Função Pública

Como promover a especialização técnica no serviço público?

Um desafio institucional para o RH do Estado

Esplanada dos Ministérios em Brasília / Crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado

Quando se pensa em serviço público, há uma série de preconcepções: falta de eficiência, excesso de burocracia e um viés de que haveria um número desproporcional de servidores públicos no país. 

Sobre esse último ponto, se considerarmos a realidade concreta, a suposição não é tão verdadeira. Segundo dados do Ipea, em 2021, 15,36% dos vínculos ocupados no mercado de trabalho eram públicos, contra 82,68% privados. Esta proporção não é muito diferente daquelas dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que gira entre 10,63% (Alemanha) e 28,66% (Suécia) de vínculos públicos (public employees), de acordo com números de 2019.

A pergunta proposta no título deste artigo leva em consideração desafios que vêm desse cenário de desproporção entre o número de servidores públicos e privados, em um contexto no qual cada vez mais a ordem socioeconômica-ambiental exige especialização de funções.

Dentro do quantitativo que temos no setor público, a qualificação e a qualidade do serviço são adequadas às demandas reais do país? Recrutar e manter especialistas dentro do serviço público no Brasil é uma tarefa que enfrenta uma série de obstáculos estruturais e culturais, dentre eles as dificuldades significativas para atrair e reter talentos especializados. 

Exemplo recente de tentativa de promover especialização técnica é o Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Há previsão de investimentos para incentivar o retorno de pesquisadores brasileiros, com possibilidade de bolsas, auxílios e aquisição de equipamentos. Verdade é que, embora seja uma tentativa de médio prazo de aprimorar os quadros de pesquisa, a política não parece andar em conjunto com um pensamento institucional-estrutural que confira segurança e estabilidade a tais pessoas. 

Fora do campo universitário e de pesquisa, é inegável que um fator preocupante é a falta de estímulo para promoção de habilidades dos servidores e demais agentes públicos para realizar atividades cruciais da gestão. Há uma deficiência nacional, por exemplo, de profissionais que lidam com tecnologia da informação e assuntos relacionados.

Isso também vale para outras áreas que exigem técnica e constante atualização, como sustentabilidade e meio ambiente, análise complexa de dados e adaptação das cidades.

A discussão da especialização técnica passa tanto pelo recrutamento quanto pela manutenção desses profissionais no serviço público. Como já publicado nesta coluna, a modernização dos concursos públicos é pauta urgente, e está em curso o Projeto de Lei Nacional de Modernização dos Concursos Públicos (PL 2258/2022). Pensar em diversificar os formatos de seleção é essencial para que as pessoas que ingressem no serviço público sejam efetivamente aptas ao exercício das funções e atribuições dos cargos. 

Além de pensar na forma de ingresso, é preciso haver proatividade em planos e programas para quem está atualmente no serviço público. Isso envolve pensar não apenas em modelos de capacitação, incentivos e aprimoramento dos programas de avaliação, mas também nas próprias capacidades institucionais.

A criação de um ambiente de trabalho que valorize a inovação e ofereça claras oportunidades de crescimento pode ajudar a tornar o serviço público mais atrativo para manter especialistas qualificados e estimular a aquisição de conhecimentos específicos. 

Nos encontramos na chamada era das múltiplas crises, que exige dos governos a constante construção, reforço e proteção de seus sistemas democráticos, a considerar os desafios de ordem ambiental, econômica, fiscal e tecnológica (como entende a OCDE).

Dentro do setor público, isso passa por entender a atual demanda, em todos os níveis federativos, para compreender como é possível promover maior especialização técnica e representatividade dentro da estrutura do Estado para resolução de problemas complexos. Não se trata de tarefa fácil, mas a discussão deve passar pela pergunta proposta e pela reavaliação organizacional quanto aos estímulos à especialização de servidores e agentes públicos.