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eleições 2022

A pandemia pode definir o resultado nas urnas?

Programas de governo dos principais opositores de Bolsonaro apresentam poucas e vagas referências à crise sanitária

Lorena G. Barberia
01/09/2022|12:41
Atualizado em 02/09/2022 às 18:48
pandemia
Crédito: Unsplash

O Brasil está na véspera da eleição para decidir o presidente que governará o Brasil até 2026. Nos primeiros oito meses de 2022, os brasileiros já passaram por duas ondas das variantes de ômicron e, como consequência, o país registrou o maior número de casos confirmados por Covid-19 desde 2020. Esse contexto ainda é mais grave se considerarmos que há quedas importantes nos esforços para diagnosticar as pessoas com suspeita de infecção de SARS-CoV-2. Também não existe um sistema de registro de pessoas que realizam autotestes em casa. O presidente Bolsonaro e seu governo, em vez de articular e organizar um plano para os desafios neste terceiro ano de pandemia, declarou o fim da emergência pública em abril de 2022. Ao que tudo indica, a gestão Bolsonaro permanece em um voo sem norte e sem plano de controle coordenado da pandemia da Covid-19.

A percepção do fim da pandemia não se confirma na maioria do eleitorado. Nas pesquisas de opinião da Genial Investimentos/Quaest, 84% das pessoas consultadas manifestaram preocupação com a Covid-19 em agosto de 2022. Destes eleitores, aproximadamente a metade declara estar “muito preocupada”, enquanto a outra metade está apenas um “pouco preocupada” com a Covid-19. No contexto de flexibilização generalizada no qual vivemos, este resultado merece a atenção dos candidatos a cargos executivos.

Figura 1: Nível de preocupação com a Covid-19

Fonte: Pesquisa Genial/Quaest

Para os estudiosos de pandemias, o país também precisa encarar os desafios da Covid-19 no futuro que se aproxima. Há grandes questões de políticas públicas envolvidas que impactam não somente a área de saúde, mas também previdência, educação, ciência e tecnologia, e a economia. Porém, mesmo que os programas de governo dos principais candidatos que fazem oposição ao governo Bolsonaro defendam o papel central do Estado na prestação de serviços públicos, como saúde, educação e outros serviços sociais, seus programas de governo apresentam poucas e vagas referências à pandemia. Nos documentos da Coligação “Brasil da Esperança”, de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) e no programa de governo do PDT, do candidato Ciro Gomes, a palavra pandemia aparece apenas quatro vezes em cada documento.

A dissonância entre os desafios da pandemia e os programas de governo dos principais candidatos de oposição ao governo Bolsonaro contrastam com a atuação da oposição em outros países onde presidentes incumbentes com gestões fracassadas de enfrentamento à pandemia foram derrotados. Um caso emblemático foi a eleição de Joe Biden nos EUA. Na véspera da eleição, em setembro de 2020, Biden apresentou um plano detalhado para o enfrentamento da emergência sanitária. O plano apresentou metas específicas e estimativas dos recursos que seriam necessários para garantir o enfrentamento da pandemia no curto e médio prazo. Este fato foi decisivo para sua eleição.

No Brasil, a ausência de planos coerentes para o árduo trabalho de reconstruir o país durante e após a pandemia da Covid-19 é particularmente preocupante. Desde o início da pandemia até o presente momento, o país registrou 10,26% das mortes oficiais no mundo, sendo que a população brasileira é apenas 2,73% da mundial. Os desafios são inúmeros e a campanha eleitoral poderia ser utilizada para fortalecer a compreensão da classe política e dos eleitores das diferentes visões dos candidatos de como melhorar as questões sanitárias e da saúde dos brasileiros.

O presidente eleito terá que decidir se revogará a declaração do governo Bolsonaro do fim da emergência pública. E esse presidente terá que decidir se vai reverter a queda dos investimentos em saúde em 2022 (ver Figura 2). Deverá também melhorar o financiamento do SUS de forma a garantir maior equidade e capacidade de enfrentamento de novos desafios decorrentes da pandemia.

Figura 2: Despesas em saúde empenhadas (% despesa total)[1]

Fonte: Elaboração própria à partir de dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)

Há inúmeros outros desafios na área de saúde. Haverá recursos e esforços para implantar um sistema de vigilância efetivo para monitorar o SARS-CoV-2? Após a aprendizagem sobre medidas de prevenção de doenças respiratórias em ambientes fechados, haverá esforços para tornar as escolas, os postos de saúde, os locais de trabalho e o transporte público mais seguros? Qual será a estratégia para reverter as campanhas de desinformação, fake news e a falta de coordenação efetiva do Ministério da Saúde para convencer elevada parcela da população de muitos municípios que não recebeu as doses de reforço da vacina contra SARS-CoV-2?

O aumento na alocação de recursos vai conseguir também comprar doses elevadas de vacinas de reforço para continuar a distribuição dentro do SUS ou vamos continuar com uma estratégia híbrida de distribuir vacinas no sistema suplementar também? O Ministério de Saúde finalmente divulgará um manual para o monitoramento de pessoas com Covid longa? Como serão organizados os serviços que monitoraram e atendem os pacientes que sofrem com sequelas da doença no SUS? Afinal, o sistema de saúde brasileiro tem os recursos humanos e a infraestrutura para cuidar dos sobreviventes da pandemia?

Nos países com alta renda, há amplo acesso a tratamentos com antirretrovirais e anticorpos monoclonais para pacientes com as formas graves da Covid-19. Mas a grande maioria desses medicamentos ainda não está disponível no Brasil. Qual solução oferecem os candidatos para garantir estes medicamentos nas redes públicas de forma equitativa? E quando chegarão as vacinas para proteger as crianças de 3 a 5 anos que esperam desde julho de 2022 para receber proteção? Estas são apenas algumas perguntas que os candidatos poderiam responder durante suas campanhas eleitorais.

Seja quem for eleito para governar nos próximos 4 anos, as crises econômicas mundial e doméstica serão muito desfavoráveis para a implementação de uma nova agenda para o enfrentamento da pandemia. O espaço fiscal do novo governo será extremamente limitado. Os problemas – inflação elevada, juros pouco responsivos, desemprego persistente e crescimento reduzido – junto a um contexto internacional de elevada complexidade provocada pela guerra na Ucrânia e as tensões entre EUA e China deixam claro que o novo presidente precisará navegar num contexto geopolítico onde há grandes incertezas e riscos a serem melhor administrados, principalmente após o desastre de entendimento e mitigação dos danos causados pela Covid-19.


[1] Os dados de despesas por função em saúde e despesas total foram extraídos do seguinte endereço eletrônico: https://www1.siop.planejamento.gov.brlogo-jota

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