandemia sobre as eleições, é relevante estudar países com respostas semelhantes à crise. Desse modo, consideramos o caso brasileiro e o norte-americano.
Desde que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a pandemia de Covid-19, em março de 2020, o Brasil e os Estados Unidos têm se destacado entre os países que tiveram o maior número de casos e vítimas. No primeiro ano da pandemia, esses dois países foram governados por presidentes de direita que se recusaram a adotar medidas restritivas de controle da pandemia. Uma das diferenças mais marcantes diz respeito ao momento da emergência da pandemia. Enquanto esta coincidiu com o último ano do governo Trump, no caso brasileiro a pandemia atingiu o país no segundo ano do governo Bolsonaro.
Dado que o governo Bolsonaro tem sido afetado pela crise por um período mais prolongado, poder-se-ia esperar que o desgaste da pandemia e de suas consequências tivessem um efeito maior no caso brasileiro. Os dados do Agregador do JOTA, por exemplo, mostram que, antes da emergência da pandemia, a taxa de aprovação do presidente Bolsonaro girava em torno de 35%.
Quando a pandemia chegou ao seu pior pico em 2020, as avaliações negativas alcançaram 47% em junho de 2020. Embora a porcentagem dos eleitores que desaprovam o governo tenha caído substantivamente no segundo semestre de 2020, a taxa negativa voltou a aumentar desde o início de 2021.
Dados de janeiro de 2022 indicam que 54% dos eleitores desaprovam a administração do presidente brasileiro. Com o prolongamento da crise, o atual governo pode estar apostando que os eleitores não irão responsabilizar o governo federal como o principal responsável pelas medidas restritivas de controle da pandemia, tal como Trump argumentou na véspera das eleições de 2020 nos Estados Unidos. Mesmo assim, o fato é que há uma parcela significativa e crescente da população brasileira que reprova a gestão do país pelo presidente Bolsonaro. Dados do JOTA reproduzidos abaixo indicam essa tendência.
Aprovação do presidente Jair Bolsonaro (2019-2022)
Vale notar também que, quando a pandemia atingiu os dois países, eles estavam em situações econômicas diferentes. Os Estados Unidos, mesmo com persistentes déficits comerciais e dependência econômica em relação à China, encontravam-se com uma taxa de crescimento acima da média, desemprego em queda e inflação estável. Em contraste, no caso do Brasil, o presidente Bolsonaro foi eleito no contexto de uma prolongada crise econômica. Em seu primeiro ano de governo, em 2019, a média de crescimento do Brasil foi de 0,65% per capita (versus 1,7% per capita nos Estados Unidos), e o desemprego de 11,9% (versus 3,7% per capita nos EUA).[1]
Mesmo com retóricas muito parecidas, as políticas econômicas adotadas em resposta à pandemia pelos governos de Trump e Bolsonaro foram marcadamente distintas. Na contramão da plataforma do Partido Republicano que promove que o tamanho do Estado e sua intervenção na economia deve ser mínimo, o Congresso dos EUA alocou mais de US$ 10 bilhões para a compra e o desenvolvimento de imunizantes contra o SARS-Cov-2, a Operation Warp Speed. O presidente Trump chegou a citar o Defense Production Act para agilizar o desenvolvimento da vacina Janssen.
Trump mobilizou recursos para socorrer empresas e famílias pressionando estados para a reabertura da economia desde o primeiro semestre de 2020. Em grande parte por estas medidas, ao longo daquele ano, a taxa de aprovação do presidente Trump conseguiu se recuperar um pouco da queda sofrida em junho de 2020 – quando em torno de 57% dos americanos desaprovavam o governo Trump. Porém, ele não conseguiu reverter a forte contração da economia (4% de queda no crescimento do PIB per capita e taxa de desemprego de 8,3%) a tempo das eleições em novembro de 2020.
As autorizações pela FDA (Food and Drug Administration) fizeram com que o início da vacinação contra a Covid-19 nos Estados Unidos somente ocorresse em dezembro de 2020, mês seguinte às eleições presidenciais. Naquele momento, o eleitorado americano já tinha percebido que o país somente conseguiria sair da pandemia com mudanças significativas na sua administração. Necessitava de novas formas de comunicação e a adoção de um programa renovador de políticas públicas abrangentes direcionadas a melhorar a coerência, clareza e coordenação do governo central com os estados da federação. Com a queda na popularidade do presidente Trump, como mostram os dados do The American Presidency Project reproduzidos abaixo, o candidato Donald Trump foi derrotado quer na votação popular quer no Colégio Eleitoral pelo seu adversário do Partido Democrata, Joe Biden.
Aprovação do presidente Donald Trump (2017-2020)
Fonte: The American Presidency Project
O presidente Biden iniciou o mandato com uma alta taxa de popularidade. No entanto, ao longo de 2021, o descontentamento do eleitorado com a política econômica e de combate à pandemia levou a uma queda na sua taxa de aprovação a partir do segundo semestre. Em janeiro de 2021, 57% dos norte-americanos aprovavam o governo Biden. Em janeiro de 2022, essa parcela já tinha caído para 40%.
Aprovação do presidente Joe Biden (2021-2022)
No caso brasileiro, o governo federal se destaca por ter traçado uma resposta à pandemia baseada na demora na implementação de ações efetivas. A fragilidade da situação fiscal e a dependência de insumos do exterior, junto com a limitada capacidade administrativa do presidente e seus aliados em executar as compras e distribuição de insumos, traduziu-se em uma resposta engessada e demorada para reagir e reverter a crise. O governo federal se limitou a financiar só uma única parceria para o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 – entre a Fiocruz e Oxford/AstraZeneca.
Não houve iniciativas para investir ou produzir antirretrovirais ou outros medicamentos promissores por meio de parcerias com laboratórios privados ou públicos. Pelo contrário, internacionalmente, o Brasil se destacou por ter sido um dos poucos países em desenvolvimento a se posicionar contra a suspensão de patentes e outros instrumentos de propriedade intelectual visando a aumentar os recursos disponíveis para o combate à pandemia da Covid-19. Somente mudou de postura após Joe Biden assumir como presidente dos EUA e redirecionar as ações do governo norte-americano no combate à pandemia.
No Brasil, o auxílio emergencial evitou que milhões de brasileiros passassem fome. Seus impactos positivos se refletiram no segundo semestre de 2020, quando as taxas de aprovação do presidente Bolsonaro voltaram a aumentar. Tal crescimento ocorreu como reflexo não só da implementação do programa, como também da redução do número de casos e óbitos por Covid-19 e da flexibilização das políticas de distanciamento social implementadas pelos governos estaduais e municipais.
No entanto, o auxílio emergencial que tinha sido fundamental para a subsistência de milhões de famílias em 2020 demorou para chegar em 2021. Quando chegou, desapontou milhões de brasileiros. O valor do benefício sofreu reduções significativas e foi direcionado a um grupo menor de pessoas. Ao longo do ano, os brasileiros também passaram a conviver com o aumento da inflação, que no final de 2021 foi superior a 10%. Dado esses fatores, o ano passado foi marcado pelo aumento da parcela dos eleitores que avaliam o governo de maneira negativa.
Atualmente, o presidente Bolsonaro se encontra numa situação adversa, pois suas taxas de aprovação sugerem que uma elevada proporção do eleitorado rejeita as políticas em vigor. Bolsonaro e seus conselheiros parecem ter decidido que a melhor estratégia é deixar o vírus correr solto em 2022. Porém, tal como aconteceu com as outras variantes, nas próximas semanas os dados provavelmente irão mostrar que quando nossas lideranças não reagem para proteger a sociedade da pandemia, os custos serão mais elevados, prejudicando a atividade econômica no curto e médio prazo.
De fato, parece que o presidente Bolsonaro está jogando contra sua reeleição e ignorando as lições da experiência norte-americana de combate à pandemia na administração de Trump e na atual de Biden. As estimativas do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro indicam níveis de atividade semelhantes ao período anterior à pandemia. No entanto, os ganhos em 2021 não recuperaram as perdas em 2020. Ao mesmo tempo, as taxas de desemprego continuam em proporções elevadas.[2]
Mesmo sem adotar medidas restritivas para conter o avanço da pandemia, as atuais projeções são de que o crescimento do PIB em 2022 será menor do que o observado em 2021.[3] Sem atividade econômica crescente e com desemprego e inflação em alta, é bastante provável que o atual candidato Jair Bolsonaro esteja ignorando as lições norte-americanas de enfrentamento à pandemia e o bê-á-bá de qualquer liderança política interessada no desenvolvimento econômico e social de seu país. Lições existem, mas parece faltar vontade de aprendê-las.
[1]Para dados sobre o crescimento do PIB per capita, ver: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.KD.ZG?locations=US-BR . Sobre desemprego, ver: https://data.worldbank.org/indicator/SL.UEM.TOTL.ZS?locations=US-BR
[2] Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego
[3] Disponível em: https://www.oecd.org/economy/brazil-economic-snapshot/